quarta-feira, 6 de junho de 2012

Ainda as Ordens e Câmaras Profissionais e o Respectivo Ante-Projecto de Regulamentação


“Aprenda com o ontem, viva o hoje, tenha esperança no amanhã. O importante é não parar de questionar” (Albert Einstein, 1879-1955). 

No meu anterior post, “O Ministério da Economia, a Ordem dos Professores e a Fenprof” (02/06/2012), teceu um comentário o leitor José Batista da Ascenção, companheiro de uma cruzada  na luta sem quartel contra os “infiéis” que terçam armas contra a criação da Ordem dos Professores.  Ou seja, especificando melhor,  sindicalistas que tudo fazem para que essa realidade seja adiada para as calendas gregas. Mas que eu espero e desejo, colhendo inspiração  em  Vergílio Ferreira -  “tenho esperança, é o que me vem sustentando; a esperança que amanhã é que é” – que esse prazo seja reduzido para um tempo que não se afaste muito da hora que passa
Este comentário é a prova de que ainda há professores que pensam pela própria cabeça, rejeitando, por exemplo, propostas deontológicos sindicais (da pertença legal e exclusiva das ordens profissionais ) que tentam resistir aos ventos da história mesmo depois de Soljenitzin ter anunciado, urbi et orbi, que “o relógio do comunismo já soou todas as badaladas”. Em acrescento meu, com excepção do carrilhão da Coreia do Norte e o tique-taque da República Popular de Cuba!

Começo por dizer ao autor do referido comentário que comungo com ele as dúvidas por si levantadas,  em comentários anteriores, sobre a bondade, não isenta de defeitos, das ordens profissionais, porque, como nos diz a vox populi, “não há bela sem senão!” De entre as minhas objecções, apresento, a título exemplificativo, as seguintes:

- Criação de ordens profissionais que metem tudo no mesmo saco sem diferenciar e respeitar as habilitações académicas dos seus membros.

- Obrigatoriedade de cotização mesmo que os seus membros se encontrem no desemprego, sob o risco de o não fazerem serem obrigados a provas de acesso em que a respectiva exigência faz com que “chumbem”, tendo que repetir essas provas a troco de quantias incomportáveis para as suas vazias bolsas ou, muitas vezes, em alternativa, com balões de oxigénio de sacrificados progenitores.

- Possibilidade de eleição de  bastonários com habilitações de grau  académica não superior  em ordens que tutelam licenciados universitários e politécnicos.

Objecções  sobre esta forma de associativismo profissional, levantou-as, também, o jurista e jornalista  Miguel Sousa Tavares.  Mas delas se ressarciu quando reconheceu publicamente: “(…) opus-me no referendo feito à classe sobre a criação de uma Ordem dos Jornalistas. Hoje, revejo a minha posição: é urgente a criação de uma Ordem” (“Público”, 06/06/03/98).

Sintomaticamente, e a exemplo da Ordem dos Professores, idêntica e fortíssima contestação à criação da  Ordem dos Jornalistas teve como personagem de cartaz  o Sindicato de Jornalistas. Assim, num programa da TV2, intitulado “Clube de Jornalistas”, em época acesa desta polémica, assistiu-se  a um debate entre  jornalistas e uma ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas, Diana Andriga, que se mostrou  visceralmente contrária    a essa  criação  em oposição às opiniões favoráveis de Octávio Ribeiro, subdirector do “Correio da Manhã”, e Eduardo Cintra Torres, crítico de televisão do “Público”. Manifestou-se, também, favorável à respectiva criação o antigo director do “Diário de Notícias”, um peso pesado do jornalismo, Bettencourt Resendes.

Por todo um árduo trabalho de estudo (muitas vezes,  em consultas de documentos  em bibliotecas)  que, ao longo de vários anos, dediquei a esta temática, derrubando argumento atrás de argumento, como seja, por exemplo, o refúgio impeditivo no conceito stricto sensu de profissão liberal, não posso deixar de me revoltar com argumentos, como diria Eça, escritos de “pena ao vento”, em alguns casos de má fé ou mesmo a roçar a imbecilidade de querer fazer passar por estúpido todos aqueles que defendem a criação de uma Ordem dos Professores.

