terça-feira, 5 de junho de 2012

Nabokov versus Einstein


Texto recebido de Ângelo Alves (na foto Vladimir Nabokov):

«Um homem que busca a verdade faz-se sábio, um homem que tende a expandir a sua subjectividade faz-se talvez escritor; mas que há-de fazer um homem que busca qualquer uma entre estas duas?»

                                                              Robert Musil in O Homem Sem Qualidades

     São diversos os escritores que oscilaram entre a literatura e a ciência. Schnitzler, Mikhail Bulgakov, Alfred Döblin, André Bréton, Miguel Torga, Franz Kafka, Louis-Ferdinand Céline, Anton Tchekhov, Primo Levi, Ernesto Sabato, só para citar alguns. Vladimir Nabokov - escritor russo que se exilou na América após a ascensão dos bolcheviques ao poder na Rússia -, fascinado pela entomologista, foi um deles. É dos meus escritores de eleição; a primeira página de Lolita é do melhor que já li. Defino-o como anti-progressista, neófobo, romântico, pioneiro na condenação da pedofilia, grande admirador de Pushkin (como Pasternak) e, para além disto, crítico acérrimo da teoria da relatividade restrita e geral de Einstein. No romance que mais gosto – Ada ou Ardor –, também o seu favorito, atinge o clímax da sua aversão à teoria do Espaço-Tempo. Cito alguns excertos:

    «A textura do Espaço não é a do Tempo, o híbrido malhado quadrimensional gerado pelos r relativistas é um quadrúpede com uma perna substituída pelo fantasma da perna. O Tempo também é o Tempo imóvel…»

     «Medimos o Tempo …em termos de espaço (sem conhecermos a natureza de nenhum deles )…»

     « «Espaço -Tempo» - «o hífen parece uma impostura»»

     Para Nabokov o Presente, domínio dos nossos sentidos, não pode alterar nem o passado nem o futuro; o Futuro, para ele, nem existe, uma vez que, aqui sentado na minha cadeira e observando o voo de um melro, pela janela da biblioteca, ele é único e irrepetível: nós não vivemos no Futuro nem no Passado. Por outro lado, o Passado é imutável e intangível, uma vez que o que senti ontem é irreversível; apenas existe na memória e ela não altera o nosso presente, assim como este não altera a memória. As fantasias e as esperanças vão para o caixote do lixo. É claro que, para ele, os relógios não marcam a passagem do tempo, ao passo que, para Einstein, são determinantes. Na sua teoria do Espaço-Tempo, o Espaço modifica o Tempo e vice-versa, sendo em princípio possível viajar para o Passado e para o Futuro. Einstein pensa, mas Nabokov sente e sofre. Nabokov nunca se imaginou sobre um raio de luz. Não sei se Einstein, à semelhança de aquilo que pensava o estudante Trofimov, no drama O Cerejal tinha mais do que cinco sentidos, mas é provável. A verdade é que existem provas irrefutáveis a favor da relatividade geral, mesmo que ela exija uma ruptura com a teoria newtoniana de Espaço e Tempo, na qual os dois são separados e absolutos.

      Quando Iuri Andrievitch em Doutor Jivago corre para a morte, dentro de um trem, vai ensimesmado com os problemas da relatividade galileana, que resolveu na infância… Assim corre o Tempo.
      
       No seu livro Dom, Nabokov escreveu:
  «Suponhamos que certo físico conseguiu identificar, da soma absolutamente impensável de átomos que compõem o Todo, o átomo fatal por que se interessa o nosso raciocínio. Estamos a supor que ele levou o seu fraccionamento até à última essência do átomo, momento em que a sombra de uma mão (a mão do físico) se abate sobre o nosso Universo com resultados catastróficos, é, creio, tão-só a fracção final dum átomo central dos que nos constituem…Este é o segredo do mundo, a fórmula do infinito absoluta, mas, tendo feito esta descoberta, a personalidade humana deixa de poder continuar a andar e falar.»

    Ao ler estas linhas sou invadido pelos receios, partilhados talvez com alguns físicos, quanto à descoberta do bosão de Higgs. Não venha por aí um buraco negro!

Ângelo Alves

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