terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Contra a língua do João

O bem-vindo post convidado do professor João Boavida permite-me alinhavar algumas ideias contrárias às suas. Espero que o contraste seja bom para fazer as pessoas pensar outra vez.

O que o João diz é repetido mil vezes por mil pessoas em mil artigos de opinião de todos os jornais, desde há séculos: a defesa da Nossa Língua e da Nossa Cultura. E a questão fundamental que se coloca é por que haveria alguém de querer defender tal coisa; por ser Nossa?

Há muitas ilusões aqui envolvidas. A primeira é que parece que estamos a falar de defender que não se deve matar pessoas; e realmente não se deve matar pessoas, nem povos inteiros. Mas matar uma cultura ou uma língua é outra coisa completamente diferente. Nada se mata de facto; ninguém morre. As pessoas apenas deixam de usar uma dada língua e passam a usar outra; e o que foi escrito na língua antiga continua disponível, podendo ser lido pelos especialistas nessa língua morta, eu em boas traduções. Afinal, é o que acontece com o latim, o grego antigo e outras línguas mortas. Imagine-se que a língua portuguesa já tinha morrido no séc. XVIII. Não teríamos Eça nem Saramago? Tolices. Claro que teríamos. Só que eles escreveriam e sentiriam as coisas noutra língua qualquer — o castelhano, por exemplo, o que seria bem melhor para eles. Portanto, não se trata de matar pessoas nem de matar povos nem de matar culturas. Trata-se apenas de usar uma ou outra língua.

O segundo aspecto é que muitas línguas são puras mentiras políticas, inventadas por políticos espertos que queriam dividir para conquistar. É o caso da língua portuguesa. Não é mais do que latim à toa, que depois foi trabalhosamente aperfeiçoado numa nova língua, e que mais tarde foi artificialmente afastada do castelhano. Uma língua é sempre uma arma política, e o expoente máximo da eficiência dessa arma é alguém pensar, como o João, que está a defender uma posição humanista, quando na verdade está a fazer o mesmo do que os que defendem a bandeira, o hino e o Quinto Império. Nada disto tem a ver com o que interessa aos escritores, poetas, filósofos, estudantes, cientistas. O que interessa a todas estas pessoas é terem liberdade e condições para fazerem o seu trabalho e poderem usar uma língua culta qualquer, que tenha sido cuidadosamente burilada ao longo de séculos de erudição. Coisa que não acontece na língua portuguesa, que quase não tem vocabulário científico nem filosófico, pela simples razão de que ao longo da maior parte da história a ciência e a filosofia não se fizeram em Portugal. E continuam a não se fazer. E isso é normal porque a maior parte dos países ao longo de toda a história da humanidade nunca fizeram tais coisas.

O importante, em suma, é olhar para as pessoas em vez de deixarmos de as ver porque estamos a olhar para abstracções. Perguntemo-nos o que é realmente importante para os nossos jovens estudantes. E se fizermos esta pergunta, a resposta é que para eles é importante o mesmo que é importante para os jovens estudantes dinamarqueses, suecos ou israelitas: que a língua inglesa lhes seja tão própria quanto a língua portuguesa, porque isso será para eles o passaporte de acesso à maior bibliografia que o planeta já conheceu. Se uma pessoa quiser ler a maior parte da história, filosofia, economia, biologia, teologia, física, literatura ou poesia, não pode fazer isso em português. E este facto é que conta. É este facto desagradável? Sim. Para os nacionalistas. É desagradável quando olhamos para abstracções em vez de olharmos para as pessoas. A única coisa má nisto é que hoje, porque não há a coragem política de fazer da língua inglesa a língua escolar oficial em Portugal e no Brasil, os alunos andam perdidos a ler tolices mal traduzidas, porque não dominam uma língua culta. E os que a dominam é porque ou são ricos e andaram nos melhores colégios, ou se esforçaram pessoalmente. Num ou noutro caso, introduz-se uma injustiça que preocupa muito mais o humanista do que a tolice de saber se as pessoas fazem economia ou química em latim, hebraico ou letão.

E pronto, venham de lá os protestos, nomeadamente do professor João Boavida!

61 comentários:

Daniel Marinha disse...

Antes dos protestos, ainda um comentário de apreço. Para além da minha relação emocional com a Língua Portuguesa que me leva a gostar dela tal como ela é (ou está), estou plenamente de acordo com o que diz. Ainda mais depois de morar algum tempo em França, onde o proteccionismo é tal de ordem que chega a roçar o ridículo. A mudança do léxico é mais do que natural, é saudável. Querer empederni-lo é o mesmo que não querer que as crianças cresçam com medo de que aprendam a pensar pela própria cabeça, saiam de casa e nos deixem a envelhecer sózinhos.

O Inglês é sem dúvida a língua dominante e devem ser dadas todas as oportunidades a quem quer, de o aprender e dominar. O mesmo não é, de modo algum, dizer que se deva esquecer o Português. Agora não me venham é com aberrações como "octets".

Anónimo disse...

João Boavida e não João Boaventura

Carlos Faria disse...

língua inglesa língua culta, porquê? porque tem poderio económico? porque é língua franca no final so século XX? porque teria sido melhor para o Eça escrever em castelhano a língua mais politicamente imposta na ibéria?
Sendo natural de um país anglo-saxónico, admirador da literatura do meu país, penso que este post apenas serve para lançar a discussão, parece de alguém formado em filosofia que tem sempre algo para questionar e nunca uma solução.
Já agora, porque o alemão não é a língua verdadeiramente culta da europa, de lá surgiram grandes pensadores e cientistas que moldaram a europa do século XIX e XX e talvez mesmo XXI? a mais falada deste continente e os seus falantes são os que mais pagam para os portugueses viverem como vivem. Será apenas por falta de capacidade dos lusitanos aprenderem na língua de Göethe? a lista de perguntas não terminaria deste cidadão que adoptou a nacionalidade portuguesa já adulto e não compreende porque um luso de nascimento não vê o valor do património da lingua de Camões que também já foi língua franca.

Desidério Murcho disse...

Obrigado, já corrigi o nome do João -- e as minhas desculpas pelo lapso lamentável.

Línguas cultas são línguas nas quais se produziu um acervo razoável de conhecimentos e artes de valor universal. Isso não acontece na língua portuguesa, mas acontece evidentemente com as línguas alemã, latina, grega, francesa e inglesa.

Desidério Murcho disse...

A língua portuguesa foi língua franca em termos meramente comerciais, quando os portugueses colonialistas, racistas e mal cheirosos dominavam os mares. Nunca foi uma língua culta, e nunca o será.

Anónimo disse...

Neste assunto, como aliás em outros "culturais", parece-me que há sempre duas visões "patrióticas" diferentes.

Ambas querem o melhor para Portugal, mas Portugal toma significados diferentes. Enquanto que para uns desejar o melhor para Portugal é equivalente a desejar o melhor para os portugueses para outros desejar o melhor para Portugal equivale a querer que a cultura portuguesa, chamem-lhe portugalidade, se imponha.

Desidério está no primeiro grupo: quer que os estudantes e investigadores tenham uma língua que lhes sirva para comunicar com o maior número de pessoas pelo Mundo. De certa forma, e como Desidério acabou por explicitar, querer o melhor para os portugueses pode significar que se abandone o português como língua académica, científica e até literária.

Quem se preocupa com a portugalidade põe as mãos à cabeça e arranca os cabelos quando houve opiniões como a de Desidério. Na verdade, para essas pessoas não faz sentido ser-se português sem que exista uma cultura portuguesa. Daí que não faça sentido a ideia de que o melhor para Portugal passe por abandonar a portugalidade.

Carlos Pires disse...

Desidério:

"Nunca foi uma língua culta, e nunca o será."

Porque é que nunca o será? Não vale a pena falar de argumentos indutivos, falácias e coisas anexas... Pergunto apenas: isso não depende do que fizermos entretanto?

TMC disse...

Concordo com a parte final da opinião do Desidério. Chamo-lhe parte final e não conclusão porque é possível chegar a ela sem concordar com as falsas premissas. Estas são apenas más ilustrações, invariavelmente pintadas naquele tom áspero e seco subserviente à razão desenquadrada de fundo cultural - e isto quando a própria razão é respeitada.

Haveria um Camilo ou haveria um Eça se não existisse português no seu tempo? O Desidério acha que sim. Eu afirmo que não. Essas obras, se escritas noutra língua, até poderiam ser iguais, de conteúdo indistinguível mas nunca seriam as obras de Camilo ou de Eça. Seriam outra coisa qualquer. Se fossem escritas noutra língua seriam diferentes. Não seriam compatibilizáveis, estariam necessariamente incompletas. Haverá sempre qualquer coisa que se perde numa tradução. Como poderia Eça reflectir sobre um país que amava e odiava com a mesma potência se não falasse e escrevesse na própria língua desse país? A especificidade de cada língua deve ser respeitada não pelas ideias que as respectivas obras literárias transmitem mas também por serem a expressão temporal e espacial do ser humano. Tal como a natureza aflora em diversos contextos em fauna e floras específicas, por vezes frágeis porque que o homem as tem periclitado, também qualquer língua, hoje em dia, deve ser encarada como uma forma de resistência à aglutinação de léxicos. E cada povo deve por isso proteger o que é seu.

Um outro dislate é esta frase: "O segundo aspecto é que muitas línguas são puras mentiras políticas, inventadas por políticos espertos que queriam dividir para conquistar. É o caso da língua portuguesa. Não é mais do que latim à toa, que depois foi trabalhosamente aperfeiçoado numa nova língua, e que mais tarde foi artificialmente afastada do castelhano."

Isto é um disparate provocatório porque além de ser uma tese histórica muito controversa, foi enxertada de forma ingénua num argumento; a minha parte favorita é aquela dos "políticos espertos". Se há alguém que preserva a seriedade de um argumento essa pessoa deve ser o Desidério. Por isso não percebo como se atreveu ele a escrever algo tão ridículo. Não vou discutir o conteúdo - parvo - da frase. Vou é discutir o valor, ou aliás, a falta dele, que o Desidério dá a uma língua.

As condições de genealogia de uma língua não são desligáveis de circunstâncias históricas. Poderia alguém dizer no século XII que falava português, espanhol ou francês? Haveria sequer a ideia de nação? Claro que não. Alguns dialectos locais foram sendo agregados e outros acabaram por coincidir com os limites da futura nação. O Desidério erra porque situa a língua apenas como projecto político de "políticos espertos" (que falta de elegância) quando na verdade ela é muito mais o fundamento de um projecto político. E mesmo que a língua portuguesa tenha sido acrisolada propositadamente apenas para ficar diferente da sua vizinha - porque razão é isso uma mentira? Desculpe Desidério, mas não há nenhuma língua pura. Não há nenhum língua que não seja uma mentira política porque não é algo que se possa projectar e controlar. Todas as línguas são um tecido histórico que dão e recebem influências e desenvolvimentos tecnológicos, religiosos e filosóficos. Tal como temos palavras latinas como o espanhol, também estes têm palavras portuguesas e nós castelhanas. Por ventura teremos menos palavras árabes porque a sua presença no país vizinho foi mais duradoura. Até os japoneses têm palavras portuguesas porque lá chegámos num estado mais avançado em alguns aspectos e assim fomos emulados. O francês sofreu engenharia linguística até se poder dizer que existe. O Desidério inventou um disparate baseado, simplesmente.