Haja paciência! E paciência de Job não me falta. Só peço que não mandem para o ar “bitaites” (releve-se-me o calão) como se fossem coisas sérias, em nome do respeito que merecem os professores e o seu munus de sacerdócio por um futuro risonho das  vindouras gerações,  mais cultas, melhor preparadas cientificamente   e em que se cumpra escrupulosamente o princípio defendido por Einstein: “É fundamental que o estudante adquira uma compreensão e uma percepção nítida dos valores”.

 Ao contrário do exemplo de operários que, durante o PREC, se manifestavam  ameaçadores à porta das fábricas contra os patrões,  esses valores não devem  encontrar expressão, em manifestações  sindicais actuais ruidosas (ou mesmo boçais), por vezes, à  porta das escolas e em presença dos respectivos alunos.

Ora, só com medidas concertadas serão os docentes (docentes por não haver nada na lei que outorgue o título de professor: o licenciado em Medicina só é médico se inscrito na respectiva ordem) capazes de se libertarem do anátema de falta de capacidade para se auto regularem , rejeitando, assim, naquilo que a nova regulamentação das ordens profissionais permitir, a submissão a uma tutela estatal ulcerada de injustiça e com pústulas de compadrio.

Por último, na situação actual, em que o Ministério de Economia se comprometeu em ouvir as ordens profissionais sobre a futura legislação que presidirá a esta forma de associativismo profissional, os professores, por falta de traje legislativo apropriado, terão que ficar à porta desta cerimonial audição. Se esses actos de tentativa de concertação de interesses de ambas as partes decorrerem no segredos dos deuses,  a exemplo de todo aquele que não tem bilhete  para assistir a um desafio importante do chamado desporto-rei têm as estruturas sindicais e os docentes delas desvinculadas que ir colhendo, tão-só,  notícias  publicadas nos media.

 Seja como for, oxalá que essa audição não se destine  apenas a ouvir a opinião das associações profissionais públicas para  o Ministério da Economia dela fazer ouvidos de mercador.  Isto é,  como já tem sucedido, em ocasiões anteriores,  as entidades solicitantes  de pareceres idênticos fazerem precisamente o contrário! Ou será, que, desta vez,  se não deve dar qualquer crédito ao legado deixado por Benjamim Disraeli, com a autoridade de ele ser um destacado político britânico (1804-1881): “O exercício da política pode ser definido com uma só palavra: dissimulação”?

Sem me querer precipitar, até porque como nos ensina a sabedoria popular, “até ao lavar dos cestos é vindima”, por agora, limito-me a dar voz e a acatar  o princípio jurídico que nos impões prudência mesmo que só nos nossos julgamentos pessoais: “In dubio pro reo”.

10 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Sim, meu caro Rui Baptista

Depois de muito pensar, e muito por influência sua,

e olhando para a sua honesta e porfiada luta,

agradecendo a primeira e admirando a segunda, senti

que não me era permitido ficar indiferente. Por isso

sou a favor da criação de uma Ordem de Professores.

Mas não sou António e o Batista do meu nome não tem

"pê", o que, para o que se discute, é irrelevante.

Pudesse haver muitos Antónios a associarem-se ao

esforço. E muitos professores com "pê maiúsculo" a

darem poder a tão merecido esforço.

É o que desejo.

Sinceramente.

Rui Baptista disse...

Meu caro José Batista da Ascenção: Já emendei no próprio post!Só eu e Deus sabemos o desgaste que me dá (e, por vezes, a irritação) repisar o que toda a gente de boa-fé sabe, ou tinha mesmo a obrigação de saber, ser uma luta que há-de acabar por vingar pela justiça que encerra.

Receba um abraço com o pedido de desculpas pelo meu erro involuntário e justificado pelas razões acimas expostas.

