terça-feira, 3 de setembro de 2013

Flor de Lótus


No universo literário do escritor japonês Yukio Mishima, temas como a fealdade, a beleza, a tenacidade do espírito, a honra, o chauvinismo e o suicídio são assaz frequentes. Aconselho vivamente a leitura da obra variegada (romance, conto, drama, novela e ensaio) e riquíssima deste escritor.

O Templo Dourado é um dos melhores romances que li; seguir os passos do adolescente e gago Mizoguchí e a reflexão sobre a efemeridade da beleza, desde a sua entrada no mosteiro Kinkakuji até ao incêndio do mesmo, é do melhor que há na literatura universal. Este mosteiro, uma das maravilhas do Japão, fora de facto incendiado e reduzido a cinzas em 1950 e dera a Mishima a chama para escrever o romance.

No conto O Sacerdote do Templo de Shiga e o Seu Amor, o escritor leva, a sedução e o anelo de um sacerdote Buda por uma concubina, quase até à volúpia; nele encontrei esta passagem belíssima, onde a flor de lótus é enleada a uma teoria budista do universo:
«Por meio da observação microscópica e da projecção astronómica, a flor de lótus pode tornar-se o fundamento de toda uma teoria do universo e o agente por meio do qual se pode perceber a Verdade. Mas primeiro é necessário saber que cada pétala tem oitenta e quatro mil veios e que cada veio produz oitenta e quatro mil luzes. Além disso, a menor destas flores tem um diâmetro de duzentos e cinquenta yojana. Assim, admitindo que o yojana de que falam os Livros Sagrados corresponde a cento e vinte quilómetros, podemos concluir que uma flor de lótus com um diâmetro de trinta mil quilómetros será uma flor das pequenas.
Cada uma dessas flores tem oitenta e quatro mil pétalas e entre cada uma dessas pétalas há um milhão de jóias, cada uma delas emitindo mil luzes. Sobre o cálice ricamente enfeitado da flor elevam-se quatro pilares decorados com jóias, e cada um desses pilares é cem milhões de vezes mais alto que o monte Sumeru, que se ergue no centro do universo budista. Dos pilares pendem bandeiras, cada uma das quais está adornada com cinquenta mil milhões de jóias e cada jóia emite oitenta e quatro mil luzes, e cada uma destas cores douradas é, por sua vez, variamente reflectida.
A concentração de tais imagens é conhecida como «pensar na Cadeira de Lótus na qual se senta o Buda»; e o mundo conceptual que forma o pano de fundo da nossa história é um mundo imaginado a esta escala.»
Yukio Mishima após uma tentativa malograda de golpe de estado, em 1970, pusera termo à vida; fizera-o por «hara-kiri», uma prática com origens avoengas, dos samurais, e dentro do código de honra tradicional. Antes concluíra aquela que é para muitos a sua obra maior O Mar da Fertilidade, dividida em quatro partes, quatro rios, segundo a explicação do próprio: Dividi a minha vida em quatro rios: o rio dos livros, o rio do teatro, o rio do corpo e o rio da acção, e esses quatro rios desaguam no mar da Fertilidade.

Resta-me sentar sobre a flor de lótus e continuar a ler o mar de Mishima.

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