domingo, 1 de fevereiro de 2009

Uma pergunta para os economistas

Temos hoje vários impostos, incluindo o IRS, IVA, IRC, etc.

Pergunta: não seria melhor ter um só imposto sobre o consumo, nomeadamente o IVA, vindo daí todas as receitas do estado? Seria exequível fazer isso? Afinal, quem mais consome é quem tem mais dinheiro, e logo essas pessoas pagariam mais para que essas receitas fossem usadas para ajudar os mais pobres. Além disso, os produtos e serviços de primeira necessidade poderiam ser taxados muito ligeiramente apenas.

O que pensam os nossos leitores economistas?

Actualização: Sem que eu soubesse, Luís Aguiar-Conraria publicou um artigo que defende esta mesma ideia, e no qual dá algumas referências. Está aqui (um blog, aliás, a seguir).

41 comentários:

Anónimo disse...

Não sou economista, mas eliminando o sentimento de pertença nacional e tendo em conta que o IVA possivelmente aumentaria, era possível que as pessoas passassem a importar muito mais coisas de locais onde o VAT fosse inferior (dentro da UE), comprando por cá apenas bens de 1ª necessidade.

Anónimo disse...

Seria absurdo.

Essa opção conduziria a uma regressividade dos impostos em relação ao nível de rendimento.

Ou seja, os indivíduos com rendimentos mais elevados poupam uma parte mais significativa do seu rendimento. Se o imposto único fosse um imposto ao consumo, toda a parcela de poupança seria isenta de impostos.

Acresce ainda que os gastos com consumos básicos (alimentação)são menos que proporcionais ao rendimento.

A conjugação destes dois factores faria com que, num sistema de imposto único de consumo, a taxa de imposto a pagar diminuisse quando o nível de rendimento dos cidadãos.

O que é manifestamente injusto.

A haver um imposto único teria que ser um imposto sobre os rendimentos e sempre com taxas progressivas.

artur

Anónimo disse...

queria dizer:

a taxa de imposto a pagar diminuisse quando o nível de rendimento dos cidadãos aumenta.

artur

fernando caria disse...

Caros Rerum Natura e Desidério.
A resposta dos economistas deverá ser apenas uma e afirmativa à pergunta formulada.
Aliás o o Estado reconhece essa mesma realidade, uma vez que o preambulo da Lei do IVA, postula no mesmo sentido - O IVA deve constituir-se como imposto único. Sendo a justiticação apresentada muito na linha da argumentação da pergunta.

Claro que nã devemos esquecer outro tipo de despesas e de propiedade que não devem deixar de ser taxadas pelo Estado que não só as despesas de consumo. Como sejam a propriedade imobiliária (rústica e urbana), as despesas de investimento, entre outros cuja natureza merecm uma análise fiscal mais desenvolvida.

A questão, quento a mim, que impede essa anunciada "unicidade" do IVA, é a real medida da incompetencia dos sucessivos governos em cumprir os seus próprios planos, que extravazam muitas vezes o que devia ser o único "focus" da actividade governativa, que deveria ser apenas a boa gestão e valorização da "cousa pública" ou seja de Portugal e dos portugueses.
Antes pelo contrário, o acumular de impostos e taxas, justtificam-se pela incapacidade que os governos têm de fazer o que todos os cidadãos comuns fazem todos os meses: Viver com o seu respectivo ordenado e pagar as contas lá de casa. É por isso que não consegum acabar com esta miríade de impostos.

Nota: Não sou nem economista nem fiscalista, mas pagos impostos há 25 anos.
Fernando Caria

António Conceição disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
António Conceição disse...

O anónimo das 13 horas (segundo comentário) dá como assentes dois pressupostos que não estão demonstrados nem são por si evidentes:

1- Que o dinheiro tem uma utilidade marginal decrescente, isto é que vai perdendo utilidade e valor à medida que se vai tendo muito. Nessa hipótese, a igualdade (entendida em matéria de impostos como a igualdade de sacrifício feito pelos cidadãos para os pagar) não se contenta com um sistema de impostos proporcionais (como o iva), mas com um sistema de impostos progressivos (como o IRS). Tendo o dinheiro uma utilidade marginal decrescente (como têm a generalidade dos bens), se António ganha 100 e paga 10 de imposto, Belmiro que ganha 1000, para fazer idêntico sacrifício, não pode pagar 100, tem que pagar mais do que 100. Logo, a taxa de imposto, para ser justa, não pode ser proporcional, mas progressiva.
Mas, repito, isto pressupõe que se assente na hipótese da utilidade marginal decrescente do do dinheiro, hipótese que está longe de ser pacífica.

