domingo, 7 de junho de 2009

Os professores não devem trabalhar mais

Na entrevista que a jornalista Bárbara Wong fez à senhora presidente do Conselho Nacional da Educação encontro cinco passagens em que ela refere que os professores devem passar a trabalhar mais (aqui e aqui). Transcrevo-as:

- “Hoje em dia, temos mais capacidade para resolver problemas, mas para isso, os professores têm que trabalhar mais. Não podem ser só as famílias, embora estas sejam importantes.”
- “… os professores compreendam as dificuldades dos alunos, insistam e trabalhem muito. Isto é muito importante, para poder resolver, porque se não, os professores dão sempre mais do mesmo.”
- “O que proponho não é facilitismo, mas mais trabalho para os professores.”
- “O professor tem que ensinar mais e de outras maneiras.”
- “É preciso encontrar outra solução que é trabalhar mais e ir mudando os percursos.”

As considerações que, de seguida, faço são baseadas no conhecimento directo que tenho do trabalho de muitos professores com quem, por razões profissionais, contactei ao longo do ano lectivo que está a terminar. Tal conhecimento não é, portanto, científico, no sentido de poder apresentar dados fiáveis sobre o mesmo; é do foro da opinião e, portanto, vale o que vale.

1. Para quem não sabe, o horário dos professores é composto pelas componentes lectiva e não lectiva (desdobrando-se esta em duas componentes: não lectiva de trabalho a nível de estabelecimento e não lectiva de trabalho individual), remetendo, cada uma delas para inúmeras tarefas que todos os professores, sem excepção, têm de desempenhar. A senhora presidente do Conselho Nacional da Educação terá em mente que os professores trabalhem mais nas duas componentes ou só numa dela e, se for este o caso, em qual delas?

2. Neste momento, esses professores que conheço dizem-me, e eu acredito, que não podem trabalhar mais, que lhes é humanamente impossível acrescentar mais tempo e mais tarefas ao que já fazem.

3. Acresce que esses professores, por se importarem com as aprendizagens e com os seus alunos, denotam uma fadiga extrema e um desapontamento enorme por sentirem que, apesar de todos os seus esforços, não conseguiram, durante o ano, fazer o que acham que deviam ter feito: ensinar bem.

4. Esses professores também me manifestam perplexidade, porque, à semelhança da senhora presidente do Conselho Nacional da Educação, toda a gente lhes diz que têm de ensinar “de outras maneiras”, de “ir mudando os percursos”, como se se soubesse, obviamente, quais são eles. Porém, a verdade é que ninguém, por mais especialista que se apresente, se atreve a dizer quais são essas “outras maneiras”, esses “percursos” que se insinua resolverem os problemas com que os professores se confrontam no dia-a-dia.

Não, os professores não “têm que trabalhar mais”: os professores têm, sobretudo, de desempenhar menos tarefas burocráticas. E as tarefas que lhe são atribuídas têm de ser menos dispersas, e convergir para a função de ensino. Isto para que os professores possam trabalhar melhor.

Nota: O leitor que tenha curiosidade em conhecer melhor as funções que estão atríbuídas aos professores, deve consultar o Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro (Estatuto da Carreira Docente) e o Despacho n.º 19117/2008 de 17 de Julho (que orienta a elaboração dos horários dos docentes). Estes documentos, apenas darão uma pequena visão das totalidade de tarefas que os professores efectivamente desempenham.

19 comentários:

Anónimo disse...

Os políticos devem trabalhar muito mais e muito melhor; devem estudar muito mais os dossiers... seria necessário fazer uma barrela completa desta casta que nos governa; basta pensar-se na enorme falta de qualidade da legislação; na banalidade ou mesmo boçalidade do discurso político; na total ausência de escrúpulos; na acumulação de pecúlio privado por meios legais ou não, etc

Carlos Pires disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Pires disse...

Realmente não dá para trabalhar mais!

Mas o pior é que esse trabalho excessivo não é pedagogicamente produtivo e não contribui nem para os professores ensinarem melhor nem para os alunos aprenderem mais.
Da sobrecarga de trabalho mais recente, e mais inútil também, é preciso destacar as absurdas tarefas devidas ao Novo Estatuto do aluno.
Este obriga os professores a fazer inúmeras medidas correctivas, provas de recuperação, papéis informativos para os Directores de Turma (e destes para os professores e para os Encarregados de Educação) e reuniões depois das aulas (caso os alunos não fiquem aprovados nessas Provas, pois caso fiquem já não é preciso fazer reunião!)
Mas, pior que esse trabalho todo, é que esse Estatuto não combate o absentismo; pelo contrário, promove-o.

