domingo, 6 de abril de 2008

Evolução do preço da gasolina

Evolução do preço do petróleo entre 1947 e 2007 (a preços de 2006). Fonte «Oil Price History and Analysis», WTRG Economics.

Nos últimos tempos tenho recebido uma série de mails que, com ligeiras variantes na prosa, exprimem a indignação do remetente em relação aos preços da gasolina. De facto, a serem verdade os dados indicados, o preço do petróleo em euros teria na realidade descido de 70 euros em 2000 para 66,6 euros em 2008 enquanto a gasolina - sem chumbo 95 - aumentou de 0.922 euro (com taxa de conversão 1 euro=200,482 escudos) para 1.381 euro no mesmo período.

Após a exposição dos números, o mail termina invariavelmente com: «Cada um que pense por si, mas eu acho que estamos a ser roubados pelos políticos, pelas petrolíferas e agora até pela associação de padeiros!»

Embora não intencionalmente, a parte dos padeiros está na realidade intimamente relacionada com os combustíveis uma vez que os preços dos cereais têm subido astronomicamente nos mercados internacionais devido à sua utilização na produção de biocombustíveis. Já há cerca de um ano, George Monbiot avisava:

«o preço do milho duplicou desde o princípio do ano passado. O preço do trigo atingiu o máximo dos últimos dez anos, enquanto que as reservas mundiais dos dois cereais desceram para o valor mais baixo dos últimos 25 anos. Já houve motins por causa de comida no México e chegam de todo o mundo relatos de que os pobres estão a sentir o impacto. O Departamento de Agricultura americano avisa que 'se tivermos uma seca ou uma colheita muito pobre poderemos presenciar o tipo de volatilidade que vimos nos anos 70 e, se não acontecer este ano, estamos a prever igualmente reservas mais baixas para o próximo ano'. Segundo a FAO, das Nações Unidas, a principal razão é a procura de etanol: o álcool utilizado como combustível, que tanto pode ser produzido a partir do milho como do trigo».

Ou seja, não estamos de facto a ser roubados pelo padeiro, estamos a sofrer as consequências de uma política de redução das emissões de CO2, completamente contraproducente na opinião de vários peritos.

E será que em relação ao preço dos combustíveis há alguma verdade neste mail? Foi isso que tentei investigar e cheguei a conclusões interessantes.

O gráfico que ilustra o post, retirado de uma exposição histórica da evolução do preço do petróleo o mercado norte-americano, a preços constantes de 2006, indica que este aumentou muito mais entre 2000 e 2008 que o referido no mail (que referencia 60 e 100 dólares como o preço do barril em 2000 e 2008, respectivamente).

Se analisarmos a evolução do preço do Brent em Londres, o nosso preço de referência, encontramos um cenário análogo, agora expresso em valores nominais. Para converter em valores nominais o preço em dólares do Brent Blend 38º no ano 2008 recorri a esta tabela. Finalmente, para a conversão dos preços em dólares no correspondente em euros precisamos analisar a evolução da taxa cambial entre as duas moedas fortes do cenário mundial. Esta apresenta uma história curiosa que passo a sintetizar.

No primeiro dia da sua cotação, a 4 de Janeiro de 1999, o euro foi lançado a 1,1665 dólar e fechou a 1,1837 dólar. Menos de dois meses depois, a 1 de Março, o euro cai para 1,10 dólar e a 26 de Maio um euro em queda fica a 1,05 dólar. A cotação do euro manteve-se mais ou menos inalterada durante os restantes meses de 1999, mas o ano mais negro foi 2000, nomeadamente a 27 de Janeiro o euro situa-se pela primeira vez abaixo da paridade, a 0,9882 dólar. Em 26 de Outubro, o euro alcança o seu nível histórico mais baixo, valendo apenas 0,8230 dólar. Após uma série de intervenções do Banco Central Europeu (BCE) o euro recupera ligeiramente e a 20 de Dezembro de 2000 o euro fixa-se em 0,90 dólar.