2- O segundo pressuposto do anónimo do segundo comentário é que o sistema de cobrança do imposto directo sobre o rendimento (IRS) seja eficaz, hipótese esta que a realidade desmente. O nosso IRS é um imposto que a classe média paga. As classes de mais elevados rendimentos logram sempre (através de elaborados esquemas de engenharia fiscal) escapar com uma parte substancial dos seus rendimentos à tributação. O IVA tem a vantagem de tributar essa riqueza ocultada do fisco, no momento em que é despendida.
António Cardoso da Conceição

Anónimo disse...

Há quase vinte anos que faço essa mesma questão. Já o fiz a economistas. Nunca tive resposta racional. Pode ser que seja desta.

Desidério Murcho disse...

Vale a pena esclarecer algumas coisas:

1) Tributar o consumo parece prima facie justo porque quanto mais ricas são as pessoas mais consomem (serviços e bens); além disso, quanto mais ricas são, mais caros são os bens e serviços que consomem. Ter dois milhões de euros no banco e viver em Chelas num apartamento de 20 mil euros, sem carro e andando de metro é algo bizarro, não? Isto devia ser evidente.

2) O IVA pode estender-se a qualquer serviço que se compre, e não apenas a bens. Ou seja: seguros, aplicações a prazo, transacções bolsistas, etc.

3) O argumento mais plausível à primeira vista contra a ideia é a fuga para o estrangeiro, caso a medida não fosse internacional. Esta fuga poderia ser a) comprando apenas bens importados e b) mudando as fábricas e serviços para o estrangeiro. Nenhum destes argumentos funciona, contudo, excepto em certas condições matemáticas, pois o mais provável seria precisamente ocorrer o contrário: dado que as empresas que produzem calças, por exemplo, deixariam de pagar a imensidão de impostos que hoje pagam, conseguiriam competir com as empresas dos países que continuassem com essa imensidão de impostos e de especialistas contratados para fugir aos impostos legalmente; assim, seriam os países que não têm esta medida que veriam as suas importações aumentar, e não o inverso, e seriam os países com o imposto único a ver as fábricas chegar ao seu território e não o inverso.

Anónimo disse...

Caro Desidério Murcho,

Praticável é. Juridicamente só seria necessário alterar as leis que regulam impostos. Mas ao contrario do que diz, sabemos que são as pessoas com menos rendimentos quem mais propensão tem para o consumo, por mais paradoxal que possa parecer. impostos sobre outro tipo de riqueza que não a despendida na aquisição de bens e serviços é sempre necessária.
By Jorge Salema

Desidério Murcho disse...

Jorge, o que diz não pode ser verdade. Uma pessoa que ganha 600 euros por mês não pode consumir mais do que uma que ganha 6 mil euros por mês.

J. Norberto Pires disse...

Outros impostos são sempre necessários, e o IVA é um imposto "cego". O que é necessário é uma reforma fiscal que tenha em conta o que as pessoas ganham por ano e aquilo que pagam em impostos: todos eles. O IVA, como imposto pago, deveria ser obrigatóriamente declarado na declaração anual de impostos, dando direito a dedução: para além disso evitaria fuga ao fisco pois os cidadãos passariam a exigir sempre factura. Globalmente o que tem de ser avaliado é o que cada cidadão para em impostos, tentando uma distribuição mais justa.

Norberto Pires

António Conceição disse...

O que Jorge Salema diz é que um tipo que ganhe 600 euros por mês gasta 100% daquilo que ganha. Ao contário, um tipo que ganhe 100.000 euros por mês só gasta 60 ou 70% dom que ganha.

Anónimo disse...

Essa hipótese seria eventualmente justa mas parece-me que há que ter em atenção que é ultra-liberal e não ajuda nada o Estado a cumprir o seu papel regulador da economia. Num clima de retração do consumo como o que é vivido nos dias que correm tem efeitos preversos na globalidade dos proventos do Estado reforçando a mesma retracção.

António Fonseca

Anónimo disse...

Num comentário ao post de Paul Krugman de 28 Jan, «Fiscal policy formalities (wonkish)», li:

«As one of my professors used to say, when you go from one school to another, the exam questions don’t change. The right answers do.»

Por isso, penso que os economistas terão tantas respostas "correctas" como as das escolas por onde andaram.

Américo Tavares
(NÃO ECONOMISTA)

António disse...

A introdução de um imposto único parece, no futuro, pode vir a ser um importante passo na simplificação dos impostos e, consequentemente, na justiça tributária.

Mas muita água irá correr debaixo das pontes antes disso acontecer. A introdução de um imposto único só pode ser realizada à escala global, não parece possível que seja levada a cabo só por um país, se calhar nem mesmo uma zona económica.

