“Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre” (Eça de Queiroz, 1845-1900).
Desta feita, vou debruçar-me sobre o problema da emigração portuguesa, correlacionando-a com épocas diferentes e com um sistema de ensino superior actual que não quis, ou não soube, planificar as necessidades de oferta e procura do mercado de emprego nacional.
Demasiado arrojo o meu em tentar despertar consciências mais lúcidas num país adormecido em questões que o atormentam e quase lhe causam pesadelos neste mês de Junho: “O Campeonato Europeu de Futebol”? E, desta forma, em que a não passagem aos quartos de final da equipa das Quinas pode vir a representar, em um ou outro tifosi lusitano, um desastre só comparável à derrota das hostes portuguesas em terras marroquinas de Alcácer-Quibir…
A emigração, um fenómeno de um passado distante ou mais recente, recai agora sobre a actual população jovem, sendo apresentada, com um certo despudor, como se as coisas más do passado passassem a ser coisas boas do presente. Seja como for, é um fado que nos persegue, como se regressássemos à época da Antiga Roma de Horácio, “em que tudo se afunda, e, mais do que em nenhum outro, este tempo é fecundo em misérias”.
Reporto-me, neste momento, ao problema da emigração do tempo do Estado Novo e das classes sociais desprotegidas que não conseguiam emprego na terra que os vira nascer e crescer e não tinham, por isso, condições para nela viverem, ficando despovoadas parcelas de terras de agricultura produtiva. Vivia-se uma época em que uma canção de Linda de Suza, emigrante em França, transportou para a ribalta nacional a descrição da saída penosa e forçada para fora de fronteiras pátrias, em terceira classe de comboios apinhados de gente, de patrícios nossos em direcção à “Cidade das Luzes”, tendo como bagagem as pobres malas de cartão, que demandavam o mundo na esperança, muitas vezes gorada, de uma vida melhor.
Hoje os emigrantes que partem para Bruxelas, e outros areópagos em que se decide o destino de uma Europa Unida (ou desunida?), viajam de avião em classe executiva com malas de couro com etiquetas de grandes marcas internacionais. Mas não é só desses emigrantes que falo nesta hora de desânimo e pobreza envergonhada, para quem sofre as suas consequências, e de desvergonha para quem nada ou pouco faz para a minorar. Falo da juventude dos nossos dias com sacos de viagem que parte para outras paragens em viagens aéreas na classe turística. Jovens muito bem preparados academicamente: os países que importam essa mão-de-obra fazem a triagem que separa o trigo do joio, não admitindo licenciados formados em escolas privadas, quais tendas de feirante, para satisfação de egos insatisfeitos de personalidades que ocupam, ou ocuparam, cargos da governação ou lugares políticos de destaque. Ficando com os piores e exportando os melhores, emigram esses nossos jovens em demanda de países de invernos rigorosos ou regiões de climas tropicais para ganharem o pão do dia-a-dia em fuga a um país de gente, deixemo-nos de eufemismos, desempregada e esfomeada. É toda uma juventude que se aparta dos seus familiares mais chegados, deixando para trás uma população envelhecida, desprotegida, saudosa porque, em nova citação do príncipe das nossas letras, Eça de Queiroz, “em Portugal a emigração não significa ausência, significa abandono”.
E tudo isto porquê? Em parte por se terem criado escolas de ensino superior politécnico, por tudo quanto é canto, que pouco mais ministram aos seus ensinantes do que conhecimentos que as antigas escolas primárias, localizadas em simples lugarejos, levavam para aprendizagem das primeiras letras a crianças com professores que tinham orgulho em ensinar e desse ensino faziam um sacerdócio sem batina.
E isto porquê, ainda? Por uma política, pós-25 de Abril, que se pôs às cavalitas do operariado para angariar votos, tendo, por outro lado, criado a ilusão, num país ávido de doutorice que dava estatuto social, que ser operário era desprestigiante como desprestigiante era a existência de um digno, sério, exigente ensino técnico que fazia a ponte entre o operariado prático e os teóricos de uma programação industrial devidamente orientada. De que servem cérebros que planificam nos seus gabinetes os meios de produção industrial se não tiverem como espinal medula de um corpo economicamente forte e sadio técnicos de formação não superior, que medeiem essa actividade dando orientação a mãos que fazem por fazer sem saber porque o fazem?