João disse...

Pois eu, professor, digo que há dois anos para cá assumo que passei a trabalhar menos. Isso implica menor qualidade do trabalho, mas decidi nunca mais dar um fim-de-semana à escola e trabalhar apenas as horas estritamente consignadas no horário de trabalho.

E tudo porquê? Porque esta gente não se cansa de dizer que os professores trabalham pouco. O que aconselho a todos os colegas insistentemente é que não levem mais trabalho para fim-de-semana e que não fiquem pela noite dentro a corrigir testes. Só prejudicam a saúde e depois ainda temos todos que ouvir imbecis dizerem que temos de trabalhar mais.

Luis Lobato de Faria disse...

O estado do ensino em Portugal é culpa dos professores, buscam um emprego no estado e falta-lhes vocação, o resultado é o que se vê, temos meninos a ensinar outros meninos

Anónimo disse...

Os políticos claramente devem ser retirados da equação pois está mais que provado que os que actualmente povoam o nosso panorama político (sem distinção de partido) são INCOMPETENTES (com tendência para agravamento da situação) com algumas honrosas excepções que infelizmente têm vindo a ser afastadas ou a auto-afastar-se. A definição das políticas de educação deve ser entregue a quem perceba verdadeiramente do assunto e não a meros generalistas que só dizem banalidades.

A actual situação educativa deve-se em grande parte (i) à falta de preparação e (ii) à falta de vocação e não (iii) à falta de trabalho dos professores.

(i) Verificamos hoje em dia que muitos professores não estão minimamente preparados para leccionar. A situação é particularmente grave no 1º Ciclo, fase crítica da aprendizagem do aluno, em que as bases para a aprendizagem em anos posteriores, são definidas e consolidadas. O que acontece no 2º Ciclo e mais adiante é já consequência das bases precárias com que os alunos vêm do 1º Ciclo. A percentagem de alunos que terminam o 1º Ciclo sem saber ler, escrever ou uma conta simples (um algarismo por outro) de multiplicar é simplesmente confrangedora.

(ii) A profusão de cursos superiores sem saída profissional tem conduzido a que os licenciados escolham a via de ensino como principal saída. Um número muito significativo (estimo entre 60% a 80%) não têm vocação para o ensino nos vários Ciclos levando a consequências extremamente gravosas na qualidade de ensino ministrada.

(iii) os professores estão hoje em dia atolados em burocracia (justificação de avaliações, planos de recuperação, etc.) retirando-lhes tempo fundamental para a preparação e sua formação pedagógica. Não que os professores não devam prestar contas do ensino que prestam aos seus alunos, mas o que se passa actualmente é francamente ridículo.

Helena Ribeiro disse...

Nem o mais exímio archeiro conseguia ser tão certeiro como o título deste post!

Anónimo disse...

Enquanto professor confirmo a vocação paralisante do actual estado de coisas. Burocracias, cuidados e preocupações que davam novelas... enfim, tudo para dificultar - a muito exigente - obrigação de Ensinar. E ao aluno o que se pede?
Gostaria de ver o que dava respeitarmos escrupulosamente o horário de trabalho...
Um inegável sinal de desacerto é a escassez de formação científica disponível. No entanto, há formações tecnológicas para tudo.
Mas onde vão buscar as sumidades que ocupam a prestigiada estratosfera educativa? O desconhecimento que revelam é assustador. Digo eu - também pouco cientificamente!
Saudações,
Luís Vilela.

João disse...

Luís Vilela, eu insisto que é já uma obrigação moral os professores respeitarem escrupulosamente o horário de trabalho. Sem essa posição de zelo nunca seremos reconhecidos. Mas o que eu vejo constantemente é os meus colegas, em nome do "bem dos alunos", ocuparem sistematicamente os fins-de-semana a trabalhar para a escola.

Em nome do "bem dos alunos", eu defendo uma clarificação exacta dos meios que estão disponíveis sem recurso às adaptações, improvisos e boa-vontade com que os professores vão "safando" o sistema do colapso.

Está na hora de deixar o sistema ruir, porque ele está preso por finos fios que podem rebentar a qualquer altura. A escola mantém-se de pé sobre os ombros cansados dos professores.

Helena Ribeiro disse...

Concordo consigo, e digo-o sem qualquer ironia.