Portanto, a necessidade de transparência e simplificação fiscal e, consequentemente, o aumento de eficiência económica são aspectos muito poderosos mas chegar a acordos e compromissos internacionais sobre esta matéria, parece quase impossível..

Os estudos feitos sobre a matéria não são ainda totalmente convicentes, faltará ainda, certamente, aos especialistas reunir todos os prós e contras à volta dos muitos impostos existentes assim como dos muitos modelos tributários praticados em todo o mundo.

Anónimo disse...

Desiderio:

Realmente nao haveria sistema mais justo. E de facto, ha anos que se anda a tentar implementar algo deste genero: http://en.wikipedia.org/wiki/Fair_Tax sem grande sucesso.

Bruno

Anónimo disse...

A ideia de um imposto único é aliciante, tendo em conta a extraordinária simplificação de todo o processo fiscal que tal prática permitiria.

E não só. Pouparia aos contribuintes um imenso volume de dinheiro ao dispensar a legião de solicitadores e fiscalistas que ganham a vida à volta dos múltiplos códigos de impostos.

Enfim, passariam pelo mesmo que ainda há poucos anos passaram cambistas e despachantes alfandegários, mas certamente sobreviveriam.

A hipótese de seleccionar o IVA como imposto único revela algumas dificuldades. Na verdade o IVA transforma o vendedor em cobrador de impostos. Esta circunstância não tem nada de confortável e se o IVA se tornasse imposto único a sua taxa teria de ser maior, o que deixaria na mão do vendedor importâncias ainda maiores, aumentando a tentação da fraude, para já não falar no risco de assaltos.

Além disso, como aqui já foi referido, os compradores seriam levados a adquirir muitos dos produtos em países com menores taxas de IVA.

De tudo isto, pode concluir-se que, a haver um imposto único não deveria ser um imposto sobre o consumo.

Jorge Pacheco de Oliveira

Anónimo disse...

No meu comentário anterior defendi que, a haver um imposto único, não deveria ser um imposto sobre o consumo.

Mas isto não significa que proponha o fim do imposto sobre o consumo, porque reconheço neste imposto virtudes que podem e devem ser exploradas, mediante a introdução de alterações profundas no método de declaração e cobrança, a par de uma descida significativa das taxas a praticar.

Assim sendo, não defendo a prática de um imposto único. Todavia, defendo a introdução de um imposto de taxa fixa sobre o rendimento pessoal, porque não acredito, ou melhor, não vejo que uma taxa progressiva tenha dado algum contributo no sentido anunciado na própria Constituição, que é o de atenuar as desigualdades na distribuição do rendimento disponível.

Basta observar o nível de remunerações dos CEO e de outros quadros superiores das empresas privadas e até organismos públicos para verificar que o rendimento disponível dessas pessoas não só não diminuiu, como tem aumentado significativamente nos últimos anos.

Jorge Pacheco de Oliveira

Anónimo disse...

A ideia tem interesse e merece debate.

Os fiscalistas preocupam-se com rendimentos que escapem ao fisco, porque dizem que o dinheiro "fugiria" para essas formas de rendimento não taxadas.

Por "rendimento" o Estado tem uma interpretação lata. Você compra uma casa. Vende 5 anos depois por mais 30%. Não só paga IMT como IMI, mas também mais-valias em IRS sobre os 30%, se não aplicar o dinheiro outra vez na compra de casas. Somem-se dezenas de impostos, centenas de deduções e milhares de excepções e temos um modelo fiscal impressionantemente complexo, para o qual são necessários consultores especialistas.

Concordo que faz falta algo incomensuravelmente mais simples. Podia ser o IVA (já de si um imposto muito complexo e sujeito a grandes fugas fiscais à volta de facturações falsas) mas o caso, para lá de ser um quebra-cabeças fiscal, é também uma escolha muito política: taxamos as empresas e particulares da mesma forma? Taxamos os baixos e os altos rendimentos com a mesma taxa?

Eu acho que quando mais elementar e linear o imposto, melhor. Por mim, seja o IVA a escolha. Mesmo que isso causa supostas injustiças.

P Janeiro.

Luilton disse...

Considere-se privilegiado.

No Brasil não há nem como pensar em algo que torne a cobrança de impostos justa.

Mas eu continuo pensando...

Sou contra imposto único. Imposto deve ser sobre serviços utilizados, na minha opinião.

Um abraço.

O Sousa da Ponte - João Melo de Sousa disse...

O Sousa anda a pensar em tornar-se objector de consciência aos impostos.

Parece-me que não pega.

Algumas sugestões para o texto dum requerimento, neste sentido, ao snr director geral dos impostos?

Desde já agradecido...

Anónimo disse...