Rui Baptista (com "pê"!)

Cláudia S. Tomazi disse...

Ph - (professores com fósforo) Conhecimento.

Fernando Martins disse...

Excelente texto - mas, mesmo com as dúvidas que se expõe, há muita mais vantagens do que desvantagens na criação da nossa Ordem.

PS - sou geólogo; na minha área científica também se tem posto a questão e a minha resposta é a mesma - embora os geólogos, sejam muitas vezes, por natureza, anarquistas (eu sou um bocado...) e eu não gostasse antigamente de uma Ordem dos Geólogos (preferia uma DesOrdem dos Geólogos...) hoje não tenho dúvidas de que o país e os geólogos teriam muito a ganhar (tal como os jornalistas) numa Ordem, mesmo que eu tivesse de optar pela Ordem dos Professores, se não me fosse permitido pertencer às duas.

Rui Baptista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rui Baptista disse...

Meu caro Fernando Oliveira Martins: Haja o que houver, mais dia ou menos dia, a Ordem dos Professores será uma realidade. A acção concertada, constante e pertinaz da Fenprof e da própria FNE (para não falar de outros sindicatos de expressão quase insignificante num universo de mais dezena e meia de organizações sindicais) acabará por ser vencida pela força da razão. Toda esta obstrução sindical que se julga um inamovível Rochedo de Gibraltar não passa de uma pedra solta de calçada à portuguesa…

Ancorados no princípio “ se não puderes vencê-los junta-te a eles”, só há o perigo de – aparecerem, sem serem convidados, para festejar essa vitória e delas tentarem tirar proveito. Mas nessa altura terão que arcar com a responsabilidade dos seus actos. Nós cá estaremos para não nos deixarmos enlear em novos cantos de sereia que nos façam naufragar em novos escolhos:” Cesteiro que faz um cesto faz um cento desde que tenha verga e tempo”!

Como outros comentários aqui deixados, o seu comentário é uma ajuda preciosa para arregimentar adesões de indecisos que poderão ( e deverão) levantar todas as objecções que entendam por necessárias. O papel de advogado do diabo é de uma grande utilidade por nos obrigar a esclarecer todos os pontos contestatários que venham por bem. Já chega de silêncios cúmplices…

Cumprimentos gratos,

Dis aliter visum disse...

Caro Professor Rui Baptista,

O ensino está a passar por uma profunda transformação e a vida quotidiana nas escolas decorre sob alguma ansiedade. Depois da redução salarial de 5%, em média, em 2012, e mais de 14%, no ano corrente, a revisão da estrutura curricular caiu mal entre o professorado.
Mesmo os docentes que leccionam as disciplinas do 3º ciclo cuja carga horária vai aumentar — História, Geografia, Física-Química e Ciências Naturais — não manifestam contentamento com a valorização das disciplinas para cujo ensino foram recrutados, chegando a evidenciar pena pelo desaparecimento de áreas curriculares — área projecto, formação cívica e estudo acompanhado — que consideravam inúteis, mas que diminuíam o número de turmas que exigem trabalho de elaboração e correcção de testes.
Quanto aos de EVT (2º ciclo), a animosidade contra o ministro é de tal ordem que usam cargos no Conselho Pedagógico e no Conselho Geral e ligações partidárias nas autarquias para ignorarem, ou até darem cobertura a perseguições a colegas que nunca se conformaram com as pedagogias rousseaunianas.

Este ambiente provoca-me um profundo cansaço e ontem, quando por aqui passei, não consegui alinhavar umas linhas de apoio à criação da Ordem dos Professores. É, porém, um combate que também sinto necessidade de travar.

(continua)

Dis aliter visum disse...

Caro Professor Rui Baptista,

Que as ordens defendem interesses corporativos dos seus membros, é sobejamente conhecido.