Finalmente, a defesa de uma língua que não o inglês - porque ele é hoje o maioritário - é um dever. Em concreto e por razões pragmáticas, é um dever dos seus falantes e escritores. E para defender uma língua não se argumenta, faz-se: mais filosofia, mais literatura, mais ciência. E isto não tem nada de nacionalista; defender a língua portuguesa ou inglesa está muito para lá das fronteiras da nação que a enformou. Volto a dizê-lo: dominar o inglês é importantíssimo mas é muito mais fazê-lo quanto à língua de origem. É um dever não sucumbir ao universalismo pateta.

joão viegas disse...

Prezado Desidério,

Como tentei explicar no meu comentario ao texto citado, não me parece que a questão principal resida na defesa da lingua patria contra a invasão de uma lingua estrangeira "imperialista". A questão consiste mais em defender a lingua popular, viva, espontânea, contra uma pretensa lingua-franca cientifica que, quando deixa de corresponder à lingua tradicional, esta votada à decadência ou à insignificância.

A lingua é um organismo vivo que se define a partir da pratica de uma população. Sem esta realidade primordial, a lingua não é nada. Cortada dessa realidade, a lingua torna-se uma arvore sem seiva e morre. Assim aconteceu com o latim escolastico... De resto, o mesmo movimento que levou a "redescoborir" o latim classico nos séculos XV e XVI, e a medir a distância que havia entre ele e o latim macarronico das universidades da época, foi o mesmo que levou ao desenvolvimento das grandes linguas nacionais europeias, que se tornariam depois linguas cientificas e literarias de primeira ordem.

Portanto do meu ponto de vista (e não sei se isto corresponde exactamente às intenções do autor do texto), a questão remete para o estatuto do investigador e do cientista na sociedade. Se ele procura inserir-se na sociedade, contribuindo para o seu progresso, para a formação de alunos, etc., então parece-me obvio que deve procurar exprimir-se na lingua dos seus compatriotas, que é a sua e a das pessoas para e com quem trabalha. Isto, diga-se de passagem, é perfeitamente compativel com a aprendizagem de linguas estrangeiras. Cicero procurou sempre exprimir as suas ideias num latim impecavel, mas não deixou por isso de ir buscar as suas ideias aos Gregos, cuja lingua dominava.

Agora incentivar o uso sistematico do inglês (ou do latim) nas universidades portuguesas, como se se tratasse de uma lingua mais "cientifica", ou mesmo unicamente por se ter a preocupação de ter "projecção internacional", é nada mais nada menos do que fazer ciência "para Inglês ver".

A menos que o Desidério acredite que o Inglês vai passar a ser a lingua universal com vocação para substituir as outras linguas nacionais. Ai sim, haveria motivo para procurarmos rapidamente ensinar inglês aos Portugueses, a todos os Portugueses alias, e não so aos que querem fazer investigação cientifica.

Mas esta hipotese não corresponde à realidade e o Desidério sabe bem que é pura fantasia. O Inglês não se tornara "lingua universal" pelas mesmas razões que impediram o Esperanto de vincar. Apenas se tornara lingua-franca dos negocios, como hoje ja é. Portanto Milhões de pessoas continuarão a exprimi-se, a comunicar, a pensar na sua lingua nacional. Que eu saiba, a ciência "também" existe para estas pessoas.

A ciência não tem sentido nenhum se não estiver ao serviço da vida...

Em conclusão, não se trata de uma preocupação "patriotica" ou "reacionaria". Trata-se de saber se queremos que haja ciência e formação cientifica em Portugal, ou se nos resignamos a ser um pais de turismo, provinciano, que continuara a acreditar que as coisas sérias so podem acontecer numa lingua estrangeira.

Anónimo disse...

Como uma estudante que está a dar os primeiros passos no mundo da Ciência, não posso deixar de comentar este post. É óbvio que o domínio do Inglês deve ser visto como algo unificador e não como algo que está a contribuir para o "desaparecimento" ou "desvalorização" da Língua Portuguesa. Para podermos estar ao nível dos melhores temos que ter esta "ferramenta". E não vejamos isto como uma desvantagem!! Muito pelo contrário: dominamos a nossa Língua-Mãe (pelo menos é o expectável) e ainda dominamos outra língua, o que nos torna mais próximos do Mundo e mais cultos. É isto mau? E podem perguntar-se: "Porquê o Inglês?" Possivelmente pela razão que o Dr. João Boaventura mencionou. Mas se não fosse esta seria outra. E acho que em Portugal o Inglês deveria ser ensinado tal qual o Português. Assim, evitar-se-iam as tais injustiças socias, chamemos-lhe assim, aqui mencionadas. Eu, por exemplo, quando me deparei com a necessidade/obrigatoriedade de falar em inglês, tive algumas dificuldades. E hoje, porque me esforço e sei que tem que ser, as dificuldades já são bem menores. E sei que daqui a uns tempos provavelmente será para mim mais "natural" que o Português. E não vejo isto como sendo mau ou pouco digno para a Língua Portuguesa. Vejo isto como algo unificador!

Andrea Marques

Anónimo disse...

@ Desidério Posso-lhe perguntar qual é a sua especialização filosófica?! Quais os termos que habitualmente versa e dos quais tem conhecimento histórico profundo? É ainda, esta a Filosofia que o Brasil tem de melhor para oferecer? // As incongruências no seu texto são de grandeza tal, possuidor de erros históricos e lógicos crassos, que mais parece ter sido antes escrito por alguém desprovido de qualquer educação superior.

Anónimo disse...

Porquê esse desprezo pelo comércio que em tempos dominamos?

Não serão as patentes, royalties, direitos de autores, etc uma forma de comércio muito prezada por cientistas, instituições universitárias & etc?

Ingénuo Renitente

Ao invés do plágio, antigamente uma forme de homenagem a outrém, e agora tão despresado e perssegido, por motivos meramente comerciais?

"Mal-cheirosos" sim fomos, e outros também, continuamos a ser, e outros também como o holliganismo, uma palavra fornecida pela língua culta, filosófica e cientifica, às outras, relativo a algo criado e estruturado na culta pátria de sua magestade.

(Aliás, Fernão Mendes P(m)into já, e em devido tempo, tratou disso ....)

efectivamente somos racistas, pelo criamos a mestiça para sermos todos da mesma raça.
Só não percebo porque, nos paises sucedâneos, os povos locais ainda façam parte da paisagem citadina como os índios do Brasil, e na América do Sul em geral.

Colonialista, pois, mas tivemos muitos bons mestres vindos da tal língua culta.
Não somos santos, mas é inútil queremos ser mais demónios queos ditos.

Se quer a minha humilde opinião, a própria língua, qualquer uma, é um tratado incipiente de filosofia pois nas suas estruturas define-se as relações espaciais e temporais, entre pessoas, com os objectos, da ordem, etc, ainda que duma maneira mais prática do que pensada.

Não é por acaso que o "alemão tem uma lógica, e excelente para tratar comos cavalos, lá dizia Brismak(?)" e que o "português tem uma complexidade para indicar lugares (aqui, aí, acolá, para lá, etc)" jeitosa, feita de quem soube primeiro que os outros o tamanho exacto do mundo, e onde estas designações "cabiam" todas, e eram necessárias.

Claro que um Inglês dá um jeitão dos diabos com terceira língua de contacto entre povos diferentes, mas está muito longe de bastar se realmente queremos perceber o outro e a sua filosofia.

(Nota - concidere eventuais erros da minha escrita, como uma evolução, não só para afastamento do castenhano, como, também, do português ortodoxo e regulado por decreto e tratado.
Como disse, politiquices ...)

cafe46 disse...

Caro Desidério,
Ainda há dias, num artigo que escrevi, remeti um seu artigo "Liberdade e Insulto" a uma série de pessoas. Um belo artigo; mas este, ó Desidério, pela Virgem Santíssima, pelos nossos igréjios avós!

Tenha a bondade de escrever coisas menos insolentes nos momentos em que lhe dá o tédio. Teria ao menos o mérito de não fazer gastar tanta tinta aos comentadores que aqui mesmo já responderam cabalmente ao seu "insulto" ao veículo transmissor da nossa cultura (já se sabe, acientífica e afilosófica).

Depois dos escribas João Viegas, TMC e geocrusoe terem manifestado o seu português pensar, pouco há a dizer.

Porém, vejamos se eu consigo ser lacónico ao estilo britânico.

Brinda-nos o Desidério, do alto do Reino de SAR, com esta pérola:

"A única coisa má nisto é que hoje, porque não há a coragem política de fazer da língua inglesa a língua escolar oficial em Portugal e no Brasil, os alunos andam perdidos a ler tolices mal traduzidas, porque não dominam uma língua culta."

Olhe que nos meus piores momentos de aversão à piolheira nacional,à choldra -- para recordar as palavras d'el rei D. Carlos -- nunca eu me lembrara de tais impropérios. Mesmo agora, há mês e meio, que acabei de regressar da Baviera, de Munique, da pátria da culta língua alemã, germânica, rica, bela. (Pormenor: a língua inglesa é uma língua germânica)

O Desidério faz-me lembrar o cavalheiro do filme "O estranho caso de Benjamim Button", com as devidas diferenças. O Desidério, ao invés de nascer velho, nasce português (inculto), mas sabe que vai morrer inglês (novo, moderno e online).

O próprio Eça, que andou pelo mundo civilizado, regressou à portugalidade (que Teixeira de Pascoaes retrata) e escreveu um livro enaltecendo as coisas simples do campo português, inspirando-se em Santa Cruz do Douro.

Mas o Desidério Murcho (que em breve trocará o nome por uma fleumática tradução britânica no google), não! O Desidério não gosta de sons que terminem em Tormes... prefere All garve.

Quando regressar, Desidério, faça um abaixo- assinado, e mande os parolos mudar a toponímia. Passe Afonso Henriques, para Alfons Heinrich (fica fino). Arte manuelina, qualquer coisa em italiano que lhe soe a Prada, Roberto Cavalli ou Dolce e Gabanna. O Monumento do Salado (comemorativo de uma reles batalha onde se derramou sangue português) dê-lhe novo baptismo: Trafalgar Square; e chame Nelson ao Belmiro de Azevedo.

And, darling, last but not least, quando se aproximar a hora da morte de um seu ente querido, diga-lhe -- enquanto ouvem o Cante Alentejano (em inglês) -- "Obrigado por tudo o que me ensinaste sobre os descobrimentos e tudo o que os portugueses levaram ao mundo. Obrigado por me teres recomendado a leitura do Antony Giddens que defende, em "Globalização", que a palavra "risco" foi cunhada pelos portugueses". Obrigado por me teres lembrado que a língua chinesa e a língua japonesa são faladas por povos com ciência e filosofia milenares. Obrigado por me lembrares que durante muito tempo houve um povo, o de Israel, que nada mais tinha senão a sua língua..." (diga tudo isto em inglês)

Defenitly, a sua pátria não mora nesta Língua.