Apenas a 15 de Julho de 2002 o euro recupera a paridade com o dólar. A taxa cambial entre o euro e o dólar continuou em subida instável, com uma pausa em Outubro, atingindo um novo máximo histórico, de 1,1978 dólares, em 19 de Novembro de 2003, após o departamento norte-americano do Tesouro ter divulgado que os investidores estrangeiros aplicaram 4,19 mil milhões de dólares no mercado bolsista norte-americano, um valor muito abaixo dos 49,9 mil milhões de dólares registados em Agosto desse ano e o nível mais baixo desde Setembro de 1998, mês em que o valor do investimento líquido estrangeiro em acções norte-americanas atingiu os 1,17 mil milhões de dólares.

A apreciação face ao dólar no cômputo do ano 2003 da moeda única europeia foi de cerca de 21% - 5,3% dos quais só em Dezembro. Nas duas primeiras semanas de 2004, o euro estabeleceu sucessivos máximos históricos, aproximando-se da fasquia dos 1,29 dólares. Em 2005 e 2006, com algumas flutuações, a taxa manteve-se praticamente inalterada se olharmos para os valores médios anuais, que foram 1,242 em 2004, 1,243 em 2005 com uma ligeira subida para 1.255 em 2006. O ano de 2007, em que em média um euro se converteu em 1,368 dólar, viu uma subida acentuada do valor do euro, que terminou o ano valendo 1.472 dólar, subida que se manteve em 2008, em que o euro está a valer, em média, 1.5 dólar.

Inserindo esta informação cambial nos dados sobre o preço do petróleo no mercado de Londres, confirmamos facilmente que o teor deste mail, que certamente já foi recebido por muitos dos nossos leitores, embora muito exagerado, tem um fundo de verdade uma vez que o preço em euros do Brent tem vindo a descer desde 2007 nos mercados internacionais e o preço que pagamos pela gasolina tem aumentado, reflectindo aparentemente a variação do custo do crude em dólares e não em euros.

Evolução do preço do Brent em dólares e euros (escala da esquerda em valores nominais) e do preço da gasolina 95, escala da direita.

12 comentários:

Anónimo disse...

Prosaicamente, eu há uns tempos andei mesmo convencida de todo de que me andavam a roubar gasóleo à noite na garagem.. De repente, os 30 euros que costumava meter, duravam pouco mais de metade do que era usual nos meus percursos diários habituais. O que em Outubro dava para uma semana de 5 dias, em Dezembro, Janeiro, começou a durar cerca de 3 dias.

Até que percebi que o preço tinha aumentado tanto que o roubo não era feito por delinquentes garagistas (mas por outras entidades....).

JSA disse...

Isto reflecte apenas e só o peso do dólar no mercado de petróleo (e outros bens). As negociações continuam a ser feitas em dólares, o que significa que o preço da gasolina vai continuar a ser determinado pelo preço do crude em dólares, o qual é fortemente determinado pelo valor da moeda americana.

Não serve de muito culpar as petrolíferas, uma vez que uma boa parte do preço dos combustíveis está fortemente dependente das taxas que os governos lhe aplicam.

Neste aspecto, o que há a fazer é mesmo procurar alternativas ao petróleo e eliminar esta idiotica do bioetanol directamente a partir do milho e do trigo (ou outros cereais). Há que aproveitar as colheitas que seriam para deitar fora e os bioresíduos, bem como outras fontes como as algas. De resto, apenas se contribuirá para aumentar os preços dos cereais (o que aumenta artificialmente a inflacção, além de contribuir para a fome no mundo) e para a desflorestação do planeta.

Muito mais haveria que dizer, mas é bom ver este gráfico da Palmira. E, melhor ainda, a Palmira não deixa juízos de valor, oq ue permite iniciar desde já a discussão.

Anónimo disse...

Quando pagamos combustíveis, pagamo-los em euros. A desvalorização do dólar significa que os euros que pagamos, mesmo que os preços não aumentassem, representam cada vez mais dólares à medida que o tempo passa. Como o preço real dos combustíveis é determinado em dólares (como bem indica jsa), o roubo de que somos vítimas é duplo.

NC disse...