Caro Desidério,

O imposto único sobre o valor agregado seria injusto porque de facto como disse, os que menos ganham compram percentualmente mais que os outros. Ou seja quem mais ganha mais poupa. Estando a poupança e o rendimento isento, o imposto recairia desporporcionalmente sobre os mais vulneráveis. Repare que a partir de certo ponto uma fortuna já não compra bens consumíveis, mas investe para criar valor, e isso tem de ser tributável.
By Jorge salema

Desidério Murcho disse...

Caro Jorge

Note que criar um imposto único não tem de ser nos moldes da proposta norte-americana. Por exemplo, poderia ser um imposto de valor acrescentado; e poderia ser um imposto variável em função dos serviços e bens consumidos. Isto significa que os produtos de primeira necessidade poderiam ter taxas muito baixas, e os produtos de luxo poderiam ter taxas muito altas.

Mas mesmo considerando que os ricos pagariam uma menor percentagem de impostos do que os pobres -- qual é exactamente o problema disso? Nenhum. O que conta é saber se o estado tem mais ou menos recursos para apoiar os mais pobres. Num modelo de impostos em que os ricos pagam percentualmente menos impostos (apesar de pagarem em bruto muito mais impostos do que os pobres), mas os pobres têm melhores apoios é melhor do que um no qual os ricos pagam percentualmente mais do que os pobres mas estes têm menos apoios.

joão viegas disse...

Prezado Desidério e demais comentadores,

Tenho pouco a acrescentar aos comentarios acima que mostram de forma didactica e clara porque é que a ideia do Desidério esta fundamentalmente errada.

Não deixo no entanto de considerar supreendente a facilidade com que as pessoas recorrem a falacias e a sofismas. Vejamos os comentarios do borgesiano Funes ali em cima :

1/ A logica do imposto progressivo não tem rigorosamente nada a ver com a ideia segundo a qual "o dinheiro tem uma utilidade marginal decrescente", nem nunca pretendeu garantir "a igualdade entendida em matéria de impostos como a igualdade de sacrifício feito pelos cidadãos para os pagar". Que eu saiba, a logica do imposto progressivo é exactamente a inversa, tem por objectivo corrigir a distribuição desigual da riqueza (mediante uma desigualdade legal perfeitamente assumida) e fazer com que aqueles que têm mais riqueza paguem mais que os que têm menos, para que o Estado possa depois redistribuir essa riqueza atravês de serviços que vão beneficiar aos que têm menos riqueza.

Por outras palavras, o imposto progressivo não visa assegurar uma igualdade de sacrificios entre os contribuintes. Isto parece-me mais que obvio.

2/ A pretensa ineficacia do imposto progressivo (ou seja a ideia que é mais dificil de cobrar, ou antes que os mais ricos acabam por fugir, enquanto as classes médias não podem) não tem nada a ver com a questão em apreço. Trata-se de uma questão de viabilidade técnica, não da questão da justiça intrinseca da ideia. Que eu saiba, o imposto progressivo funciona em muitos paises. Não existe qualquer impossibilidade de principio...

3/ Em rigor, o unico argumento contra o imposto progressivo, seria defender-se que a riqueza tributada, e nomeadamente o dinheiro dos mais ricos, nas mãos do Estado, produz menos riqueza e menos serviços em beneficio dos mais pobres, do que quando permanece nas mãos dos mais ricos (por exemplo por que estes ultimos emprega-lo-iam para criar postos de trabalho para os mais pobres). Mas isto esta muito longe de se verificar na pratica (bom, aqui penso que um neo-liberal discordaria).

4/ Finalmente, quanto ao ultimo comentario de Desidério, em resposta a Jorge Salema, penso que deve ser a brincar. Se "o que conta é saber se o estado tem mais ou menos recursos para apoiar os mais pobres", a ponto de se preferir (por realismo) ir buscar o dinheiro dos mais pobres, então qual é a função do imposto, fazer circular o dinheiro pelos cofres do Estado ? E obvio que o sistema fiscal so tem sentido na medida em que opera uma redistribuição entre ricos e pobres. Se não fôr assim, o imposto não tem justificação nenhuma... Quanto à ideia fantasiosa segundo a qual se poderiam tributar com taxas mais elevadas os produtos de luxo, é um pouco como se viéssemos defender a substituição do nosso sistema tributario por um imposto unico de IVA a 90 % sobre os Rolls Royces (porque afinal, quem tem dinheiro para comprar um Rolls Royce pode bem suportar o Estado). Penso que era assim no império romano em decadência : esperava-se dos magnatas locais que pagassem os serviços da comunidade, que eram essencialmente pão e circo. Obviamente, esta logica não é comportavel nos nossos sistemas de finanças publicas...