Regards,

Carlos Félix Fernandes
Bracara Augusta in the year of the Lord of 2009

LA disse...

Concordo ABSOLUTAMENTE com o Dr. Desidério.
E digo mais: o bacalhau seco e salgado deve ser imediatamente proibido e substituido por fish and chips, assim como todos os bons fumados, a música pimba deve ser proibida e substituida por rap, e a missa deve passar a ser dita em inglês, assim como as óperas italianas e alemãs devem ser imediatamente traduzidas para inglês. Desta forma evitam-se choques culturais que os portugueses tenham ao entrar em contacto com formas superiores de civilizações. Noutros países deve seguir-se o exemplo, e o Paco de Lucia deve ser, já, proibido de tocar guitarra espanhola e forçado a tocar a eléctrica (sempre com distorção), enquanto os ciganos berram em inglês, em ritmo rock.
Talvez desta maneira, países pobres culturalmente, como a França, Alemanha, Itália, e Espanha, pudessem ter grandes sucessos como países anglófonos, como a Nova Zelândia, a Irlanda, ou mesmo a Jamaica, que lhes são muito SUPERIORES.

Anónimo disse...

No actual estado das coisas, qualquer aneurisma tem voz.

Anónimo disse...

Não compreendo muitos dos comentários anteriores porque acho que continuam a misturar lingua com cultura.
No meu entender se a nossa língua fosse diferente, as idiossincrasias que nos fazem portugueses continuariam a ser as mesmas.
Não quero com isto dizer que se devia abolir o ensino do português, mas antes que deveríamos ensinar a nossa língua materna (até por uma questão de coerência) e ao mesmo tempo ensinar também uma língua global que garanta que possamos recomeçar a construir a torre de babel.
Não consigo perceber muito bem em que é que isto choca os nacionalistas, só se pensam que o facto de começarmos a utilizar outra língua para além do português vai fazer com que rapidamente esta perca o interesse por falta de uso, e assim eu pergunto: Porquê, então, impor restrições sobre o uso de uma linguagem se acham que esta no futuro irá ter mais protagonismo? Se o terá não será por boas razões?

Por último, para responder à questão : Porque não o Alemão em vez do Inglês para ser escolhida como esta língua universal e unificadora?
Simplesmente porque tal como postulado na Lei da Parsimónia "entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem", ou seja, se ambas preenchem os requisitos pedidos, porque não escolher a que já está mais difundida e é de aprendizagem mais simples?

Mauro Guerra

Anónimo disse...

Independentemente da forma, o Desidério tem toda a razão na essência.

Embora eu não fosse tão longe, fazendo do inglês, como propõe o Desidério, “a” língua escolar em Portugal (no Brasil eles que façam o que quiserem) não tenho dúvidas de que seria de todo o interesse tornar o inglês a segunda língua oficial do país.

Já o escrevi em três artigos, o primeiro na revista da Ordem dos Engenheiros, em 1998, e o último, mais recentemente, no Diário Económico.

Jorge Pacheco de Oliveira

Anónimo disse...

É verdade que os decisores, os feitores das leis, podem muito bem fazer progredir com maior eficácia o povo a que a essas leis está subordinado ou, pelo contrário, podem fazer com que vá ficando às voltas do seu umbigo e que se perca com o tempo.
Creio que o tempo, quer queiram os decisores quer não queiram, haverá de mostrar a necessidade de uma língua universal.
Construir uma já se tentou mas para tantos umbigos torna-se difícil. Por outro lado, aproveitar uma já edificada, com muitos séculos de ajustamentos, pode ser a melhor solução.
Eu aprovaria a língua inglesa, como língua escolar.

Leonel Morgado disse...

A língua portuguesa é sempre a que nos vai na alma - a inglesa é um instrumento que adoptamos.
E concordo não com as provocações do Desidério (bem-haja por nos divertir) mas pelo final sério. É que escrever em ciência em português tem um propósito: divulgar aos nossos estudantes (muitos não dominam o inglês), ao público em geral, o trabalho que fazemos. Mas não tem outro: submeter à validação da comunidade científica o trabalho.
É isto que muitos dos comentadores do texto não compreendem: os cientistas não são iluminados que tenham a verdade; parte essencial do trabalho científico é que os "pares", ou seja, outros cientistas, olhem para o trabalho e comentem, critiquem, etc. Para isto (e não é uma conveniência, é tão essencial à ciência como o ar que respiramos), escrever em português é um tiro no pé. Porque deitamos borda fora a apreciação, comentários, críticas e demais contributos de 99% da comunidade científica internacional. Não se trata de protagonismo: trata-se de não ficarmos satisfeitos por sermos "reis" num poleiro luso-falante, optando pela alternativa de sermos "mouros de trabalho" num mundo onde tudo o que dizemos, tudo o que queremos afirmar, tem de ser validado de forma muito mais exigente. Quem o faz, evolui cientificamente, para bem dos estudantes, dos colegas e da sociedade onde vive; quem não o faz, evoluirá certamente, mas lentamente, lentamente, talvez até julgando-se mais competente do que é, por falta de confronto com pontos de vista diferentes.

A lingua inglesa foi introduzida no 3º ano (antiga 3ª classe) e parece que irá sê-lo no 1º. Ainda bem! Porque a verdade é que os nossos alunos de 18-21 anos de hoje, os alunos dos nossos cursos superiores, esmagadoramente evitam ler obras em inglês, o que lhes limita tremendamente o acesso ao conhecimento. Quer em livros, quer em técnicos e colegas estrangeiros - é como se a Internet não existisse fora da comunidade de língua portuguesa, ou só existisse para ideias vagas. Excepto para os que puderam ser incentivados familiarmente ou pessoalmente a dominar inglês, ou tiveram a hipótese de frequentar uma escola de línguas. Esses (entre os quais me incluo, em ambos os casos), têm um trunfo profissional constante.

joão viegas disse...

Andabata Mandelbrot e demais comentadores,

Não se trata de criticar a aprendizagem do Inglês nem de dizer que não é util aos cientistas e investigadores. Trata-se antes de dizer que um bom cientista português é, antes de mais, uma pessoa capaz de raciocinar e de escrever na sua lingua, que é o Português.

A investigação cientifica não é feita para obter o beneplacito da "comunidade cientifica" que reside em Harvard. A ciência é feita porque é util ao pais, porque favorece o seu desenvolvimento a todos os niveis. Isto é que esta profundamente errado no texto do Desidério e é isto mesmo que eu critico : a nossa propensão por nos satisfazermos com a admiração pacovia do que se faz "la fora", a ponto de acharmos uma grande conquista da ciência nacional que exista um Damasio em Nova Iorque. Mas, meus amigos, isto é antes a prova da nossa insuficiência !

A ciência, a investigação cientifica, não são uma coisa abstrata que existe apenas na revista "Nature" : trata-se de uma actividade que tem de estar voltada para a comunidade politica em que se insere, e nomeadamente para o ensino. O grande investigador português não é so grande porque conquistou a estima dos seus colegas "sérios" nas Américas. E grande na medida em que a sua actividade beneficia aos seus alunos e aos seus compatriotas.

Se o tal Inglês superior no qual vocês acreditam tanto passasse a ser o veiculo unico e exclusivo da ciência, então os Portugueses, os Chineses, os Alemães, os Japoneses, etc., estariam reduzidos a viver à margem da ciência ou... a mudarem a sua lingua nacional !

Francamente, preconizar que o inglês substitua o português como lingua de aprendizagem da ciência em Portugal é mais ou menos tão absurdo como defender-se que, para incentivar o ensino da musica em Portugal, seria necessario queimar todas as concertinas, ferrinhos, pandeiretas e cavaquinhos, porque Mozart e Beethoven compuseram as suas grandes obras para violino e para piano...

E, mais uma vez, isto não invalida que se deva incentivar a aprendizagem do Inglês e cultivar a abertura às outras linguas e às outras culturas. Isto parece-me mesmo obrigatorio para desenvolver a ciência em Portugal. So que não devemos inverter as coisas. Os cientistas portugueses não serão bons por saberem Inglês. E se forem bons (se houver uma comunidade cientifica interessante em Portugal, com resultados validos e uteis), não terão de se preocupar porque sempre ha de aparecer alguém para traduzir os seus trabalhos para Inglês.

Esta ultima realidade explica-se, alias, precisamente porque existem paises de lingua inglesa com grande tradição cientifica, o que implica que, nesses paises, a preocupação de traduzir a produção cientifica oriunda de outros paises (em vez de a deixar permanecer em livros herméticos para os cidadãos anglofonos) existe ha muito tempo...

Anónimo disse...

COROLARIO:
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De facto, o portugues nao presta. Alias, so' idiotas ou oportunistas se lembrariam de traduzir livros do ingles para o portugues quando hoje qualquer bicho careta sabe ingles. Entao traduzir obras sofisticadas dirigidas a universitarios do ingles para o portugues nao lembra o diabo ...

Miguel

Anónimo disse...

O caro Desidério parece-me que se escuda no manto de provocação e a páginas tantas está sempre defendido. Se lhe apontam os erros (como pode dizer que a "língua portuguesa nunca será", será ele um vidente, profeta, abençoado por uma conhecimento universal e omnisciente? Será que o perspectiva vai finalmente reconhecer que Deus anda aqui?) poderá pintá-los de provocação, senão passarão por coisa séria e assisada. Eu cá só peço coerência.

Acho úteis os extremistas da defesa da língua porque ajudam a ancorar a coisa. Acho que são também uns chatos que impedem a evolução. O positivo é que de facto quem faz a língua é quem a usa e a maioria segue inconscientemente e alegremente usando e abusando dela, que foi para isso que foi feita.

Sobre nunca ter havido uma língua construída expressamente por desígnio politico chamo a atenção dos caros comentadores para o Coreano.

Sobre a tirada do português ter divergido propositadamente do espanhol por acção directa dos senhores políticos da altura acho que a própria história o desmente... Que dizer do inglês? Seria Shakespeare um político? Parece-me que o Desidério deveria reler os seus posts (muitas vezes tocando pontos sensíveis e importantes), separando o trigo do joio. Sendo o joio os perniciosos comentários que inclui por um qualquer ressabiamento (note-se, é o que me parece, ele dirá se é verdade ou não) contra este estado em que vivemos.

Eu cá gosto do Português, tem uma latitude de insultos que permite um praguejar muito mais satisfatório que o inglês e assim liberta mais rapidamente a alma das situações kafkianas em que nos vemos enredados. O resto, para mim, são balelas.

cmps que hoje faz sol e parece que há-de ser um dia magnífico!

Anónimo disse...

So why the hell don't write this blog in English? Why drag it with the bloody proletarian, second rate language called "portuguese" suited only for grocers? ....