Só não sei o que fazer com um adolescente que andou a combater na guerrra. Um miúdo corajoso, inteligente e desconfiado até ao mais íntimo das suas células...

Devo fazer-lhe uma avaliação exigente? Certamente que não. E há mais casos...

Se não acreditar, experimente perceber a essência do maternal através da poesia de Herberto Helder. Que nunca se peça a uma mulher para deixar de o ser, nem a um homem, porque o que é "Anti-natura", simplesmente não resulta. Eis um corte espistemológico que urge fazer!

Uma santa noite!

Helena Ribeiro disse...

PEÇO DESCULPA PELO LAPSO: no meu comentário anterior dirigi-me a João, 8 de Junho 21:39

Helena Ribeiro disse...

Caro Anónimo de 8 de Junho 20:23

"E ao aluno o que se pede?". Resolvi responder-lhe. Realmente, pede-se muito pouco. Apenas que, por exemplo, a) transportem peso a mais para as suas colunas, b)fiquem imovéis durante horas num infalível tédio por extenuação, c)que não caibam nas mesas e nas caddeiras (é que os meninos crescem, como os animais de estimação...) d) que passem horas fechados em salas ora quase irrespiráveis, ora quentes de derreter...´"por causa daquela cena das Novas Tecnologias".

Realmente, o que se pede aos alunos?

Não me lixem, os miúdos chegaram depois de nós!

Anónimo disse...

Gostava imenso de ver muitos teóricos da educação no terreno...isso é que era ter arte. Estarem sujeitos a um stress contínuo e intenso como efectivamente estão a generalidade dos professores e, em especial, os das escolas de certas zonas do país.Dêem o exemplo, saiam dos gabinetes e vão suar as estopinhas frente a uma turma de adolescentes em que alguns nem trabalham nem deixam trabalhar...Vão ver e sentir a realidade das escolas!

Anónimo disse...

Enquanto tivermos os controladores aéreos, pessoal do check-in, hospedeiras, comissários de bordo e passageiros a dizer ao comandante como é que se deve pilotar, o avião nem sequer levantará voo.

lusodama disse...

Ana Bettencourt é mais uma paraquedista a dar palpites sobre ensino, é treinadora de bancada.
Este ano lectivo já estive 120 horas em reuniões, quando os incompetentes do ME previram 90 e ainda faltam muitas reuniões. Ao nível do Trabalho Individual, tenho mais de 150 horas extraordinárias, não pagas, e para não serem mais tive que fazer um enorme esforço e pôr um travão nas interrupções lectivas, antes não o fazia, agora, com tantos medíocres e incompetentes a mandarem na educação, deixei de ter vontade para isso.

Fernando Martins disse...

Caro anónimo que escreveu este escarro: "O estado do ensino em Portugal é culpa dos Professores(...)"

Como anónimo pode escrever e provocar o que quiser, na senda do que este governo fez durante 4 anos, em particular o Ministério da Educação e o seu trio fantástico. Se há, de facto alguns professores maus, que nada fazem, a esmagadora maioria faz tudo o que pode e trabalha muito mais do que o seu contrato prevê, isto para além de fazerem coisas que não deviam de facto fazer: pagar o lanche aos alunos esfomeados, servir de aconselhadores das famílias, actuar como psicólogos, assistentes sociais, burocratas ou dezenas de outras tarefas para além de dar e preparar aulas.

Mas cá se fazem, cá se pagam.

Anónimo disse...

Como eu gostaria!
De ter poder para colocar a Ministra da Educação e os seus Secretários Lemos & Pedreira a trabalhar numa escola com turmas de CEF´s.
Nem precisava de ser na Amadora ou Damaia.

MJP disse...

Faço de tudo pelos meus alunos. Até dou aulas fazendo greve e permutas nos testes intermédios. Em casa, continua, aulas, aulas, aulas...
Cada vez mais tenho a sensação que os alunos trabalhavam mais quando eu trabalhava menos. Hoje têm papinha toda feita, a explicação e ajuda personalizada, logo há menos esforço.
Gosto muito do que faço e nem penso que seja possível fazê-lo de outra maneira que não seja com dedicação total, mas gostava de ver um pouco mais de empenho do outro lado. Em ano de exame, no início do 3ºperíodo (ainda sem testes) um TPC arrastar-se por 15 dias sem ser feito, é um insulto ao professor e à sociedade.

Prof. Ademar Oliveira de Lima disse...

Estive por aqui me informando, lendo e aprendendo com os seus escritos!! Abraços Ademar!!

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