O Desidério tem uma ideia do que representa a receita do IVA, sabe por exemplo qual é a percentagem do imposto gerada por transacções sobre bens e serviços de primeira necessidade e qual sobre produtos de luxo ? Talvez fosse bom informar-se para abandonar a ideia poética que "quem mais consome é quem tem mais dinheiro"...

Unknown disse...

A fiscalidade tem, basicamente, 2 objectivos: promover a eficiência e promover a equidade.

A fiscalidade promove a eficiência através da substituição da despesa privada por despesa pública nos casos em que o mercado falha, isto é, nos casos em que o mercado não gera um resultado eficiente da utilização dos recursos ou quando os resultados do mercado são manifestamente injustos do ponto de vista social.

A fiscalidade promove também a equidade através da redistribuição de recursos: retira mais a uns que a outros (através dos impostos) e retribui mais a uns que a outros (através dos abonos, rendimento mínimo, subsídios, etc.).

O IVA é o melhor imposto do ponto de vista da eficiência, uma vez que modera o consumo sem desincentivar o trabalho, pelo menos de uma forma directa. No entanto, é o pior do ponto de vista da equidade, pois contribui menos para a redistribuição dos recursos (é inclusivamente apelidado de imposto cego por ter taxas iguais para consumidores diferentes).

O IRS e o IRC são mais eficazes em termos de equidade, pois contribuem mais para a redistribuição, uma vez que retiram muito mais a quem tem muito mais e muito menos aa quem tem muito menos. No entanto, são os piores em termos de eficiência, pois desincentivam a criação de riqueza.

Num país em que o único imposto fosse o IVA, este teria de ter uma taxa média sensivelmente entre os 50% e os 70% para manter o nível de receitas fiscais do Estado. Por um lado, seria um país menos competitivo, pois os preços dos bens subiriam drasticamente e a economia tornar-se-ia menos eficiente. Por outro lado, seria um paraíso fiscal, uma vez que deixaria de haver IRS, havendo mutíssimas empresas que passariam a ser sediadas nesse país e que procurariam uma forma de tornear o IVA, facturando as vendas no estrangeiro.

Seria uma experiência única e com resulatados imprevisíveis, com uma forte probabilidade de serem catastróficos para a população desse país.

A Economia é uma Ciência Social, pelo que dificilmente se podem fazer experiências, nomeadamente laboratoriais. Daí basear-se cada vez mais em modelos que tentam um equilíbrio entre a aproximação à realidade e o grau de complexidade.

Aqui fica a opinião de um economista.

António Conceição disse...

Contra João Viegas, mantenho tudo o que disse acima.
Salvo raríssimos extremistas, ninguém defende que a igualdade fiscal se confunda com o igualitarismo fiscal. Por outro lado, o princípio da igualdade não pode ser uma mera fórmula vazia. Tem que ter um conteúdo. Como a generalidade das pessoas não gosta de pagar impostos (de resto, a questão só se coloca para estas, porque as que gostam têm toda a liberdade de pagar os que quiserem, os seus, os da família, os dos vizinhos...) e faz um sacrifício para os pagar, a igualdade fiscal resulta da equivalência deste sacrifício para todos, o que se obtém com um imposto proporcional (se se admitir que o dinheiro não tem uma utilidade marginal decrescente), ou com um imposto progressivo (se se assentar no pressuposto dessa utilidade marginal decrescente do dinheiro, isto é que o primeiro euro que se tenha vale mais do que o milionésimo que se possa ganhar ou - se se quiser ver isto de outro modo - que com o primeiro euros se compra pão, com o milionésimo se compram iates).
Outro problema completamente diferente é p problema da redistribuição da riqueza, que tem muito mais que ver com o modo como se realiza a despesa pública, do que com o modo como se arrecadam receitas públicas que esta, sim, é a questão fiscal (rectius, tributária).

Anónimo disse...

Aqui vai um artigo muito interessante sobre o IVA, no blogue mais lido em Espanha:
http://www.microsiervos.com/archivo/mundoreal/contra-crisis-fuera-iva.html

Eu sou amigo, porque não mereces, estas perguntas fazem-se em casa! OK, não faz mal!
luis

joão viegas disse...

Caro Funes,

O principio de igualdade tem um sentido : tratar de forma igual pessoas que estão em situação igual. Nunca ninguém pretendeu que haveria infracção ao principio quando se tributam de forma desigual pessoas que têm capacidades contributivas diferentes (i.e. rendimentos diferentes).

Desde que foi criado, o imposto proporcional sobre os rendimentos tem o mesmo objectivo, que é obviamente operar uma redistribuição dos rendimentos entre ricos e pobres. O imposto não tem outra razão de ser. Se se tratasse simplesmente de cobrar aos utilizadores dos serviços publicos o "preço" destes serviços, as taxas e demais formas de tributação "tradicionais" seriam perfeitamente suficientes, e talvez mais eficazes. Mas esse não é, nem nunca foi, o objectivo do imposto sobre o rendimento.