Num mundo de competição tecnológica feroz, como os Estados Unidos, a Alemanha, o Japão, a Coreia do Sul e as emergentes China e Índia, Portugal sofre de uma espécie de paraplegia que o não deixa abandonar a cadeira de rodas empurrada por mentalidades esclerosadas que levaram o país ao engano das “Novas Oportunidades” (a que Nuno Crato, em boa hora, deu o destino de coisas sem préstimo: uma espécie de alquimia dos tempos modernos querendo fazer passar por ouro diplomas que não valem a liga metálica de uma moeda de cêntimo). E, em igual escândalo, à batota de provas de “Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos”, destinadas a verdadeiros ignorantes (em que as poucas excepções confirmam uma numerosa regra) e em substituição dos antigos e sérios exames ad-hoc, para, desta forma, ministrarem balões de oxigénio em cofres asfixiados de instituições mercantis de ensino superior, abertas em tempos de vacas gordas, e, agora, em tempo de vacas magras, em risco de encerrar portas.
Bem sei que nesta era computorizada qualquer ignorante pode blasonar de sábio ocasional em consulta apressada à wikipédia. Para que encher, portanto, a cabeça das nossas crianças de memórias como, por exemplo, o nome do 1.º rei de Portugal? Não são elas mais “cultas”, e preparadas para a vida futura, sabendo, de cor e salteado, os nomes dos craques nacionais do desporto-rei ou, ainda que só mesmo, do clube de futebol da santa terrinha?
Estarei a ser demasiado pessimista influenciado pelo desânimo de um emigrante, perseguido politicamente pelo Estado Novo, Jorge de Sena? Recordo o que ele escreveu: “Cada vez mais penso que Portugal não precisa de ser salvo, porque estará sempre perdido como merece. Nós todos é que precisamos que nos salvem dele”.
Será que os dias tristonhos e nebulosos de um verão que tarda em chegar me inclinem, sem razão de ser, para idêntico estado de alma de quem se viu expatriado, com a agravante, por ele descrita em carta a Sophia de Mello Breyner, “da falta de dinheiro, tricas sinistras da vida universitária e amargura com as canalhices da ‘oposição’ (de cuja acção activa me afastei por completo), o desgosto por nada saber das minhas edições portuguesas (poemas, ensaios, etc.), a solidão que é a nossa aqui em Araraquara, e terá uma pálida imagem da minha vida e da Mércia” [sua Mulher e companheira dedicada de desterro]. Será?
8 comentários:
o ano da morte de Eça está errado. Em vez de 1950 deve ser 1900.
Obrigado. Claro que está. Vou já emendar.
Cumprimentos cordiais,
Meu caro Rui Baptista
Nos tempos do Estado Novo havia também aqueles, e eram muitos, que iam a
"salto" para França, depois de entregarem os seus "pés-de-meia" a
"passadores" sem escrúpulos.
Há dias ouvi na rádio um desses Homens, a ele demorou-lhe cerca de 13 dias a
chegar a Paris, numa viagem a pé, atravessando os Pirinéus, tendo chegado
com os sapatos desfeitos e a roupa em frangalhos. E referiu que aquilo é que
era sofrimento. E devia ser...
Sabe, na primeira oportunidade, aproveitei para falar disso aos meus alunos.
E ficou-me a ideia de que, em muitos deles, o que lhes disse não causou
impressão por aí além...
Onde eu vi um herói, eles viram um miserável, suponho.
Seja como for, houve e há heróis no meu país.
Mas o conceito de herói tornou-se vário, e conveniente para certos efeitos.
E aqui, a escola que temos (tido) é também (muito) responsável ou talvez
não, talvez seja apenas igual ao que em nós, no nosso país, tem
predominado...
Ou sou eu que vejo mal.
Caro Jose Batista da Ascenção: Obrigado pela sua lembrança de portugueses que atravessavam a salto (isto é sem a necessária autorização)a fronteira entre Portugal e a Espanha. Muito deles, non tempo da guerra do Ultramar, para uns, e Guerra Colonial, para ioutros, faziam-no para não serem alistados no exército para combaterem em África.
Curioso é o facto de haver quem criticasse um combate, justo ou injusto, sob a bandeira verde rubra. E, agora, quando esse combate é feito com soldos chorudos passa a ser coisa não criticável. Enfim, mudam-se os tempos, mudam-se as maneiras de ver a coisa...
Caro Professor Rui Baptista,
O desaparecimento do ensino técnico foi um enorme erro da política educativa, justamente porque de nada "servem cérebros que planificam nos seus gabinetes os meios de produção industrial se não tiverem como espinal medula de um corpo economicamente forte e sadio técnicos de formação não superior, que medeiem essa actividade dando orientação a mãos que fazem por fazer sem saber porque o fazem".
Precisamos urgentemente desses técnicos cuja formação não superior era adquirida nas oficinas das nossas antigas escolas técnicas, como a Escola Industrial e Comercial Alfredo da Silva, construída e equipada a expensas do patrono, no Barreiro, e onde as disciplinas técnicas eram leccionadas pelos próprios engenheiros da CUF.
