Meu prefácio ao livro "Literatura e Ensino de Português" que acaba de ser publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos:
A Fundação Francisco Manuel dos Santos tem como principal objectivo conhecer melhor a realidade portuguesa, nos seus múltiplos aspectos, com liberdade e independência. E tem pugnado para que os portugueses tenham uma opinião sobre a transformação dessa realidade baseada na mais ampla e melhor informação. Um dos aspectos da realidade portuguesa que mais tem interessado a Fundação tem sido o ensino e, dentro do ensino, o do Português.
Com efeito, logo em 2011 quando começaram as Conferências-Chave sobre Problemas de Educação, um dos temas escolhidos foi precisamente “Como se Aprende a Ler?”. Juntámos reconhecidos especialistas nacionais e estrangeiros na Língua e no Ensino da Língua com outros da Psicologia e das Ciências Cognitivas para tentar perceber melhor como é que entre nós se aprende a ler, em comparação com outras experiências internacionais. Dessa conferência saiu um pequeno livro com o mesmo título, contendo as comunicações principais, com um prefácio de José Morais, professor de Psicologia português da Universidade de Bruxelas. E sobre o título “O ensino da leitura no 1.º Ciclo do Ensino Básico: crenças, conhecimento e formação dos professores” iniciámos um projecto, em fase de conclusão, coordenado por João Lopes, professor de Psicologia da Universidade do Minho.
Por outro lado, significativo da atenção que a Fundação quis dar ao Ensino da Língua Portuguesa foi o lançamento como primeiro número da sua colecção de Ensaios do livro “O Ensino do Português”, de Maria do Carmo Vieira, professora de Português do Ensino Secundário, que logo se tornou um best-seller não só pela relevância e actualidade do tema, mas também pela inovação que a colecção representava. Nessa obra, muito crítica sobre o nosso statu quo, analisava-se um vasto leque de questões do ensino da língua materna em geral, muito para além dos aspectos da aprendizagem inicial da leitura e da escrita. Defendia-se, por exemplo, o primado da Literatura em relação aos textos utilitários ou corriqueiros.
Com a publicação da presente obra, a Fundação mostra o seu continuado interesse pelo tema do ensino da língua. Desta vez lançamos um amplo foco sobre a Literatura na sua relação com a Língua Portuguesa. José Augusto Bernardes e Rui Mateus, respectivamente professor de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra (e também Director da Biblioteca Geral da mesma Universidade, uma casa que este ano comemora o seu quinto centenário) e professor de Português no ensino secundário numa escola de Castelo Branco, proporcionam-nos um olhar, rigoroso e inteligente, alicerçado na sua variada e rica experiência lectiva, sobre o papel da Literatura no ensino de Português e sobre a necessidade de desenvolvimentos que permitam reforçar esse papel.
Como os autores bem assinalam na sua Introdução, o ensino da língua materna tem passado por questões cuja relevância encontra eco em acaloradas discussões públicas. Todos se lembram, por exemplo, da polémica da nova terminologia da gramática (mais conhecidas pela abreviatura: TLEBS), assim como todos têm assistido à polémica, que parece longe de estar esgotada, em torno do Novo Acordo Ortográfico. Mas essas são, embora de maneiras diferentes, questões do foro normativo. Tão ou mais importantes serão as questões, que também têm concitado a atenção não só dos professores como da opinião pública, dos conteúdos e metodologias da disciplina de Português. Que Português ensinar? Como ensinar Português? As “Metas de Português” para o ensino básico recentemente aprovadas pelo Ministério da Educação e Ciência, às quais se irão seguir, as “Metas de Português” no ensino secundário, prefiguram um caminho de maior atenção a aspectos nucleares dos conteúdos e metodologias, como são decerto a função da Literatura Portuguesa na aprendizagem da língua materna.
Está, portanto, em debate o papel das Belas Letras nas Letras Nacionais. Os autores defendem, com argumentos cuidadosamente expostos, que não há nem pode haver Letras sem Belas Letras. Que não se pode ensinar Português sem se ensinar também, obviamente na medida certa, Literatura. E também defendem que a medida actual está aquém da medida certa. Será necessário, nesta como noutras áreas, que sejamos mais exigentes para connosco próprios. Por medida não se deve entender apenas a quantidade mas também e talvez sobretudo a qualidade.
Os professores, os estudantes mais avançados e as famílias são convidadas, com a leitura deste livro, a reflectir sobre o papel da escola como mediadora desses bens inestimáveis que são a língua e a cultura nacionais. Se o fizerem, a Fundação terá dado mais para o cumprimento da sua missão.
Carlos Fiolhais
Responsável pelo Programa de Educação da Fundação Francisco Manuel dos Santos
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