Portanto quando o meu amigo imagina que o imposto sobre o rendimento é um instrumento que visa ir buscar dinheiro com menor "utilidade marginal", isto passa-se unicamente na sua cabeça. A função do imposto proporcional nunca foi essa, mas tão so a de fazer com que uma parte do rendimento dos mais ricos seja empregue em beneficio dos mais pobres. Ora isto implica, por definição, que o imposto opere de forma desigual...

Como ficou muito bem demonstrado no comentario do economista Celso (subscrevo tudo o que ele disse, apenas com uma pequena nuance : quando ele diz que os dois objectivos do sistema fiscal são a eficiência e a equidade, falta acresentar que esses dois objectivos não estão no mesmo plano, pois o primeiro esta claramente subordinado ao segundo, mas esta ideia transparece suficientemente no resto do comentario), a questão de Desidério nem é propriamente economica, mas politica.

joão viegas disse...

Addenda sobre a subordinação da eficiencia à equidade :

1. O que digo acima é verdade, pelo menos, no que toca ao imposto sobre o rendimento (demontração : se as pessoas tivessem a garantia que o imposto que pagam lhes sera devolvido um menos depois com juro de 6 %, provavelmente pagariam muito mais facilmente ; em termos de eficiência, seria muito bom, mas obviamente o imposto não serviria para nada).

2. Mas também se aplica ao sistema fiscal no seu todo, na medida em que visa financiar bens e serviços que o mercado não permite pôr ao alcance dos mais pobres (como diz Celso). Dito de outra forma : se os bens e serviços publicos devessem ser "comprados" ao preço do mercado (sem qualquer tipo de redistribuição), não se perceberia por que razão esses bens e serviços deveriam ser "publicos".

joão viegas disse...

Addenda sobre a subordinação da eficiencia à equidade (sem gralhas) :

1. O que digo acima é verdade no que toca ao imposto sobre o rendimento (demonstração : se as pessoas tivessem a garantia que o imposto que pagam lhes sera devolvido um mês depois com juro de 6 %, provavelmente pagariam muito mais facilmente ; isto seria muito bom em termos de eficiência, mas obviamente o imposto não serviria para nada).

2. Mas também se aplica ao sistema fiscal no seu todo, na medida em que visa financiar bens e serviços que o mercado não permite pôr ao alcance dos mais pobres (como diz Celso). Dito de outra forma : se os bens e serviços publicos devessem ser "comprados" ao preço do mercado (sem qualquer tipo de redistribuição), não se perceberia por que razão esses bens e serviços deveriam ser "publicos".

joão viegas disse...

Nova addenda :

Bolas que isto hoje esta dificil : é favor ler "imposto progressivo" onde escrevi "imposto proporcional".

Desculpem outras (provaveis) gralhas...

Desidério Murcho disse...

É preciso distinguir o uso dos impostos para redistribuir riqueza da eficiência, exequibilidade e justiça na cobrança dos impostos. Não interessa um sistema muitíssimo bom para redistribuir a riqueza, mas que promova justiças permitindo que quem mais tem riqueza possa fugir mais aos impostos. Também não interessa um sistema muitíssimo bom para redistribuir a riqueza e que não promova tais injustiças, mas cuja cobrança e controlo sejam de tal maneira caros que uma percentagem elevadíssima dos impostos seja gasta a alimentar a própria máquina fiscal.

Não se pode fazer experiências em economia — ou não se deve fazê-las, ainda que na verdade os economistas aliados ao poder as façam sistematicamente. Mas pode-se fazer modelos matemáticos e ver o que dá. Mas para fazer esses modelos matemáticos é preciso poder pensar contra a corrente, levantando hipóteses interessantes. Recusar à partida um imposto único sobre o consumo sem pensar nas muitas maneiras como tal coisa poderia ser efectivada é uma recusa meramente ideológica. E como tal irrelevante.

Imagine-se que há um modelo de imposto único sobre o consumo com as seguintes características: 1) a máquina fiscal é mais barata; 2) a desigualdade de informação e recursos não tem impacto na capacidade dos cidadãos para evitar legalmente impostos (como acontece hoje em dia); 3) o estado tem exactamente os mesmos recursos que tem hoje para redistribuir a riqueza; 4) as pessoas mais pobres continuam a pagar o que pagam hoje, ou menos; 5) há um aumento do PIB.

Caso exista tal modelo, haverá algum argumento contra a sua efectivação? Há. Mas não vou agora dizer qual é, deixo isso aos comentadores.

joão viegas disse...

Desidério,

Você não pode estar a falar a sério.