(a propos d'Orwell: tambem tentaram impor o russo na Europa de Leste, mas o resultado
nao foi o esperado)

Miguel

Ana Cristina Leonardo disse...

oh desidério, apesar da aparente bondade da sua distinção entre matar pessoas e matar outras coisas, o facto é que as línguas e as culturas não se matam inocuamente por decreto. matam-se com pancadaria a sério. que o digam os índios! e quanto ao latim e tal, o processo é exactamente ao contrário do que diz: não se uniformizou nada, antes pelo contrário. acrescento só que nada tenho contra o estudo do inglês ou de outra língua qualquer, já agora: cada língua é um mundo. já se imaginou a ler o Tolstoi em russo? eu já. e tenho pena de não ser capaz.

Desidério Murcho disse...

Caros leitores

Muito obrigado pelos comentários.

Carlos, a força das línguas segue a força da economia. A economia dos países de língua portuguesa não dá mostras de vir a dominar o mundo. Pode-se por isso inferir que jamais será o português uma língua culta preponderante. Note-se que uma língua culta preponderante é diferente do número bruto de pessoas que falam uma língua. As dez línguas mais faladas no mundo são as seguintes: o chinês (mandarim), com 1052 milhões de falantes; o inglês, com cerca de metade de falantes (508 milhões), seguido de perto pelo hindi (487 milhões) e pelo espanhol (417 milhões), e depois pelo russo (277 milhões), bengali (211 milhões) e português (191 milhões). O alemão, o francês e o japonês ocupam as últimas três posições. Contudo, o alemão é muitíssimo mais importante, culturalmente falando, do que o português -- porque em alemão se produziu muita ciência e muita literatura de alcance universal.

Não defendo que se deva proibir as pessoas de falar e usar a língua portuguesa. Não defendo sequer que não se deva trabalhar a língua portuguesa, tornando-a tanto quanto possível uma língua culta, um instrumento cultural, e não apenas um instrumento para comprar batatas e oprimir pessoas incultas. Defendo que se deve escrever em português e traduzir e publicar, e deve-se fazer isso com sofisticação e cuidado. Eu procuro fazer isso.

Mas outra coisa completamente diferente é o discurso que visa "medidas" para obrigar as pessoas a enfiarem-se no beco da língua portuguesa, queiram-no ou não, sob uma suposta defesa não sei do quê nacional. Isto é puro disparate. A língua portuguesa terá maior ou menor futuro consoante mais pessoas cultas a cultivarem. E isso depende e deve depender da vontade das pessoas. Ora, pelo que se lê nos jornais, nos blogs, nos comentários dos blogs, a língua portuguesa não é cultivada e cuidadosamente trabalhada pela generalidade das pessoas: é avacalhada, aporcalhada e torna-se uma lixeira de ideias feitas. Por outro lado, como bem disse aqui a Andrea, o facto é que a generalidade da bibliografia que qualquer estudante de praticamente qualquer área tem de ler não foi originalmente escrita em português, e nem sequer está traduzido, e quando está traduzido muitas vezes a tradução não é utilizável por ser bárbara.

Finalmente, jamais falei de superioridades ou inferioridades. Não uso esses conceitos simiescos. A língua portuguesa não é inferior à inglesa, tal como esta não é inferior ao mandarim. As línguas podem é ter maior ou menor produção cultural e científica. E, claro, não é no mandarim nem no português que encontramos a generalidade da produção artística, científica ou filosófica. Não estou também a dizer que não há nessas e noutras línguas manifestações de grande qualidade; claro que há: basta pensar no renascimento Russo, que deu ao mundo obras literárias de grande valor, escritas numa língua que apenas um século antes apenas servia para comprar batatas. Nada há nas línguas que as impeçam de se fazer ciência ou filosofia ou artes com elas. Mas querer obrigar as pessoas a fazer ciência ou filosofia ou artes com a língua que por acaso é a nossa língua-mãe, é algo que não só é indefensável como tem um recorte marcadamente fascista.

joão viegas disse...

Caro Desidério,

Bom, passamos de um texto disparatado com uma conclusão moderada, para um texto mais ponderado com uma conclusão falaciosa. Não sei se é um progresso, mas admito que a melhor resposta para o problema reside no facto de tu traduzires textos classicos para Português e manteres este blogue em Português.

Ninguém "obriga" ninguém a escrever na sua lingua materna. Somos todos livres de emigrar, como o Damâsio e tantos outros. E mesmo sem emigrar, somos completamente livres de escrever na lingua que quisermos. Não ha pois "fascismo" nenhum.

Agora uma coisa é certa, é perfeitamente normal que as instituições universitarias portuguesas e brasileiras procurem fazer ciência em Português... ou seja que procurem fazer, e exijam que os seus investigadores façam, investigação para os Portugueses e para os Brasileiros.

A questão dos textos disponiveis esta mal colocada. Se o problema existe, é precisamente porque não ha suficiente investigação em Portugal e no Brasil, nem quem procure traduzir os textos. Isto, como é obvio, não se combate incentivando os investigadores a escreverem noutra lingua, o que so tera como consequência aumentar o divorcio entre os lusofonos e a ciência...

E o que é proprio do "fascismo" (bom, digamos antes, do nosso passado inglorio), não é procurar aumentar a produção de ciência, filosofia, etc., em Português. E precisamente o contrario : uma situação de inferioridade assumida com resignação por uma classe de "cultos" constituida por uma minoria, que sabe outras linguas, enquanto o povo permanece irremediavelmente afastado da ciência e da cultura, tidas como uma coisas abstratas e inacessiveis.

O que vale é que tu és o primeiro e mais obvio desmentido ao que dizes na ultima parte do teu texto.

Barba Rija disse...

Acho que os contrariantes estão a desconversar. Se calha é um hábito bastante comum em Português.

Aquilo que eu percebi do Desidério é que não se deve tratar o Português com um proteccionismo insustentável, e que pelo contrário, se deve dar a entender a todos os alunos o quanto o Inglês é importante no futuro.

Vejo toda a gente muito preocupada se o Português é "culto", ou "mercantil", ou seja lá o que fôr. Isso é completamente irrelevante para o mundo do séc. XXI. Vivemos numa época onde as únicas barreiras existentes no planeta são precisamente as linguagens. Hoje quem não entenda o Inglês tem já uma experiência extraordinariamente pobre do que a internet oferece. E no campo da ciência, não faz qualquer sentido publicar em português os resultados de qualquer pesquisa sem a devida tradução para o inglês. Porque se tal não acontecer, estamos a ter uma visão totalmente idiota do que é "Ciência", onde repartições linguísticas apenas servem para atrapalhar, dividir esforços e atrasar o progresso mundial.

Não defendo nem vi alguma vez o Desidério defender a morte do Português. Se sobreviver, que sobreviva, se se enriquecer, tanto melhor. Agora protegê-la a todo o custo tal como os franceses estão a tentar defender a sua língua é um disparate enorme.

joão viegas disse...

Barba Rija,

Se ler com mais atenção os comentarios acima vai perceber que proteger o Português é um disparate tão grande como foi proteger o Inglês, ou o Francês, ou o Alemão, numa época em que a lingua cientifica "universal" era o Latim...

A ideia que de uma lingua cientifica universal destinada a suplantar as outras é uma fantasia que surpreende por parte de cientistas, precisamente porque não tem absolutamente nada de cientifico e assenta mesmo num contrasenso sobre o que a ciência é e deve ser.

So isso...

Anónimo disse...

Falando a serio... adoptar o ingles como lingua de ensino nas universidades faz sentido por uma outra razao: poder atrair bons estudantes e bons investigadores de outras nacionalidades. E' uma questao meramente pragmatica e nao diz nada acerca estatuto do portugues enquanto "lingua culta".

O frances e o alemao sao linguas tao cultas quanto o ingles. Porem, por variados motivos, nao teem actualmente uma influencia tao grande quanto este.

Miguel

Miguel

Anónimo disse...

A maior vitória do Português foi nunca se ter rendido ao Castelhano.
-Agostinho da Silva

Agora parece que temos que resistir ao Inglês.
O ensino de uma segunda língua deveria ser feito quando a materna estivesse completamente adquirida (ou então em simultâneo desde o berço).
As criancinhas ainda mal sabem Português e já lhes ensinam na primária "Hello", "Who Are You?".
Para quê?, se depois isso não lhes serve de nada - porque é meramente decorado e não sabem fazer um raciocínio ou sequer ler um livrinho de contos em inglês.

Quanto à ciência, o inglês é mesmo bestial não é?
Por isso é que hoje em dia quando, por exemplo, se descobre uma nova espécie de qualquer coisa se lhe dá um nome em... Latim.

Baaahhhhh, enterrem as línguas mortas!

joão boaventura disse...

Para compreender Desidério, afigura-se-me necessário fugir da literalidade da sua prosa e ler nas entrelinhas o que subjaz na alma do autor.

Assim como os olhos são a alma das pessoas, o todo do texto de Desidério não transpira senão revolta íntima por não termos atingido ainda os altos patamares dos países que se lhe anteparam como os mais evoluídos, progressivos, cultos.

E serve-se da língua portuguesa, como alavanca do seu pensamento, como poderia ser outra coisa (na acepção Durkheim), ou outro o ponto de partida para a sua revolta, a revolta do nosso atraso em várias áreas, revolta expressa por muitas pessoas e, praticamente, banalizadas pela insistência.

Simplesmente, quando Desidério utiliza, nas respostas aos comentários ao seu post as expressões que escandalizam, como

- "os portugueses colonialistas, racistas e mal cheirosos dominavam os mares",
- "[a língua]é avacalhada, aporcalhada e torna-se uma lixeira de ideias feitas",
- "um recorte marcadamente fascista")

são gritos de alma, não contra os colonialistas, nem contra a língua mal tratada, ou contra os fascistas, porque estas expressões, são apenas instrumentos de que dispõe para exteriorizar quanto a nossa menoridade, já tão dissecada por outros, o revolta.

De certa forma poderá estar a criticar de forma virulenta a "verdade portuguesa" criada na ditadura, com a censura, e que ainda se mantém com alguma vivência na democracia, com a manipulação.

A inculcação posta ao serviço ideológico através da Comemoração dos Centenários, da fundação (1140) e da restauração (1640), em 1940, como refere Eduardo Lourenço, trouxe à tona que "a nossa futura e actual relação de portugueses com Portugal é simplesmente 'incompreensível'".

Portugal tinha-se esgotado nos descobrimentos", no "patriotismo", no "nacionalismo", na "raça portuguesa", no "isolacionismo". E Portugal parou, porque tudo já tinha sido descoberto, tudo já tinha sido feito, era hora do repouso e descanso. E éramos auto-suficientes, com as hortas espalhadas pelo mundo.

A revolta de Desidério está aí estampada. Diz agora o que não lhe foi possível dizer aos 9 anos de idade quando rebentou o 25 de Abril. E di-lo agora porque o panorama não mudou muito depois das Comemorações da Fundação do Império e da Restauração da Nacionalidade.

Ainda estamos em 1940. E Desidério está revoltado porque em 869 anos o país avançou até à adolescência.

Desidério não pode ser lido literalmente. Há nele muitas alegorias.

Anónimo disse...

Enfim, tudo se resume a uma confusão entre o "veículo" e a sua "carga".

