Crónica "Olhares da UC" publicada no diário As Beiras de 19 de Abril de 2010:
Portugal é um país pequeno e periférico, deprimido, que não se mobiliza e vive sem esperança. Os dias sucedem-se uns após outros e nada acontece. Os jornais, rádios e televisões repetem até à exaustão as mesmas notícias.
Portugal é um país parado no tempo, moribundo, constituído por pessoas exaustas, que não acreditam no país e respectivos governantes, e que não perspectivam nenhum tipo de futuro. E o problema é que isto é assim há muito tempo, há demasiado tempo. Somos um povo apático, rezingão e quezilento, que deixa as coisas andar e se acomoda a esta mediocridade que é a vida nacional. A frase que mais ouvimos, mesmo daqueles que sabem que temos de mudar urgentemente este estado de coisas é: “isto funciona assim, demora tempo a mudar; não é assim, de um momento para o outro”. Sim, deixamos que se instalasse a ideia que qualquer coisa, qualquer transformação, demora imenso tempo. É isso que pretende a mediocridade que deixamos que tomasse conta do país e das instituições, e que detesta o sucesso, a diferença, a atitude independente, a competência e a qualidade. Para se perpetuar no poder promove tudo o que é corrupção e amiguismo, pelo que as pessoas sentem-se subjugadas pensando que de pouco vale reclamar, discutir e exigir.
Só assim posso compreender a passividade com que encaramos o anúncio dos vencimentos dos CEO das empresas do PSI20. Por princípio não tenho nada a ver com os vencimentos dos outros. Isto é:
1. Não tenho inveja;
2. Não penso que são todos uns vigaristas;
3. Penso que se deve ganhar tendo por base o que se produz;
4. Não penso que para funções iguais deve existir vencimento igual, isto é, o vencimento tem de ter por base o mérito;
5. Penso que é necessário reter os melhores em Portugal.
No entanto, considero verdadeiramente escandalosos os vencimentos publicados dos gestores das empresas do PSI20:
a) 3,1 milhões de euros para o CEO da EDP (703 mil euros de vencimento fixo e o restante de bónus anual);
b) 2,5 milhões de euros para o CEO da PT (1 milhão de bónus);
c) 1 milhão de euros para o CEO do BES;
d) 727 mil euros para o CEO do BPI;
e) etc., etc., etc.
Segundo o Jornal de Negócios, a relação entre os vencimentos médios dos administradores e os salários médios dos trabalhadores em cada empresa do PSI20 é a seguinte:
Jerónimo Martins - 60,9 vezes
PT - 51,8
Sonae - 42,5
Zon - 28
Mota-Engil - 27,6
EDP - 27,1
Semapa - 20,9
Brisa - 18,8
Portucel - 16,7
Galp Energia - 16,1
Banco Espírito Santo - 14,5
BPI - 13
BCP - 11,2
Sonaecom - 8,1
REN - 6,7
Sonae Indústria - 6,4
Isto é inaceitável. Um escândalo. A demonstração de que somos um país sub-desenvolvido, sem princípios de solidariedade e onde não existe respeito por quem trabalha.
Eu considero que num país JUSTO, SOLIDÁRIO e EVOLUÍDO, a relação máxima entre os salários médios dos administradores e os salários médios dos trabalhadores não pode ser superior a 10. E isso deve aplicar-se a todo o país. Ou seja, só as empresas Sonae Indústria, REN e Sonaecom do PSI20 passam neste critério.
Lamento mas não consigo perceber como é que numa organização o sucesso pode ser somente de meia dúzia. O sucesso é de todos, desde o administrador de topo ao funcionário da limpeza. E todos têm de ganhar com o sucesso da organização, pois todos contribuem, dentro das suas funções, para os resultados obtidos. É uma questão de princípio.
Escandalosos e incompreensíveis estes vencimentos.
É necessário poder manter os melhores em Portugal. Mas não a qualquer preço, muito menos se para isso tivermos de ceder nos princípios e no dever de zelar por um desenvolvimento equilibrado e sustentável de Portugal.
De uma vez por todas: os vencimentos devem ser atribuídos pelo mérito, estar ligados aos resultados da organização e não deve existir uma relação superior a 10 entre a média dos salários dos administradores e a média dos salários dos trabalhadores.