Nessa altura tudo era tão fácil: havia empresários que sabiam seleccionar os produtos que interessava produzir e mandavam construir as fábricas e as escolas para ensinar os técnicos e os bairros sociais para alojar as suas famílias; e havia pessoas que queriam aprender — o diploma era uma consequência do estudo —, e que tanto valorizavam conhecer os diferentes tipos de caldeiras ou turbinas, como os Lusíadas de Camões.
Tivemos grandes empresários como Alfredo da Silva, excelentes engenheiros como Edgar Cardoso, tivemos os operários mais cultos e mais empenhados. Agora corremos atrás de diplomas, bajulamos por regalias aos pés de chefias incompetentes, invejamos e procuramos destruir quem tem mais valor intelectual e exigimos empréstimos que não pretendemos pagar. O que é que nos aconteceu?
(continua)
(continuação)
Instaurámos o socialismo: todos têm o direito de ter um emprego do Estado.
O modo mais fácil é oscilar entre o apoio ao PCP e ao PS (noutras regiões serão siglas diferentes) e pedinchar um emprego na autarquia através do primo do cunhado.
Mas também se pode voar mais alto: o candidato matricula-se numa ESE e obtém uma licenciatura para educador de infância ou professor dos 1º e 2º ciclos, de preferência na variante de educação física para poder acumular com o trabalho num ginásio ou como treinador nalgum pequeno clube.
De repente, um sacrílego vem sugerir que universidades e politécnicos aumentem as vagas nos cursos de Ciências, Matemática, Informática e Engenharia e reduzam 20%, pelo menos, as vagas daqueles cursos, por causa do desemprego entre os licenciados em Educação Básica. Há que abater o ministro. É preciso abrir mais vagas, muitas vagas em Educação Básica, que o curso exige pouco estudo e faz-se depressa. O desemprego resolve-se dividindo as turmas ao meio e contratando estes licenciados, valores dos salários mantidos, claro.
E criando apoios nas escolas, muitos tempos lectivos de apoio, por causa das dificuldades de aprendizagem dos alunos que não estudam e são indisciplinados ou têm uma língua materna diferente (a propósito, urge aumentar as quotas de imigração, louvado seja Sócrates que tanta clientela trouxe). O Despacho 13-A/2012 dá duas horas de apoio e mais créditos de tempo (CT) terão de ser ganhos através de CT = K x CAP + EFI + T*? Morte ao Crato, com o mote lançado pelos senhores directores.
"Os Estados Unidos, a Alemanha, o Japão, a Coreia do Sul e as emergentes China e Índia" lideram a competição tecnológica? Pois que nos enviem dinheiro, a fundo perdido porque exigimos solidariedade, que nós faremos o favor de lhes comprar os seus produtos tecnologicamente sofisticados.
Parafraseando José Barata Moura 'não vamos brincar à solidariedadezinha eterna'. Nem todos têm as mesmas capacidades. Nem todos podem ser trabalhadores do sector dos serviços.
Aprender a navegar na Internet e a rabiscar uns comentários superficiais na imprensa on-line, como se faz no Novas Oportunidades (que ainda não acabou porque as horas dos formandos estão a ser esticadas para ocuparem mais um ano lectivo, pelo menos), não transforma ninguém num trabalhador especializado.
Quem não quiser estudar ou tiver menos capacidades, terá mesmo de enveredar por actividades na agricultura e pescas, pela indústria que resta. Assim saibam as autarquias disponibilizar terras e equipamentos para estas pessoas poderem trabalhar. Assim saiba o governo criar verdadeiros cursos profissionais, com diferentes níveis de especialização, com parte teórica e parte prática, esta ensinada dentro de empresas agrícolas ou industriais.
Cordiais cumprimentos
* K é igual a zero, em muitas escolas, porque a redução da componente lectiva devido à idade anula o quádruplo do número de turmas dos 2º e 3º ciclos e secundário. CAP é um factor menor ou igual a 1.
EFI tem três componentes: média da Classificação dos Exames nacionais, equilíbrio da classificação interna com a externa (fácil de obter) e acréscimo da classificação externa em anos consecutivos em relação à média nacional. Mas apenas uma escassa centena do ranking de 2011 tem EFI(cácia) diferente de zero.
T é o número de turmas dos 2º e 3º ciclos mais o algarismo das dezenas da soma destas turmas com as do secundário.
Na mouche!
Caro "Dis aliter visum": Obrigado pelo seu comentário. Só tenho receio, aliás fundamentado, que as cabeças duras dos cabeçudos responsáveis pelo estado da educação sejam impermeáveis a um simples exame de consciência pelo mal que fizeram e que querem fazer passar como coisa boa e, se calhar, digna de louvor.
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