Vejamos o uso do Inglês como "língua universal" para divulgação científica não tem tem nada a ver com o seu valor intrinseco, mas sim com a "faciliade & moda" no uso duma determinada língua entre "falantes" de línguas diferentes.

Neste contexto o Inglês é um simples veículo, do mesmo modo que é papel, papiro, pedra, o sistema telefónico mundial, etc.

Podia tembém ser o Esperanto, que não tem, que eu saiba grandes doses de cultura emanada directamente dele, ou outra língua qualquer.

É claro que como veículo deve ser bem usado e dominado, para o seu uaso ser eficaz, e se evitarem equívocos, mal-entendidos, e situações afins.

E trabalho científico que se prese claro que deve ter a sua tradução em Inglês.

Contudo, do mesmo modo que uma grande ideia pode ser escrita em papel de má qualidade (e quantas não foram esboçadas em guardanapos, papel de embrulho, etc), nada impede o uso de qualquer língua para se gerar cultura, independentemente de se dominar, ou não, o Inglês.

Sendo assim, o uso obrigatório do Inglês num sitio como Portugal, parece-me muito útil para desenvolvimento do turismo, para engatar umas míudas de várias nacionalidades, mas que também usem o Inglês como língua veiculo (mas nem para o "portuga normal" isso é essencial, e se calhar só atrabalha), e actividades comerciais afins, mas não acrescenta nada de cultura a este lugar geografico, quer em inglês, português, mirandês, caló, etc.

É tempo de não se confundir "língua enquanto expressão cultural" que deve ser desenvolvida, acarinhada e divulgada, com "língua de contacto comum"

Anónimo disse...

A propósito dos comentários que suscitou o artigo “Podem destruir-se as culturas?” talvez seja bom contextualizar um pouco. O texto que a Helena Damião pôs no blog é o 5.º de uma séria a propósito das avaliações que a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) mandou fazer aos centros de investigação, e na qual decidiu não contar com a produção científica, seja ela qual for, desde que não esteja publicada num certo número de revistas americanas. Era bom que se soubessem estas condições aqui há uns anos atrás, mas não. O artigo, portanto, na medida em que vem na sequência de outros, pressupõe certas ideias que estão neles e não neste, e por isso pode parecer mais duro do que ele pretende. Se fosse só para “defender” a língua portuguesa, nos moldes em que isso se faz habitualmente, não o escreveria, porque a língua portuguesa defende-se bem a si própria, evoluindo, enquanto língua viva e dinâmica que é, e falada por povos vivos e de fáceis assimilações.
Por isso, a ligação que alguns fizeram ao nacionalismo, surpreendeu-me bastante. Mas depois, pensando melhor, talvez não, em virtude de uma mentalidade de esquerda militante que vê em tudo a sombra de Salazar. Penso que é o tipo de argumento com o qual não vale a pena perder tempo. A mentalidade referida gosta muito de policiar (e descobrir) sentimentos nacionalistas, mesmo em pessoas que já eram de esquerda ainda alguns não seriam nascidos, e que liga, algo abusivamente, nação a nacionalismo. Claro que não vejo que seja um mal o nacional, enquanto emergência da nação, e esta enquanto cultura viva e específica de um grupo (ou vários grupos sociais) e que naturalmente se “defende” enquanto vive e evolui, e nessa medida. Só mesmo a sombra salazarista e o aproveitamento político excessivo e doentio que então se verificou, o poderá justificar. Neste sentido, penso que o Ministério da Ciência e da Tecnologia, através da FCT, ao não considerar praticamente nada a não ser os referidos artigos, (mesmo que sejam em alemão ou francês e sobre assuntos filosóficos, por exemplo), está cair num certo provincianismo. De sentido inverso, mas ainda mais forte porque se julga, com essa atitude, a lutar contra ele.

Não tenho nada contra o inglês, e quantos mais portugueses o dominarem, melhor. Sei que é a língua científica actual e que nela se encontra infinitamente mais bibliografia que em qualquer outra. Mas também sei que se publica muita porcaria em inglês, que melhor seria não lermos, e ocuparmos o tempo com bons artigos bons livros noutras línguas. E que em virtude desta forma de colonização se criam condicionamentos de muita natureza, e que podem transformar certos círculos, certas publicações, certos grupos, certas áreas científicas e uma língua (o inglês) em enormes forças de pressão e de condicionamento. E que, pela situação de privilégio que criam para si, e de sobranceria em relação aos outros, poderá acabar por não ser científica nem culturalmente recomendável. Não vejo razão para reforçarmos e acentuarmos isso cada vez mais e com todo o entusiasmo. Ou melhor, a razão para o fazer é simétrica à razão para o não fazer, porque ambas são dinâmicas e a história permite compreender que há, nestas coisas, possibilidade de sentidos inversos. Parece-me pois provável que, mais tarde ou mais cedo, algo vá apodrecer neste movimento de um só sentido. E a liberdade, aqui, é um conceito deslocado, uma vez que se estão criando condições para a limitar e não para a desenvolver e defender.

Está a acontecer com o inglês o que acontecia ao francês há sessenta ou setenta anos. Portanto, o inglês, como língua científica dominante não me parece necessariamente definitivo nem imutável. É claro que a América hoje tem outra força, mas as coisas evoluem: as economias, os centros de decisão, os centros de investigação; estamos a observá-lo nos nossos dias. E assim como assistimos à deslocação do centro científico e linguístico da Europa para os Estados Unidos e do francês para o inglês, quem nos diz que o movimento, que já se desenha para o Oriente, não se vai acentuar? Dentro de três ou quatro décadas poderá ser o chinês a língua dominante na economia e na ciência. Imaginemos que, nessa altura, milhões de cientistas chineses, em todos os domínios, para nos ouvirem, repararem um pouco no que andamos a investigar e para podermos entrar nos domínios científicos, exigirão, como língua única, o chinês. E que já ninguém quer saber do inglês para nada, como agora já ninguém quer saber do francês. Quem sabe, pode acontecer, as coisas mudam tanto... Podem dizer-me que isso não interessa e que, se assim acontecer, paciência. Não tem problema, iremos todos a correr a aprender o chinês para nos entendermos cientificamente e todo o mundo acabará por se expressar exclusivamente nessa língua; mesmo que continue a haver uma enorme produção, e de qualidade, em inglês. Como ainda acontece com alguma investigação científica noutras línguas, hoje. Mas, por razões, talvez políticas, os chineses passarão a considerar que é preciso vir em chinês para ouvirem e perceberem, com o resto do Mundo, reverenciador e obrigado, à espera. Pode ser que nessa altura seja visto como natural, mas, para já, parece-nos um pouco estranho. Penso que todos os que se expressam em inglês pensarão nesta hipótese como um pouco incómoda, pelo menos.
E então, revertendo as situações, o problema é saber se devemos deixar que as coisas caminhem nesse sentido, ou se devemos trabalhar para que isso não venha a acontecer, e para que o chinês não nos venha a pôr a todos, dentro de alguns anos, com os olhos em bico. Em termos um pouco mais gerais penso que a cultura ocidental, com tudo o que vale, e tudo o que pode, deveria fazer alguma coisa para evitar que uma hipotética situação destas se venha um dia a verificar. É isso que se pretende, não fragilizemos ainda mais a cultura não anglo-americana, porque isso enfraquece-nos a todos.

A evolução dos factores sociais e culturais depende das pessoas que nela interferem e das dinâmicas que são capazes de gerar. A história e as culturas não são feitas de fatalidades, mas sobretudo de qualidades e de vontades, de objectivos e de trabalhos orientados nesse sentido. Orientações determinadas pela própria dinâmica dos processos culturais e sociais. Isto é político? Também é, mas não exclusivamente. E não compreendo como sendo isto aceite para a cultura anglo-americana de hoje não se aceite para a cultura portuguesa de há alguns séculos, como o faz Desidério, ao achar que a nossa língua é um ramo clandestino desenvolvido à custa de um esforço político maroto. Se a língua portuguesa é, e foi, um instrumento político, as outras também o são. E muito mais que todas, hoje, a língua inglesa. A luta dos outros é, portanto legítima.
Penso pois que as culturas têm o direito de se defender, não enquistando-se e fechando-se, mas, pelo contrário, abrindo-se, desenvolvendo-se e qualificando-se. A aceitação do inglês como língua dominante nos dias que correm não nos obriga a transformar o português numa língua de párias, porque ela não é uma língua de párias. Está aí a literatura para o mostrar. E se em termos científicos ainda não somos uma língua com credibilidade, como de resto a maior parte das línguas o não é, pelas razões óbvias de que não se fazia ciência até há relativamente pouco tempo, não é obrigatório que nunca o venhamos a ser. Porque as coisas, uma vez que tudo evolui, podem ir no sentido de qualificar o português, como língua científica e de pensamento, ou ir no sentido oposto. Aliás, segundo parece, é o desejo do Ministério, como o tentou demonstrar pelos números. De doutoramentos, de cientistas, de artigos, que andou a mostrar há pouco, e que revelam a nossa boa evolução. Assim que se começou a investir um pouco mais em investigação científica, em Portugal, as produções começaram logo a subir e a melhorar. Não se compreende é como não vê que, desqualificando cientificamente o português, ou tirando-lhe ocasião para se desenvolver e qualificar enquanto língua científica, o Ministério está a tirar com uma mão o que pretende dar com a outra.

Por outro lado, uma língua não é um mero veículo de informação, uma espécie de papagaio incorporado no cérebro de cada um. Cada língua é um modo de expressão único, tem especificidades que podem e devem ser desenvolvidas e exploradas; precisa é de problemas linguísticos que exigem soluções, necessita de ser forçada a desenvolver-se, como qualquer outro organismo vivo. Toda a tradução é, de algum modo, uma adulteração, ou, pelo menos, um empobrecimento. E portanto as línguas têm direito a exigir o desenvolvimento de todas as suas possibilidades. É isso que estamos a negar ao português se lhe limitamos o acesso aos problemas mais complexos, sejam científicos, sejam filosóficos. Não é por acaso que se fala do alemão como língua com grande potencialidade filosófica, e não sei por que razão o francês deverá deixar de ser aceite, mesmo em domínios onde a sua mestria lexical e sintáctica é notória e sempre foi.

A língua materna não se deita fora como as cobras e os lagartos fazem à pele, não se pode. Por outro lado, comparar o português a uma qualquer língua residual e local, parece-me uma enorme falha de visão. Sendo uma língua em expansão, quantitativa e qualitativamente, é inaceitável que sejamos nós próprios a cortar-lhe as pernas, a impedir que ela se desenvolva em termos científicos e de pensamento cultural. Porque, em boa medida, equivale a matar o pai e a mãe, e ainda por cima alegremente. Estão a fragilizar o cimento das nossas estruturas e o óleo das nossas funções culturais mais exigentes e nas suas formas mais nobres; estamos a limitá-la, a prazo, a um linguajar de carapau e sardinha. Se a especificidade e as possibilidades da língua portuguesa não se sentem ainda na ciência, ou na filosofia tanto como devia, nada impede que isso venha a acontecer. Tem possibilidades, mas é óbvio que o não conseguirá se as bloquearmos, desvalorizando e inibindo todas as suas formas de expressão nesses domínios.