Que há ordens profissionais que "metem tudo no mesmo saco sem diferenciar e respeitar as habilitações académicas dos seus membros", como muito bem lembrou, é problema a exigir solução. Haveria que distinguir os docentes com formação em politécnico da universitária, começando por definir o termo "professor". Os espanhóis, por exemplo, diferenciam o "maestro" do "profesor", tal como os escritores portugueses do séc. XIX também distinguiam o "mestre-escola" do "professor".


Não podemos esquecer, porém, o papel inestimável das ordens profissionais na exigência de elevadas qualificações aos seus membros, cumprindo fielmente o objectivo das corporações medievais de artesãos onde têm as suas raízes.

Nunca será demais recordar o serviço prestado ao prestígio profissional dos engenheiros pela sua ordem, quando esta recusou a aspiração de José Sócrates a ser considerado como tal.

Nunca a indisciplina nas escolas teria atingido a gravidade visível, nunca teríamos assistido, impotentes, à degradação da qualidade do ensino no nosso País, se os candidatos a professor dos ensinos básico e secundário oriundos de instituições de ensino superior pouco fiáveis tivessem de prestar provas de conhecimentos numa ordem profissional para poderem exercer a profissão de professor.

Dir-me-ão que não havia escolas nem professores suficientes para cumprir a escolaridade obrigatória de seis anos decretada em 1964 e foi necessário recrutar pessoas com habilitações ao nível do secundário para preencher vagas nas escolas.
Dir-me-ão que se montaram pavilhões pré-fabricados e que Veiga Simão criou licenciaturas em ensino, só com exames nos dois primeiros anos, para formar rapidamente professores.
É verdade. Mas era uma situação temporária que mais tarde a ditadura corrigiria.

Depois aconteceu o 25 de Abril e das universidades saíram licenciados com três semestres de passagens administrativas (sem exames) que caíram de pára-quedas nas escolas dos ensinos básico e secundário. Como não existia uma Ordem dos Professores a exigir qualificações aos seus membros, os sindicatos conseguiram enfiar todas estas pessoas nos quadros das escolas.

Neste meio propício, surgiram as Ciências da Educação a defender que os alunos podiam adquirir competências sem que os professores transmitissem conhecimentos, apenas brincando. Os defensores de pedagogias estritamente activas multiplicaram-se como cogumelos em universidades e institutos politécnicos, entraram na Assembleia da República e instalaram-se no Ministério da Educação.

Quando já havia escolas bem equipadas, continuaram a ser admitidos professores cientificamente mal preparados, muito permissivos com a indisciplina, sem rigor na avaliação dos alunos, que aderiram de alma e coração às teorias dos técnicos das Ciências da Educação, que ficaram conhecidos por técnicos do Eduquês.
Porquê? Porque as exigentes universidades públicas davam menores classificações aos seus licenciados que, obviamente, eram ultrapassados nos concursos para professores. Com o ministério minado e sem uma ordem a defender a qualificação profissional, os melhores foram preteridos.


Pelo recrutamento dos professores por um critério de mérito, pela qualificação dos jovens, pelo desenvolvimento económico do País e para que as futuras gerações possam ter uma vida digna, todos juntos a defender a criação da Ordem dos Professores.

Cumprimentos cordiais.

José Batista da Ascenção disse...

Se o autor não vir inconveniente, subscrevo o seu texto, que apoio e agradeço.

Rui Baptista disse...

Meu Caro "Dis alter visum": Encontro-me- em imperdoável falta para consigo por ainda não ter respondido a este seu belo texto de apoio a uma luta que deveria mobilizar todos os professores que estão a favor da criação da Ordem dos Professores.

Os imponderáveis que para isso têm contribuído residem no facto de ter estado a responder aos comentários que têm sido feitos ao meu último post, "O futebol, ópio do povo?" Aliás hábito que vem de longe pelo respeito que me merecem as opiniões dos outros. Aqueles outros que me dão o prazer de ler os meus post's e comentá-los, quer para com eles concordarem ou discordarem.

Fá-lo-ei, brevemente, com o destaque que lhe é devido e pelo prazer de um dever cumprido.

Cunprimentos gratos,

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