sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Educação para a escolha

Ao contrário do que, com frequência, se afirma, a filosofia naturalista e romântica está longe de ser uma criação da Modernidade, revelando-se, de resto, pouco consistente com os seus princípios. Neste período o que aconteceu foi que, sobretudo pela mão de Jean-Jacques Rousseau, revalorizou-se e consolidou-se uma das suas formas no seio de diversas disciplinas, entre as quais está a Pedagogia.

Acontece que a Pedagogia, como é compreensível, tem sido permeável a ideias emergentes noutras disciplinas que completam, corroboram ou discutem as que vai produzido, estando no início do século XX, por via da importância crescente dessa filosofia, particularmente receptiva a "descobertas etnográficas" que interrogavam a própria essência do acto educativo e as vias de concretização que solicita.

Assim sendo, as observações realizadas por Margaret Mead, em contextos sociais distantes e diferentes do ocidental, parecendo confirmar a tal filosofia, cumpriam esse propósito. Apesar das ilações tiradas a partir das ditas observações terem sido, dizem alguns, distorcídíssimas, o livro Corning of Age in Samoa (Crescer em Samoa), publicado em finais dos anos 20 do século XX, teve inúmeras edições e poucas interrogações.

Benjamin Wiker na obra a que me referi em texto recenteDez livros que estragaram o mundo, Aletheia, 2011 – explica, na página 137, que "Mead propunha uma orientação educativa totalmente diferente do que até então vigorava: a nova orientação era designada por “educação para a escolha” e o seu ponto mais importante era o de que não havia pontos importantes, o seu âmago o de que não tinha âmago era o de que não havia". Para melhor esclarecer esta ideia, Wilker cita a própria Mead:
“A educação […] não deve ser uma orientação especial por um certo regime de vida, uma tentativa desesperada de formar determinados hábitos mentais, que resistem a toda e qualquer influência exterior; pelo contrário, deve ser uma preparação para essas mesmas influências […]. As crianças do futuro devem ter um espírito aberto. A família tem de deixar de lhes impor posições éticas e convicções religiosas por meio de sorrisos e caras sérias, de carícias e ameaças. Temos de ensinar as crianças a pensar, não temos de lhes transmitir os conteúdos do pensamento. E, dado que os erros do passado levam tempo a morrer, é preciso ensiná-las a serem tolerantes, como hoje as ensinamos a serem intolerantes. É preciso ensinar-lhes que têm diante de si múltiplas alternativas, e que sobre elas apenas cai o fardo da escolha. Libertas de preconceitos, desembraçadas de condicionamentos muito precoces com um padrão único, as crianças têm de encarar de olhos bem abertos as alternativas que se lhe apresentam.”

3 comentários:

Dédé disse...

Claro que para quem não gosta da “educação para a escolha” há sempre alternativas:


"vê-se diariamente quanto é difícil aos que envelheceram no vício e nos maus costumes converterem-se num novo homem e consagrarem-se a Deus, e até que ponto todo o bem da cristandade e da sociedade depende de uma boa educação da juventude; esta macia como a cera, recebe a impressão da forma que se quer. http://bit.ly/T4HT5R

Vox Nostra disse...

Partilhado!

Ari disse...

Uma visão diametralmente oposta à de Margaret Mead é a do filósofo iraniano Ramim Jahanbegloo:

“Os indivíduos devem pertencer a um grupo religioso e sua vida cotidiana deve reger-se pelas tradições normativas desse grupo, que se julga possuidor da verdade divina, do ‘caminho acertado’, da validez absoluta dos seus dogmas e dos seus princípios.”

Sendo a evolução o motor da ordem natural, e o ímpeto de que estão impregnados o espaço e o tempo, a fluidez é uma necessidade e a estagnação, um erro.

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