Não é por ser nossa que a língua portuguesa deve ser defendida mas por ser aquela em que nós somos. Não se trata de preservar, ou conservar ou defender, mas de qualificar, ginasticar, enriquecer, fazê-la chegar ao máximo das suas capacidades. Que não se sabe onde estão, mas que sabemos que definharão se lhe retirarmos as condições de desenvolvimento. Diz ainda Desidério que se não tivéssemos português nem por isso deixaríamos de ter Eça ou Saramago. Duvido bastante. Se o português tivesse morrido no século XVIII, como ele diz sem qualquer comoção, não teríamos o mesmo Eça, nem o mesmo Saramago, nem seguramente o mesmo Mia Couto ou o mesmo Eugénio de Andrade. Leia-se Aquilino Ribeiro, ou Luandino Vieira ou Lobo Antunes e é evidente que estamos perante especificidades expressivas de natureza linguística, que são produtos de uma certa língua e que nas outras não funcionam da mesma maneira. Não quero dizer que não funcionem, mas não da mesma maneira. E em arte isto é determinante. Há neles especificidades que passam ao lado do inglês e lhes dizem adeus. Não quer dizer que, noutros casos, a inversa não seja também verdadeira, mas isso se reforça esta ideia. E é o pensamento perfeitamente desligável da língua em que é pensado? Não, não é. Sendo assim, não temos o direito de deitar para o lixo uma língua que já produziu o que produziu. E que, portanto, pode produzir muito mais e muito melhor. Não lhe cortem as pernas, por favor, não a matem, a prazo, muito menos o Ministério, mesmo que seja só da Ciência e que não queira nada, segundo parece, com o da Cultura.
João Boavida

Barba Rija disse...

Sinceramente, sr. João Boavida, já a recorrer a ad hominems? A discussão já lhe está a correr assim tão mal? No post das 17:56 não diz nada que não seja uma tentativa de psico-analizar o seu interlocutor, o que diga-se de passagem, era algo que eu fazia aos meus colegas do 7º ano, não me parece coisa que seja sequer aceitável entre pessoas adultas de bem argumentar desta maneira.

No seu comentário seguinte, apenas demonstra a incoerência do seu discurso. Se por um lado tenta desfazer da questão "nacionalista" como se alguém fosse um paranóico a ver Salazares por todo o lado, mas por outro tenta passar a ideia de que estamos a ser "colonizados":

E que em virtude desta forma de colonização se criam condicionamentos de muita natureza, e que podem transformar certos círculos, certas publicações, certos grupos, certas áreas científicas e uma língua (o inglês) em enormes forças de pressão e de condicionamento.

Ora isto é discurso nacionalista, peço desculpa.
Não me parece que fundamente bem as suas razões, apenas invoca medos esses sim irracionais sobre a "perda" de liberdade, ou então nessa pérola da irrelevância total como é a questão de o português perder a sua ligação à Ciência. Sinceramente, não vejo como é que isso é importante, a ciência trata de factos, análises objectivas, estatísticas, fórmulas, e apoia-se sobretudo na atenção dos seus pares, que se querem os mais numerosos possível. Não percebo como é que a língua pode sequer contribuir para a ciência neste aspecto senão em "ciências" menos científicas por assim dizer. Dito de outra maneira, não pergunte a língua o que pode a ciência fazer por ela, mas sim o que ela pode fazer pela ciência. E nada vejo senão barreiras.

Sendo uma língua em expansão, quantitativa e qualitativamente, é inaceitável que sejamos nós próprios a cortar-lhe as pernas, a impedir que ela se desenvolva em termos científicos e de pensamento cultural.

Não me parece que o "caminho da liberdade" que apregoe passe por condicionar cientistas e ou agentes culturais sobre o modo como se expressam. Ainda no outro dia ouvi a barbaridade que o Chirac introduzira no seu país, onde uma conferência falada em outra língua que não o francês pagava coima. É deste tipo de irracionalidades que falamos. Neste aspecto, não se trata de "cortar as pernas à língua", mas o inverso, de cortar as pernas a quem quer simplesmente divulgar, discutir, publicar e obter os melhores feedbacks para o efeito. E tudo para que algumas almas estejam felizes por tentarem evitar o inevitável.

Duvido bastante. Se o português tivesse morrido no século XVIII, como ele diz sem qualquer comoção, não teríamos o mesmo Eça, nem o mesmo Saramago, nem seguramente o mesmo Mia Couto ou o mesmo Eugénio de Andrade.

Mas você vive no séc. XIX ou no séc. XXI?? E é claro que não teríamos o mesmo Eça, ora esse raciocínio é óbvio. Se o Afonso Henriques não tivesse nascido... Aquilo que se estava a argumentar é que não é a língua que impede a criação, mas o conteúdo, o ter ou não ter algo para dizer.

Com isto, você continua a tratar os interlocutores como se tivessem a faca preparada para matar a língua portuguesa. É falso. Tenho muito gosto pela língua que me ensinaram. Mas sinceramente não vejo nem desejo métodos ou medidas para fomentar a língua que não sejam elas mesmas actos de liberdade, de poesia, arte, amor, etc. E acho que qualquer tentativa de legislar desmotivações para usar línguas estrangeiras é nefasta, ridícula e bairrista.

Anónimo disse...

Para além da importância do francês em textos literários, e do francês e do alemão na Filosofia, como bem refere o Prof. João Boavida, ocorre-me a influência do alemão no âmbito da Ciência Jurídica.

Anónimo disse...

Diz Boavida: "E portanto as línguas têm direito a exigir o desenvolvimento de todas as suas possibilidades.". Aí está o busílis do discurso patrioteiro-apostólico. Este hipostasiar da língua , dela fazendo sujeito de direitos ao mesmo tempo que aos verdadeiros titulares (os homens de carne e osso que a falam)se assacam apenas deveres. Não é de mais lembrá-lo: a língua não tem direitos, apenas deveres de se conformar à vontade dos homens que a repartem.

Como dizia, e com razão, o poeta Eugénio de Andrade: "não há fúfia universitária ou machão fardado que não diga que a pátria é a língua ou a puta que os pariu."

Gato Negro

Anónimo disse...

Alega Boavida: "O historiador Paulo Varela Gomes veio há dias, de Goa, numa crónica no Público, falar, com raiva, no modo como a língua, os hábitos, os tiques e as manias dos ingleses invadiram os territórios onde a nossa cultura em tempos “deu cartas”. Quer dizer: enquanto a língua, os hábitos, os tiques e as manias eram dos invasores portugas, tudo bem! Depois que o Nehru despachou os portugas em alta velocidade , aijesusmaria que é a barbárie germânica à solta e o pretenso historiador a espumar de raiva!

Gato Negro

Carlos Faria disse...

Fiz perguntas no comentário inicial para ver exactamente a ideia subjacente à mensagem (quase não contrariei o texto), invoquei o alemão exactamente por suspeitar o que Desidério pretendia dizer... as respostas iniciais não foram claras e lençaram mais confusão, o comentário extenso que fez muito abaixo já explica o que eu suspeitava. a língua portuguesa foi o instrumento que ele utilizou para gritar alto: "isto tem de mudar cultural e cientificamente nos lusofalantes e perante isto a língua é menos importante". Sendo esta a ideia, que eu cada vez estou mais convencido ser o objectivo do texto, concordo com Desidério Murcho e já agora, lá vou ler agora mais um pouco de literatura em inglês para o manter vivo em mim.

Anónimo disse...

Diz Boavida: "Não é por acaso que se fala do alemão como língua com grande potencialidade filosófica, e não sei por que razão o francês deverá deixar de ser aceite, mesmo em domínios onde a sua mestria lexical e sintáctica é notória e sempre foi." O professor (mas este tipo é professor de quê?) é um preconceituoso atrasadote, o que é outra maneira de chamar alguém de pouco versado nas matérias de que fala. Ora vejam só: o francês o suprassumo da racionalidade! o alemão o último grito da especulação! Mas isto é para levar a sério?
O que será o português neste espectro? O salvador da cristandade ameaçada?

Gato Bravo

Anónimo disse...

Segundo o Carlos braguense: "O próprio Eça, que andou pelo mundo civilizado, regressou à portugalidade (que Teixeira de Pascoaes retrata) e escreveu um livro enaltecendo as coisas simples do campo português, inspirando-se em Santa Cruz do Douro." Portugalidade. Pascoaes. Saudade. Amália. Salazar. Puta de Fátima. Braga Futebol Clube. Palavra puxa palavra. Esse Carlos deve ter um bom tacho.

joão viegas disse...

Caros,

Continuo plenamente convencido pelo que diz J. Boavida.

Acho pena que a questão do "nacionalismo" venha poluir o debate. Esta questão não resolve nada, ja que ha um "bom" nacionalismo, que é o apego às raizes e o amor do povo no meio do qual nascemos, e um "mau" nacionalismo, que é o provincianismo que ambas as partes repudiam na discussão.

Afinal, estamos a discutir uma questão simples : deve a ciência ser posta ao serviço dos Portugueses, ou devem os Portugueses ser moldados para a ciência, (ao ponto de deixarem de ser Portugueses) ?

Eu até compreendo (apesar de achar que é um sofisma perigoso) porque é que muitos cientistas, especialmente nas ciências duras, se inclinam para o segundo termo da alternativa. Isto é natural da parte de quem esta habituado a procurar uma representação objectiva da realidade, pretensamente universal e acessivel a todos. Temos aqui a ideia da mathesis universalis. Sabemos que esta ideia é largamente irrealista, mas pelo menos ha aqui uma certa coerência.

Ja me supreende mais esta atitude por parte de um filosofo, que devia estar mais familiarizado com a questão dos limites da ciência, e com a questão da sua função. E que devia saber que a ideia segundo a qual o homem deve adaptar-se à ciência é perigosa...

Mas vou deixar cada um responder por si (eu sou assim mesmo, tolerante...).

So mais uma coisa sobre as traduções. Diz Desidério que não as ha em Português e que esta carência faz com que a lingua seja menos adaptada, tenha menos vocabulario, etc. Isto não é assim. A nossa lingua tem uma longa historia e tem, por exemplo, todas as potencialidades para os filosofos. Nos é que não a conhecemos. O Leal Conselheiro, por exemplo, é numa larga medida uma colectânea de traduções de textos antigos, de Aristoteles, dos Estoicos, de Cicero, etc. Os textos estão la, em Português. So que nos não vamos la busca-los e preferimos ler os classicos em mas traduções secundarias (muitas vezes traduções de traduções).

Muitas das criticas de Desidério não deviam ser dirigidas à lingua, mas antes aos Portugueses que a desprezam. E é isto mesmo que a ciência (e a universidade) devia fazer : reconciliar os Portugueses com a (sua) lingua e com a (sua)realidade.

Boa continuação a todos...

João Vasco disse...
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João Vasco disse...
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João Vasco disse...

