“Estrelas às miríades, nunca vistas anteriormente, e que superam em mais de dez vezes o número das antigas, previamente conhecidas” (Galileo Galilei, 1564-1642).
Com proveito pessoal, o desvio de agulha provocado por comentários ao meu último post, O corpo em movimento” (10 de Abril último), despertou em mim a curiosidade pelo mundo da Astronomia.
Nesse mundo de uma ciência que se perde em milénios de origem, assomo, agora, em declarada bona fide, a uma simples fresta de uma janela com vistas a perderem-se no espaço sideral porque, como escreveu Lucrécio (no século I a.C.) “qualquer que seja o lugar onde nos encontremos, o universo estende-se a partir daí por igual em todas as direcções sem limites”.
É esse proveito que eu desejo partilhar com os leitores pela transcrição que aqui faço, colhida numa fonte de informação que me acompanha de há longos anos pela elevada reputação de muitos dos seus colaboradores. Reza ela:
“Os antigos astrónomos (Hiparco, Ptolomeu, etc.) designavam as estrelas pelo posição que ocupavam nas constelações. Este sistema obrigava a empregar frases muito longas para algumas. Às mais brilhantes deram nomes individuais: os gregos, os latinos e, sobretudo, os árabes, Estes nomes ainda perduram e, em geral, os nomes árabes fizeram esquecer e abandonar os nomes gregos e latinos. Outros povos, como os índios e os chineses, deram à estrelas nomes que não chegaram a entrar na literatura astronómica europeia. O número de estrelas visíveis é tão grande que qualquer dos dois sistemas é impróprio para designar todas sem confusão. Em 1561, Liccolomini publicou um atlas em que aplicou às estrelas uma nomenclatura sistemática, que Bayer aperfeiçoou em 1603 e aina hoje está em uso. As estrelas são designadas por letras do alfabeto grego e pela constelação a que pertencem; em geral, a ordem alfabética acompanha a ordem decrescente do brilho aparente. Como as letras gregas são insuficientes recorre-se às latinas e ainda a números, Modernamente, como o sistema de Bayer para as estrelas menos brilhantes não dispensa o conhecimento das coordenadas duma estrela para a identificar, prefere-se designá-las pelos números que têm nos catálogos em que figuram. Com este sistema uma estrela pode ter muitas designações (tantas como os catálogos em que figura, mas por qualquer delas é fácil e perfeitamente identificável” (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Editorial Enciclopédia, Limitada, Lisboa- Rio de Janeiro, s/d, vol. X, p. 533).
A consulta do vol. IV de actualização, da obra atrás citada, p. 516, acrescenta:
“Um outro sistema de identificação das estrelas dentro de cada constelação foi introduzido por John Flamsteed, atribuindo um número a cada estrela por ordem crescente das suas ascensões rectas no seu catálogo 'Historia Coelestis Britannica' publicada postumamente, em 1725. Em sua homenagem estes números são designados por “números de Flamsteed. Também esta classificação tem inconvenientes porque nem todas as estrelas foram numeradas e, por outro lado, os movimentos próprios das estrelas modificam as suas coordenadas”. Para utilizar uma expressão popular, “não há bela sem senão”!
Para se ajuizar os valores verdadeiramente astronómicos das estrelas, segundo Martin J. Rees, docente na Universidade de Cambridge, com trabalhos de investigação versando temas de Física do Espaço, Cosmologia, Radioastronomia e teoria das estrelas de neutrões, “há cinquenta anos [em referência a 1980] houve uma grande polémica sobre se muitas das nebulosas detectadas pertenciam à nossa Via Láctea, de forma que a nossa, com os seus 100 000 milhões de estrelas, não era mais do que uma entre muitas outras”.
A complexidade do baptismo das estrelas faz com que “uma mesma estrela possa ter simultaneamente um nome próprio e outro correspondendo ao seu lugar no seio da constelação de que faz parte, e, além disso, pode ainda possuir números diferentes segundo os diversos catálogos de referência” (Estrelas, Cúmulos e Galáxias, Ramón Canal, Salvat Editora do Brasil, S.L. – Rio de Janeiro, 1979, p. 21).
Caminho bem mais facilitado, tiveram os anatomistas que só no século XVIII deram nome aos cerca de 650 músculos estriados esqueléticos do corpo humano, até então referenciados por números e letras!
3 comentários:
Não veria com muita dificuldade a identificação numerária ou literária de estrelas ou músculos porque, uma coisa que se descobre pela primeira vez tem de ser imediatamente descrita e catalogada.
A simbologia numerária ou literária facilitava a identificação do objecto, ficando para segundas núpcias o nome a atribuir-lhe. Como de facto ocorreu.
Ainda hoje verificamos, nos produtos que compramos, que todos eles se identificam por código numerário, que veio facilitar as diferentes operações administrativas a que o comércio se obriga.
Estamos assim no caminha inverso:
- ontem, código primus, nome secundus
- hoje, nome primus, código secundus
Somos dominados pela simbologia. Nos meados do século XIX, em Londres, até o número de batimentos à porta dos clientes estava bem codificado pelo comércio e pela sociedade.
Vejamos como, com a descodificação assinalada no sinal =:
Uma pancada – leiteira, carvoeiro, pobre, criado da casa = eu desejaria entrar
Duas pancadas – carteiro, criado que leva um bilhete de convite ou qualquer outra mensagem, tenho pressa e trago ocupações = é preciso que eu entre
Três pancadas – donos e amigos = abram
Quatro pancadas bem dadas e um curto repique – sujeito de bom tom, ainda que de categoria inferior à nobreza, e que vem de carruagem = eu quero entrar
Quatro pancadas secas e um repique dobrado e estrépito – mylord, mylady, um nababo, um príncipe russo, um barão alemão = eu vos honro ao vir à vossa casa.
(in DG n.º 182, 05.08.1846
Nos manuscritos bíblicos antigos também a palavra Deus era representada pelas letras gregas teta-sigma (Θ∑) com um traço a cobrir ambos símbolos.
Cordialmente
Caro João Boaventura:
Como escreveu no seu comentário, que começo por agradecer, “a simbologia numerária ou literária facilitava a identificação do objecto, ficando para segunda núpcias o nome a atribuir-lhe. Como de facto ocorreu”.
Esta situação ocorreu, na verdade, no caso da Anatomia em que os músculos tinham, inicialmente, números que foram posteriormente baptizados com nomes de origem latina e grega. As seis centenas e meia de músculos estriados esqueléticos do corpo humano (para além dos músculos lisos e do músculo estriado do miocárdio) permitiram, “a posteriori”, o simples baptismo que persiste na actualidade.
Já no caso da Astronomia, o processo foi inverso. Só depois dos nomes não chegarem para nominar “estrelas às miríades” (Galileu) é que se passaram a utilizar nomes coadjuvados por números.
Problemas diferentes geram soluções diferentes. Mesmo na simbologia!
Cordialmente,
Resta saber se depois desta pesquisa continua a achar como insinuou aqui que:
"Já pensou, por momentos, qual o crédito da Astronomia actual se e vez dos planetas e estelas do sistema solar terem nomes fossem referenciados por algarismos? Como deve saber, também, sempre que é descoberto uma nova estrela ou um novo planeta, a preocupação dos astrónomos é baptizá-los quanto antes."
a astronomia merece menos crédito por utilizar este sistema e se acha que o crédito cientifico da anatomia depende de se utilizarem números ou nomes de origem latina ou grega.
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