Caso exista o Mana, havera algum argumento racional para que não se recorra ao Mana ?

Um imposto unico sobre o consumo é, a priori, menos indicado para operar uma redistribuição dos rendimentos... precisamente porque não pesa directamente sobre os rendimentos (mas sobre o consumo, ou sobre outros elementos, que não permitem identificar claramente quem paga e em que medida, ou pelo menos que não permitem assegurar que os que têm maiores rendimentos paguem de facto mais do que os que têm rendimentos menores).


Se sua pergunta consiste em saber se existe um meio tecnicamente mais eficaz de se conseguir o objectivo do imposto progressivo sobre o rendimento, a resposta é : até hoje ninguém encontrou e ninguém consegue conceber que um imposto unico sobre o consumo consiga atingir o objectivo (por todas as razões apontadas acima).

Se a sua pergunta consiste em saber se o nosso sistema fiscal é justo, e se não o seria mais substituindo o imposto progressivo sobre rendimentos por um imposto unico sobre o consumo, a resposta depende do que entende por "justo". Se pensa que o sistema fiscal deve operar uma redistribuição da riqueza, então o seu sistema so muito dificilmente poderia ser mais justo do que o actual (pois é dificil imaginar como é que se conseguiria alcançar uma tributação progressiva dos rendimentos atravês de um imposto que incidisse sobre outra coisa, consumo ou o que quer que seja). Se por "justo" entender, como os neo liberais, isento de qualquer tipo de encargo publico, então provavelmente tem razão, mas havera sempre um sistema muito mais "justo" desse ponto de vista, que seria não haver impostos em geral e deixar que o mercado coloque à disposição de todos os bens e serviços hoje proporcionados pelo Estado (e ha quem leve esta logica até ao extremo).

Portanto, para responder à sua pergunta, é claro que se existisse uma maneira coerente e técnicamente viavel de construir o modelo de sonho que descreve com alguma fantasia, não haveria nenhum argumento valido contra a sua efectivação...

Anónimo disse...

"Se sua pergunta consiste em saber se existe um meio tecnicamente mais eficaz de se conseguir o objectivo do imposto progressivo sobre o rendimento, a resposta é : até hoje ninguém encontrou e ninguém consegue conceber que um imposto unico sobre o consumo consiga atingir o objectivo (por todas as razões apontadas acima)."

Esta afirmação é fundamentalmente errada. Pode ver aqui:
http://www.bportugal.pt/publish/wp/2005-11.pdf
ou aqui:
http://www.cepr.org/pubs/dps/DP5280.asp

Anónimo disse...

Ainda não tive a oportunidade de ler o estudo da Sra.ª Isabel Correia aqui citado, mas é preciso lembrar que é apenas um e que deve ser lido com cuidado.

Uma leitura rápida das conclusões diz-me que o trabalho merece atenção. A validade de premissas como esta deve ser bem ponderada:

The conclusion of this paper is based on heterogeneous agents with infinite lives;

E além disso, é quase sempre possível encontrar outros autores com opiniões diferentes.

Per Krusell, Vincenzo Quadrini, Jose-Victor Rios-Rull,Are consumption taxes really better than income taxes?, Journal of Monetary Economics, Volume 37, Issue 3, June 1996, Pages 475-503, ISSN 0304-3932

We also find that switching tax systems typically does not benefit the median voter; moreover, a change from income to consumption taxes may make everybody worse off.

Anónimo disse...

As vidas infinitas não têm impacto relevante. É uma questão de conveniência analítica. Quanto aos agentes serem heterogéneos penso que é um pressuposto bem mais razoável do que assumir que eram homogéneos (situação em que estudar questões de equidade seria um pouco absurdo).

Quanto ao paper de Rios-Rull, se o ler verá que o esquema que propõe é diferente do da Isabel Correia.
Mas concordo quando diz que é apenas um artigo e que deve ser lido com cuidado. Concordo totalmente, apenas quis deixar claro que não se pode dizer taxativamente o que tinha sido dito no comentário anterior.

Anónimo disse...

@LA-C

Não pretendia fazer juízos de valor sobre o trabalho, mas apenas lembrar que merece uma leitura cuidada antes de nos pronunciarmos sobre o assunto em questão(*).

Quem quiser ler pode encontrar aqui uma versão mais breve deste trabalho em português publicada pela mesma autora no Boletim Económico do Banco de Portugal

(*) Não posso deixar de dizer que, após ler um pouco mais do artigo a minha escolha de uma frase para citar não podia ter sido mais infeliz. A premissa citada é perfeitamente razoável face ao modelo apresentado.

Anónimo disse...