Não creio que faça sentido que os poderes instituídos "protejam" uma língua, ou mesmo uma cultura. Quando o fazem não servem as populações, que, apesar de influenciadas por estas, devem ser livres de escolher aquilo que querem reter e usar, ou aquilo que querem alterar. É isto que mantém as línguas e culturas vivas, orgânicas, em movimento. As que morrerem morrem, as que ficarem irreconhecíveis ficam - as línguas e as culturas não podem ser consideradas fins em si, isso é ridículo.

É óbvio que em ciência, dependendo dos temas, pode fazer muito sentido querer produzir cientificamente em inglês. Em áreas em que existem poucos especialistas espalhados pelo mundo, é importante que todos adoptem uma língua de referência para poder comunicar. Até poderia ser o latim, mas actualmente é o inglês que melhor serve esse papel.
Ridículo seria abdicar da possibilidade de comunicar com maior eficácia com especialistas de outros países com medo que o português desaparecesse. Se o português porventura estivesse em risco de desaparecer por isso - que não está! - então não serviria as populações que o falam mantê-lo vivo "artificialmente".

Felizmente - e eu gosto muito de falar e escrever em português (muito mais do que em inglês), por isso é mesmo felizmente - isso não é necessário. Os académicos que virem vantagem nisso podem produzir em inglês e a língua não corre qualquer risco sério por essa razão.
Quando muito pode alterar-se por essa via, adoptando novas palavras de origem inglesa, por exemplo. Mas isso (adoptar palavras de origem externa) já vem acontecendo desde que existe o português.

Assim, parece-me que o purismo nacionalista a este respeito não faz sentido.

joão viegas disse...

Caro João Vasco e outros,

Tenho nitidamente a sensação que estamos a passar ao lado essencial no texto de J. Boavida.

Acho que ninguém tem "medo" que a lingua portuguesa desapareça. Ou melhor, acho que quando os estabelecimentos universitarios procuram incentivar, favorecer e mesmo obrigar os seus alunos a escreverem em Português, não o fazem por causa de um medo irracional de ver a nossa lingua desaparecer do mapa.

Fazem-no muito simplesmente porque a sua missão é fazer formação cientifica em Portugal (ou no Brasil), destinada a Portugueses (ou a Brasileiros)... Ora isto implica formar investigadores, professores, quadros, etc., que vão viver e trabalhar em Portugal (ou no Brasil) e que vão aplicar o que lhes é ensinado em Portugal (ou no Brasil).

Você diz : mas se existem areas nas quais é imprescindivel trabalhar em Inglês porque é a lingua utilizada pela "comunidade cientifica", não sera um tiro no pé impedir os alunos de escreverem nesta lingua ?

Esta objecção é falaciosa.

Primeiro, porque ninguém esta defende que deveriamos impedir os alunos e os investigadores de aprender Inglês, nem tão pouco de escrever em Inglês. Apenas se esta a dizer que esta preocupação, legitima, não deixa de ser secundaria. A preocupação principal deve ser a de assegurar que eles saibam redigir correctamente em Português. E "principal" não quer dizer "exclusiva". Como sabe, é perfeitamente possivel saber redigir em varios idiomas.

Em segundo lugar, ha um sofisma subtil na sua posição. O Inglês não é uma lingua mais, nem menos, "cientifica" do que outras, e as razões da sua hegemonia são meramente circunstanciais. Podem vir a mudar. Portanto não estamos numa situação idêntica à dos matematicos que devem saber algebra porque esta "lingua" é uma parte inerente ao seu objecto de estudo. O Inglês não tem esse papel, é apenas um veiculo de transmissão de conhecimentos como o pode ser qualquer outra lingua natural. E comodo (porque muitos o falam), mas não é mais do que isso. Ora o que importa principalmente ao ensino da ciência, é a propria ciência. E nada obsta a que haja ciência feita em Português. E mesmo verosimil que havera mais e melhor ciência feita em Portugal se houver mais trabalhos cientificos redigidos em Português.

Portanto ninguém discute a importância do Inglês como "auxiliar" no dominio da investigação cientifica. De resto, esta longe de ser a unica lingua considerada como um "auxiliar" indispensavel numa determinada matéria. Quem quer estudar direito romano, tera de saber latim, quem quer estudar geografia japonesa devera provavelmente aprender japonês, etc.

Mas não devemos perder de vista que se trata de um mero "instrumento auxiliar" e que a sua aprendizagem não deve ser feita em detrimento do essencial, que é o manuseamento dos conceitos fundamentais e da sua aplicação teorica e pratica. Ora isto, em Portugal, tera sempre que ser feito em Português. Pelo menos enquanto o Português permanecer a lingua nacional.

Porquê ? Muito simplesmente porque a ciência, e a formação cientifica, mormente a que é dispensada por estabelecimentos universitarios publicos, é feita para a sociedade, ou seja para os Portugueses (os Brasileiros).

Ha de facto uma certa arbitrariedade nisto, porque afinal nem todos os Portugueses escolheram ser Portugueses. Muitos (não é o meu caso), se calhar, teriam preferido nascer Americanos, ou Japoneses. Não sei se podemos falar de "fascismo" a esse respeito, mas ha certamente aqui uma limitação injustificavel da liberdade individual.

Mas parece que é esta a realidade com que temos que trabalhar...

cafe46 disse...

A) João Boavida (às 19:41h)
B) Desidério Murcho
C) Anónimo (da 1:16h), sobre o meu comentário do dia 11 (às 0:52h)

A) Bingo!

B)O que o Desidério disse no "post" não é o mesmo que diz no comentário.
Eu sei que nos quer por o sangue a correr nas veias, gosta de acção, mas esta sua tese de procurar desenhar (de cima para baixo) o natural expressar de vida quotidiana e espontânea de um povo, lembra-me algo...

Ó Desidério, por favor, gostamos demasiado do que escreve para se estar a meter agora por estes insensatos caminhos.

C) "Portugalidade. Pascoaes. Saudade. Amália. Salazar. Puta de Fátima. Braga Futebol Clube. Palavra puxa palavra. Esse Carlos deve ter um bom tacho."

A resposta que tenho para si é a mesma que deu o anónimo das 2:29 h (do dia 11):
"No actual estado das coisas, qualquer aneurisma tem voz." Isto é belo, convenhamos!

Mas fique sabendo, Vossa Senhoria, que ainda sou muito novo para ter tachos. Fados, só de Coimbra. Senhoras a levitar em cima de azinheiras não é comigo (mas não precisa de a insultar). Estou a 1 parsec de distância de Salazar; reverencio Afonso Costa. Quanto a futebol, olhe, caro concidadão, prefiro ver, durante duas horas,uma manada de vacas a pastar do que um jogo de futebol. Há algo de bucólico, de romântico no olhar meigo das vacas. Quanto a Braga (que teimam em apelidar dos arcebispos, fariam bem melhor os jornalistas em chamá-la de Braga das Universidades, ou do comércio, ou a silicone valley nacional,ou até a cidade onde há mais rameiras brasileiras), dizia, quanto a Bracara Augusta (mais do que bimilenar) vivo nela, não nasci nela, mas daqui reconheço bem, por um canudo, um aneurisma...
Carlos Félix Fernandes

Desidério Murcho disse...

João, não é fascismo, mas é sempre a ideia de alguém mandar nos outros contra a vontade deles; olha o que escreveste: “Agora uma coisa é certa, é perfeitamente normal que as instituições universitarias [sic] portuguesas e brasileiras procurem fazer ciência em Português... ou seja que procurem fazer, e *exijam* [sublinhado meu] que os seus investigadores façam, investigação para os Portugueses e para os Brasileiros.” Ou seja, eu que sou académico tenho de me lixar e fazer em português porque a instituição me manda fazer. Mas já te ocorreu que eu faço parte da instituição e que portanto, se não formos fascistas, eu tenho uma voz nessa instituição? E eu, como muitos outros professores universitários, defendo que os nossos mestrados e sobretudo doutorados podem ser escritos em inglês — mas também podem sê-lo em português, o aluno que escolha. E agora, que fazer connosco? Manda-se a PIDE para nos prender? Pois; não é fascismo, mas não anda longe.

A maior parte dos académicos que conhecem as realidades internacionais não defendem qualquer atavismo da língua: são pragmáticos, e reconhecem que descobrir a demonstração do último teorema de Fermat em português é o mesmo que ficar quieto na praia a apanhar Sol, porque os matemáticos do resto do mundo não sabem português e portanto não poderão verificar se esse trabalho está bem feito, se tem erros, ou se é até uma fraude completa de numerologia barata. Na verdade, a defesa da produção científica em português está sempre associada à defesa de inexistência de padrões apertados de controlo de qualidade da produção intelectual. Na verdade, ironia das ironias, é precisamente porque a comunidade académica lusófona é incapaz de discutir ideias e de fazer controlo de qualidade sem se zangarem e desatarem a chamar nomes feios que não pode haver produção académica relevante em português. Realmente, se os lusófonos académicos estivessem dispostos a discutir ideias abertamente entre eles, em vez de andarem apenas a insultar-se ou a trocar galhardetes, poderia haver produção académica em língua portuguesa, que com o tempo poderia até tornar-se algo relevante internacionalmente.

Carlos: não sou eu que quero impor seja o que for seja a quem for. Pelo contrário: eu dou aos leitores portugueses que não lêem inglês a oportunidade que de outro modo não teriam de ler alguma bibliografia filosófica fundamental em português, por exemplo. O que não tolero é que se queira obrigar os outros a escrever em português, se eles quiserem escrever em inglês ou hebraico ou sueco. Cada qual sabe de si. Defender a língua com discursos nacionalistas é insustentável e oculta uma mentalidade isolacionista. Defender a superioridade da língua portuguesa é tão insustentável quanto defender a superioridade da língua inglesa. O que é preciso defender, se formos sérios, é a existência de condições que permitam aos nossos estudantes fazer a melhor música, a filosofia, física ou poesia que os seus talentos lhes permitirem — na língua que lhes apetecer e que pragmaticamente lhes garante uma maior audiência, se quiserem uma maior audiência. O resto é insustentável.

joão viegas disse...

Caro Desidério,

Houve um tempo em que as universidades eram completamente independentes do Estado, e um tempo ainda mais remoto em que os professores (mestres) exerciam a sua arte de maneira liberal. Algo desta liberdade subsiste e é possivel, hoje ainda, criar estabelecimentos de ensino ou de investigação de maneira livre, que funcionem de acordo com os seus proprios critérios. Penso alias que não existe nenhum impedimento legal à criação de instituições privadas que façam investigação ou ensino em linguas diferentes do Português.

No entanto, hoje em dia, maior parte dos investigadores trabalham integrados num serviço publico administrativo, financiado pelo Estado e cujos objectivos são definidos por leis e regulamentos. Isto acarreta algumas obrigações, (e também traz algumas vantagens)...

No caso especifico, julgo que a obrigação de escrever teses de mestrado e de doutoramento em Português decorre dessas leis e regulamentos (este ponto merece no entanto ser verificado).

Pessoalmente, compreendo perfeitamente estas regras e considero-as plenamente justificadas. Acho que faz sentido que um candidato a um diploma de Estado Português, que adquiriu a sua formação num estabelecimento publico português, que vai com o dito diploma estar habilitado a ensinar noutros estabelecimetos publicos em Portugal, ou a fazer investigação em Portugal, ou mesmo simplesmente aplicar os conhecimentos que adquiriu numa sociedade que, em termos estatisticos, é a sociedade portuguesa, tenha que prestar uma prova em Português.