Levantar o país significa dar alento aos portugueses, com exemplos e com uma elite que seja uma referência e uma boa influência. Convencê-los de que vale a pena, que o mal que nos aflige tem solução e que Portugal não está condenado a definhar rumo à irrelevância se não tivermos medo, se formos fortes, decididos, atentos e exigentes.
J. Norberto Pires
segunda-feira, 19 de abril de 2010
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7 comentários:
E de onde vem o racio 10?
Para mim deveria ser apenas 5 e 10 nao e aceitavel.
Onde esta o meu erro?
Esta situação há muito que estava prevista, desde que se aceitou (da direita à esquerda, do operário ao chefe) que os aumentos dos vencimentos eram feitos em percentagem. Assim o fosso é cada vez maior! O desemprego, a corrupção, o silêncio, o medo, os patrões, os sindicatos estão bem representados no filme "Há lodo no cais" (FIST) com Marlon Brando de 1954. É um dos filmes que nunca esqueci. Ver em http://educacao.aaldeia.net/filme-lodo-cais/
"Assim o fosso é cada vez maior!"
Isto só pode ser a gozar!
Aumentos em percentagem mantêm o racio constante.
Com uma tão grande discrepância na distribuição da riqueza estou para saber como é que estes senhores no futuro, não muito longínquo, vão vender os seus produtos. Não são estes os princípios defendidos pelos iluminados do COMPR(a)OMisso PORTUGAL?
António
parabéns ilustre senhor. partilho inteiramente da sua visão. estamos perante uma anestesia sufocante que sufoca o racional. a intervenção é urgente!
As minhas saudações aos "bloguistas" e aos comentadores.
Estou de acordo com o "post". As pessoas em lugares de responsabilidade devem ser remuneradas em função do lugar que ocupam e das tarefas que executam, mas também em função da empresa em que trabalham e do país em que vivem! Para alguns casos, penso que um técnico dotado dos necessários conhecimentos e de bom-senso faria o mesmo que alguns "trutas" por um salário bem menor. Tudo isto é IMORAL! E ocorre num país que há 36 anos teve um 25 de ABRIL!! Tenho 55 anos, olho para o caminho percorrido e para o que temos pela frente e fico apreensivo. Tivemos o FMI, a "radiosa" entrada na CEE que nos iria levar para o paraíso, a progressiva destruição do tecido produtivo do país, a desertificação do interior, a perpetuação no poder de uma classe política responsável por tudo (mas por TUDO!) o que no país ocorreu nos últimos 25 anos, o crescimento do défice (como é isto possível com os milhões de milhões que aqui entraram?), o discurso da "tanga" que nos custou "couro e cabelo", política errada atrás de política errada, e onde é que estamos agora? Com uma mão atrás e outra à frente, perspectivas de futuro bem sombrias, e uma classe política que tratou/trata de se respaldar bem respaldada. Perante isto há lugar a optimismos?? O que eu digo à malta nova é que se "pire" daqui para fora. Isto não tem qualquer futuro. A não ser para os "boys" ou ... ou ... se conseguirmos varrer com esta classe política e colocar lá cidadãos de corpo inteiro, que olhem primordialmente para o bem comum em lugar de pensarem no que irão fazer (e onde) no dia em que deixarem o poleiro.
Saudações.
Este assunto tem muito que se lhe diga! E para discuti-lo a sério teria que ser numa longa conversa com uma longa pesquisa por trás. Estes salários têm que ter algum fundamento. Os accionistas das empresas não andam a dormir... Mas não quero entrar por aí! Só queria fazer uma pergunta: E OS JOGADORES DE FUTEBOL ? Nunca ouvi ninguém a falar do salário deles como falam dos salários dos CEOs (que só por acaso três deles foram nomeados os melhores da EUROPA na sua área). E esses selvagens que nada fazem de útil e que recebem milhões ? Também não está desajustado ? Como é óbvio não se vai conseguir mudar nada , nem nos jogadores de futebol nem nas empresas, pois esta situação passa-se devido ao equilíbrio de variadíssimos factores que leva quer os jogadores quer os CEOs a receberem o que recebem.
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