Caro anónimo,
parece-me que estamos essencialmente de acordo. Eu também considero que o artigo da Isabel Correia, por si só, não é suficiente para que façamos uma revolução fiscal. Tem de ser lido com cuidado e esperar pelas reacções que vai gerar. É mais uma acha para esta discussão. Apenas quis realçar, realço novamente, que aquele comentário que citei era demasiado taxativo.

joão viegas disse...

Caro LA-C,

Tem razão, ha exagero retorico no meu paragrafo e ha de facto quem tenha procurado fazer a demonstração a que se refere.

Lerei o artigo com interesse, como outros, mas confesso o maior cepticismo...

O que me parece perigoso é esquecer que o sistema fiscal não faz qualquer sentido quando perdemos de vista a sua função, que é precisamente fazer redistribuição. De resto, se não estou em erro, os modelos a que se refere não ignoram que o imposto sobre o consumo é a priori menos justo, apenas salientam que a sua eficacia permite compensar esta injustiça financiando mais programas para os mais desfavorecidos. Isto, quanto a mim, é voltar à logica do "pão e circo" (sendo apenas que se pede às classes médias que paguem a conta, e não aos mais ricos). Eu sei que que os neo-liberais pretendem isso mesmo, mas não concordo...

Fico à espera que me demonstrem as potencialidades desses modelos com exemplos praticos...

Em todo caso, tem razão quando diz que exagerei e que o meu paragrafo esta errado. Devia ter dito antes o seguinte :

"Se a sua pergunta consiste em saber se existe um meio tecnicamente mais eficaz de se conseguir o objectivo do imposto progressivo sobre o rendimento, a resposta é : eu até agora nunca vi nenhum exemplo na pratica e custa-me conceber que um imposto unico sobre o consumo consiga atingir o objectivo (por todas as razões apontadas acima)."

Anónimo disse...

Caro João Viegas, concordo consigo quando diz que a principal crítica que se aponta a estes esquemas fiscais tem a ver com os seus efeitos sobre a (re)destribuição do rendimento. E concordo também, tal como já disse ao anónimo, que estes estudos devem ser lidos com cepticismo. Se não formos cépticos quando avaliamos teorias económicas corremos riscos enormes.
Bem, tenho de ir agora. Foi muito interessante ler este debate.

Vasco disse...

Mike Whitney entrevista o economista Michael Hudson (excerto):
( entrevista traduzida aqui: http://resistir.info/financas/hudson_08set08.html
Original aqui: http://www.counterpunch.org/whitney09082008.html )

"MW: O que pensa dos efeitos positivos que haveria em tributar a propriedade ao invés do rendimento e do lucro industrial?

Hudson: Haveria dois importantes efeitos positivos. Primeiro, libertaria o trabalho e a indústria do fardo fiscal. E analogamente exigiria que a renda económica actualmente utilizada para pagar juros e depreciação fosse paga ao invés como renda fiscal da propriedade. Isto libertaria uma soma equivalente de ter elevada na forma de rendimento e imposto sobre vendas. Isto era a ideia clássica de mercados livres. Tal como está hoje a questão, o subsídio fiscal para o imobiliário e as finanças deixa mais rendimento de rendas líquido para ser capitalizado nos empréstimos bancários. Isto é um travesti dos "mercados livres" que os lobbystas para os bancos e os ricos em geral afirmam advogar.

Substituir impostos sobre rendimento e vendas por um imposto sobre a renda da terra tornaria os preços imobiliários mais comportáveis, porque o juro agora "liberto" será pago aos bancos para suportar um alto encargo com dívida seria ao invés disso colectado e utilizado para baixar o fardo fiscal sobre o trabalho e a indústria. Isto reduziria o custo da produção e o custo de vida, que estimo em cerca de 16 por cento do rendimento nacional.

Proprietários e arrendatários de casas pagariam a mesma quantia que pagam agora, mas o sector público recuperaria o custo de construir transportes e outras infraestruturas básicas devido ao mais alto valor de rendas que esta despesa cria. O sistema fiscal seria baseado sobre direitos de uso da propriedade, incidindo sobre os proprietários de um modo que recupera o valor ascendente da sua propriedade resultante da locação da renda, potenciada pelos transportes públicos e outras infraestruturas, e a partir do nível geral de prosperidade, pelos quais os senhorios não são responsáveis e sim simplesmente os beneficiários passivos na prática actual.

Uma política fiscal neo-progressista objectivaria recapturar o valor de localização da terra criado por despesas em infraestrutura pública, escolas e o nível geral de prosperidade. A pirâmide da dívida seria muito mais pequena, e as poupanças poderia assumir a forma de investimento no património outra vez. O crescimento mais lento da dívida, habitação e preços de escritórios, e impostos mais baixos sobre rendimento e vendas tornariam a economia mais competitiva internacionalmente."

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...