Podemos no entanto imaginar que deixe de ser o caso e que a norma seja modificada. Como vivemos em democracia, é so uma questão de convencer os Portugueses a fazê-lo.

Eu, por enquanto, pelas razões expostas acima (que não me parecem primariamente inspiradas pelo meu nacionalismo, mas antes pela concepção que tenho da ciência e da investigação) estou muito longe de achar que tal mudança é desejavel.

As minhas desculpas anticipadas pelas gralhas.

Barba Rija disse...

Acho que faz sentido que um candidato a um diploma de Estado Português, que adquiriu a sua formação num estabelecimento publico português, que vai com o dito diploma estar habilitado a ensinar noutros estabelecimetos publicos em Portugal, ou a fazer investigação em Portugal, ou mesmo simplesmente aplicar os conhecimentos que adquiriu numa sociedade que, em termos estatisticos, é a sociedade portuguesa, tenha que prestar uma prova em Português.

Ah bom, se toda a conversa é sobre um teste de Português, então nem sei do que estamos a discutir. Já existem provas de português no 12º ano antes de se entrar no ensino superior, penso que é suficiente para as exigências proclamadas.

joão viegas disse...

Barba Rija,

Uma tese de mestrado e uma tese de doutoramento são provas. Dizia o meu avô que uma tese de doutoramento é uma prova que procura aferir se o candidato é douto.

joão boaventura disse...

"Vivemos todos sob o mesmo céu, mas nem todos temos o mesmo horizonte."
Konrad Adenauer

Nuno Dempster disse...

A mim espanta-me é como há tanta gente a responder a este dislate. De qualquer modo, cada um vive, pensa e escreve na língua que quiser. O pior é se preenche o impresso do IRS em chinês. Não se safa da multa das Finanças.

Anónimo disse...

Não entendo por que não é possível deixar à discrição de cada mestrando ou doutorando a escolha da língua em que verterá a sua tese, pressupondo que a banca examinadora domine suficientemente o idioma em questão. Parece-me, por ex. natural que a tese de doutoramente num tema de literatura germânica possa ser escrito em alemão ou mutatis mutandis em qualquer outra língua. Neste nível, o papel das universidades é apenas aferir os conhecimentos da matéria e atribuir o grau universitário correspondente, não é uma prova de língua pátria.

No que respeita às aulas, temos o caso do professor estrangeiro convidado que provavelmente desconhece o português ou não o domina suficientemente. Vai ele ser obrigado a ter um intérprete nas aulas?

O inglês é atualmente e continuará a ser pelo menos a médio prazo o latim da modernidade. Assim, não escandaliza a possibilidade do seu uso nas aulas e na bibliografia dos cursos.

Restará sempre espaço suficiente para a língua nacional nos demais contextos universitários.

Os nacionalismos inflamados nesta área como em outras são apenas um atraso de vida.

joão viegas disse...

Caros,

Eis uma forma ainda mais simples de exprimir o nosso desacordo (que pouco tem a ver com uma forma exacerbada de nacionalismo) :

Os partidarios de Desidério defendem que o Inglês deve ser usado nas universidades porque é esta a lingua falada (maioritariamente) pela "comunidade cientifica".

A isto, eu contraponho que a ideia de "comunidade cientifica" é pura fantasia. As universidades portuguesas, brasileiras, chinesas, norte-americanas, etc. não trabalham para "a comunidade cientifica". Trabalham para as comunidades portuguesa, brasileira, chinesa, norte americana, etc.

Ora as comunidades portuguesa e brasileira falam maioritariamente... Português.

Uma pergunta : nas universidades inglesas ou amercicanas, é possivel defender uma tese de doutoramento em Português ? Mesmo se fôr sobre um tema de historia de Portugal, para o estudo do qual as fontes são maioritariamente portuguesas, e se estiver provado que apresenta um interesse privilegiado para os lusofonos ?

Vitor Guerreiro disse...

cara gente,

A obrigatoriedade de escrever em português só porque se trabalha para o estado português só parece sustentável para quem pressupõe o conflito universal das línguas pelo domínio, o que só pode relevar de pressuposto de que os estados têm de concorrer entre si pelo domínio político do mundo. Isto é a lavagem ao cérebro do "projectar portugal no mundo", que faz lembrar aqueles cartazes apologéticos com a sombra das colónias ultramarinas sombreadas sobre a europa, com a legenda: "portugal não é um país pequeno".

como uma boa parte da riqueza que produzimos vai para o sacana do estado, seja quando as pessoas trabalham para outrem ou quando dão ou criam empregos a outrem, se as pessoas querem escrever teses em inglês e isso vai contra os sonhos infantis de conquista do mundo por alguns políticos idiotas e algum jet-set cultural com tachos no sector público... paciência! O estado não é melhor nem tem mais direitos do que qualquer outra empresa privada à qual eu compre formação universitária. Porque o estado é apenas isso: uma empresa à qual nós reconhecemos tacitamente direitos que não reconhecemos a outros privados: cobrar impostos, prender pessoas, etc.

A ideia de que o estado tem alguma prerrogativa especial sobre mim é fascista em qualquer versão, mesmo que seja de esquerda ou canhota ou seja o que for. A ideia de que o estado nos "dá" seja o que for é como a ideia de que o supermercado nos "dá" a publicidade com que nos entope a caixa do correio: faz transferência de custos, pagando nós a publicidade no preço dos produtos. O mesmo faz o estado. E a suma perversidade desta autêntica merda é que a chamada "dignidade" do estado vem do facto de supostamente representar as pessoas. Mas parece que a dignidade da representação é então mais elevada ou importante do que a dignidade do representado. O que é bizarro, pois supoe-se que é de representar os representados que vem a dita dignidade... mãe de todos os tachos e poucas vergonhas que por esta terra medram.

Vitor Guerreiro disse...

melhor imagem:

é como a ideia de que podemos expulsar de um café quem não fale português... afinal de contas, ao consumir ali ele estabeleceu um contrato com a entidade (o café) que lhe proporciona o serviço. Não sou mais obrigado a falar sem sotaque para um taberneiro do que sou obrigado a escrever teses em português numa universidade do estado.

Raios, quando é que esta gente se despsicofode do estado-pai? Já chega, porra. Chega de obscurantismo macaco. Só há aqui um "estado" porque meia dúzia de boçais, há 800 anos, se lembraram qeu queriam ser governantes à força, em vez do rei de Leão. Como nos desenhos animaidos, para quem se lembra: Iz Nou Gud, o vizir que quer ser sultão no lugar do sultão! Porra! Nunca mais se libertam da mística do Iz Nou Gud.

Acordem porra. Snap out of it. Já mete nojo: nem no tempo da legião portuguesa se via tanta bandeirola nas varandas, automóveis e na rua. Chiça!

Anónimo disse...

concordo com o desidério. há muito nacionalismo escondido, mascarado de "boas causas".

é um pouco como o "compre português, compre o que é nosso": toda a gente achava fantástico.

mas agora que os americanos, os ingleses e os franceses decidiram fazer a mesma coisa, ai jesus, que isto é proteccionismo e não contribui nada para o bem estar do mundo! pois...

joão viegas disse...

Caro Vitor Guerreiro,

A sua critica é absurda. Não é tanto o Estado que é a preocupação, mas muito mais simplesmente... os Portugueses. Os homens e as mulheres que constituem a base popular do Estado e da sociedade portuguesa, e que falam a lingua Portuguesa. Ou a ciência não é feita para eles ?

Usando uma expressão de que Desidério gosta muito, acho que ha muito mais argumentos para afirmar que "a comunidade cientifica" é uma psicofoda, do que para afirmar que a comunidade portuguesa (chinesa, inglesa, etc.) é uma psicofoda.

E so isto.

Se ajudar a clarificar as coisas, eu estou disposto a argumentar da mesma forma tomando como exemplo outros paises, defendendo por exemplo que o Inglês deve ser a lingua de trabalho das universidades publicas nos paises anglofonos (como alias penso que é o caso)...

E ja agora : sous um profissional liberal e não trabalho (nem resido) em Portugal...

TMC disse...

Que chusma de criaturas ressentidas e ressabiadas que para aqui vai.

Ainda não vi aos lacaios do Desidério qualquer tipo de coerência. O próprio autor já foi perdoado porque, segundo alguns, só queria provocar e agitar as águas. Se quer ser diferente pinte uma galinha de azul e deambule pela Baixa como o Almada. O Desidério apenas escreveu uns disparates e pouco ou nada disse, mesmo que queiram ataviá-lo com ataques ao nacionalismo, fascismo e sei lá eu o quê.

Não confundam o valor de um argumento apenas por ele residir num ataque ao estabelecido. Se o Desidério quer tanto o inglês como língua de trabalho que estude e se esforce um pouco mais. Ninguém o impede de leccionar numa universidade anglófila.

Apetece-me dizer que ponham fim a esta birra mas o melhor será não os levar a sério. Ganharão o dia nestes joguinhos.

Anónimo disse...

desconhecidos. Talvez não haja nenhuma *razão*, mas apenas motivos subjetivos, de ordem emocional. Complexo de inferioridade? Do ponto de vista das ideias, a situação é mais clara. Murcho só pode dizer tanta tolice em relação ao português porque tem uma concepção meramente instrumental da língua. Infelizmente, para um educador, o instrumentalismo linguístico é ainda mais pernicioso do que o preconceito cultural. Enfim, a *última flor do Lácio* não precisa da ajuda de ninguém para se tornar o que já é há muito, uma língua culta universal. Mas é verdade que, se todos os professores lusófonos se renderem à lusofobia e, em especial, à anglolatria, a língua portuguesa pode sim regredir ao estado de idioma regional, a um dialeto sem maior relevância cultural.

Anónimo disse...

[Repito a mensagem, que, por algum motivo, ficou cortada.] Topei com este texto do colega Murcho por acaso. Mas não pude furtar-me a deixar aqui uma nota, mesmo que intempestiva. Já me eram conhecidas a lusofobia e a anglofilia do Desidério. Neste post porém ele se superou. Sua anglofilia chega agora às raias da anglolatria... Pergunto-me quais seriam as verdadeiras razões que o levaram a essa posição. Mas talvez não haja nenhuma *razão*, e sim apenas motivos subjetivos, de ordem emocional. Complexo de inferioridade? Do ponto de vista das ideias, a situação é um pouco mais clara. Murcho só pode dizer tanta tolice em relação ao português porque tem uma concepção meramente instrumental da língua. Infelizmente, para um educador, o instrumentalismo linguístico é ainda mais pernicioso do que o preconceito cultural. Enfim, a *última flor do Lácio* não precisa da ajuda de ninguém para se tornar o que já é há muito, uma língua culta universal. Mas é verdade que, se todos os professores lusófonos se renderem à lusofobia e, em especial, à anglolatria, a língua portuguesa pode sim regredir ao estado de idioma regional, a um dialeto sem maior relevância cultural.

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