Cara Palmira,

os meus dados não batem com os seus. Consegue perceber porquê? A minha fonte não é pública mas a cotação do Brent que você usou (http://tonto.eia.doe.gov/dnav/pet/pet_pri_wco_k_w.htm)
bate muito certo, apesar de não exactamente igual, com a minha (ver http://caldeiradadeneutroes.blogspot.com/2008/04/o-preo-do-crude-em-euros.html)

As taxas de conversão que usei também batem certo com as que você referencia.

Cumprimentos

KW disse...

Eu suspeito que a inconsistência está relacionada com o facto da Palmira ter começado por valores em dólares nominais.

A partir dos mesmos sites, utilizando o spot price do Brent e a taxa de câmbio interbancária obtive o seguinte gráfico:
http://img517.imageshack.us/img517/4589/oilbc7.png

Os dados do spot price estão aqui http://tonto.eia.doe.gov/dnav/pet/xls/PET_PRI_SPT_S1_D.xls

Fernando Jorge Matias Saiote - Montemor-o-Novo disse...

Os Portugueses são um povo invariavelmente acomodado, refilam durante uns tempos e depois calam-se fazendo-se jus ao ditado popular: "Vozes de Burro não chegam ao céu.". Também sou Português e tenho orgulho nisso, mas tenho pena que o silêncio seja a maior arma deste povo. Não o deveria ser, mas é!

Desde a altura do saudoso Escudo, que, em Portugal, se sente um enorme desconforto económico de altos e baixos frequentes e incómodos.
Causa: os constantes aumentos já aqui debatidos e a sua paridade com os ordenados e com o IVA.

Se olharmos a economia Portuguesa por um prisma básico, até mesmo leigo, recordamos que, na altura do Escudo - 1999 -, tínhamos (p.ex.) um café por 50$00 que, ao dobrar o século, dobrou para... 50 cêntimos (vulgo 100$00), no entanto um ordenado de 120000$00, que na altura já não era dos piores, passou a... €600,00 (vulgo 120000$00). Os Portugueses calados não gostaram, os sucessivos governos calaram e os tinham negócios, principalmente os de venda directa, agradeceram. O IVA aumentou gradualmente, até descer (por quanto tempo?) 1% no próximo Julho.

A par da simples bica, agora adornada com pauzinho de canela, estão os bens essenciais como o pão, o leite, o arroz e, inevitavelmente, os combustíveis que aumentam de forma insaciável, por caprichosdos governos e das petrolíferas que, contrariamente ao que aqui se diz, também têm culpa por cartelismo.

Urge que se efectue um estudo sobre a evolução dos preços entre o fim do Escudo e o nascimento do Euro para que, de alguma forma, se tente entender o que por cá aconteceu.

Fazendo as contas ao referido, menos mau ordenado de 120000$00, temos que o mesmo daria para 2400 cafés o que, comparado com o mau ordenado de €600,00, era muito mau para a saúde dos Portugueses, pois esses €600,00 apenas pagam 1200 cafés...

Reflicta-se um pouco sobre isto e analise-se com coragem a quebra que os Portugueses sofreram, não com a entrada do Euro, mas sim com a leviana permissividade que foi dada à repentista liberalização dos preços.

Hoje em dia, quem aufere um ordenado de €600,00 ganha quase tanto como o ordenado mínimo da altura do Escudo, paga mais impostos, tem menos saúde e come menos.

Não existe um classe média, mas sim um fosso entre a baixa e a alta.

Se alguém houver que consiga fazer um estudo completo desta natureza, desta precisão económica, eu agradecia que contactasse comigo, pois adoraria ajudar.

alemtagus@gmail.com

Tiago Fernandes disse...

O raciocínio está, em termos gerais, correcto: A valorização do Euro anulou grande parte da subida do preço Petróleo cotado em USD. Mas antes de chamarmos os nomes todos ao sector convém ter uma perspectiva mais ligada à realidade das empresas petrolíferas:

O preço na bomba reflecte naturalmente o capex e extracção da matéria-prima mas também as margem de refinação e distribuição a jusante da cadeia de valor. Esse valor é hoje +15-25% que há 10 anos atrás (custa mais refinar petróleo grosso). Se por hipótese o preço estivesse fixo nos €70 durante 10 anos isso não nos livrava de um aumento na bomba (assumindo que mantêm as margens do negócio).
As valorizações do Euro e do Petróleo acontecem em períodos distintos no tempo. No nosso mercado um aumento do preço do barril leva a um rápido aumento do preço dos combustíveis na bomba, enquanto que uma diminuição do preço do petróleo ou uma valorização do Euro leva mais tempo a ajustar-se (e depende em muitos casos do Abel Mateus…)
Tipicamente as empresas não fazem currency overlay nem gerem activamente o mercado cambial. Quer isto dizer que as petrolíferas tendem a fazer contratos de Forward Rate Agreement sobre o USD ie, fixam o Euro face ao Dólar e portanto os aumentos do barril do petróleo tem mesmo um impacto directo no custo da ex-refinação. (ah e tal mas toda a gente sabe que o Euro é sempre a subir. Pois quem tem a certeza que venda o carro, a casa da praia e os certificados de aforro e vá vender opções sobre o USD no mercado de derivados para ficar rico…)
A procura de gasolina tem vindo a diminuir em Portugal nos últimos 2 anos, dando a entender que o esforço do consumidor está no limite. Ie se calhar as gasolinas até ganhavam mais com um preço mais baixo se este menor preço fosse mais do que compensado pelo aumento da quantidade vendida (não tenho dados para a elasticidade preço da procura)…

cumprimentos
Accionista da Exxon (se não os conseguimos vercer...)

Fernando Jorge Matias Saiote - Montemor-o-Novo disse...

Bonitas são as palavras que profere, belas até.

No entanto esquece-se que todos estes aumentos incessantes têm um peso negativo em termos económicos para Portugal, senão vejamos, neste momento as gasolineiras estão a socorrer-se de stocks para exercer uma menor procura no mercado exterior, ou seja, menos gastos e maiores lucros.

Aquilo que acontece ilustra um armazenamento de stock financeiro para que, quando necessário, possam comprar a gasolina ao preço que estiver ou mais barata para resguardar novos stocks, sendo significado de poderio económico imediato.

Estrategicamente, numa análise económica algo brejeira, está a ser feito, por parte dos barões das gasolineiras, um esforço de gestão muito louvável, mas é-o apenas para um restrito grupo de senhores e para o estado.

Problema será enquanto houver possibilidade dos Portugueses se deslocarem a Espanha para atestar os depósitos dos seus carros particulares, aí, dentro de algum tempo, prevê-se um crash muito maior que aquele a que vamos assistindo.

Estranho será ainda reparar que Portugal é o único país da União onde se registam estes exageros cosequentes.

A analogia que faço ao preço da bica - antes e depois do Euro(€) é um exemplo crasso do que acontece na sociedade Portuguesa, mercê da inactividade governamental exercida no passado, e assim vai passando também com o preço da gasolina, o ordenado de um Português médio (como eu, por exemplo - embora esteja desempregado considero-me como tal) não é suficiente para atestar um depósito que não aguenta um mês, para comer e alimentar a família, para pagar os estudos dos filhos. Se no casal ambos trabalham, por média, tem dois carros - por sorte podem trabalhar os dois no mesmo sítio e com iguais horários - o que dobra os gastos do agregado.

Urge a colocação de um tecto nos aumentos dos preços dos combustíveis e acabar com a especulação que hoje em dia existe.

Reflita-se sobre o facto de o preço dos combustíveis levar ao aumento de todos os bens essenciais, toda a crise económica nasce da especulação e da cada vez maior necessidade de certas potências globais entrarem em conflitos e por vezes criarem esses mesmos conflitos.

O problema maior neste país é que se não os podemos vencer, também não nos podemos juntar a eles, pois não temos capacidade económica para tal.

Cumprimentos do seco Alentejo que as pessoas insistem em esquecer e do qual apenas se lembram na época da caça.

Fernando Saiote
Desempregado

João Carlos Chaínho Nunes disse...

Eu até concordo com o que o Marreta diz mas, assim sendo, gostaria de pagar o combustível à boca da bomba em... Dólares!

Skaruts disse...

Pois é. Quando o Euro entrou em circulação eu trabalhava atràs de um balcão de um café e bastou-me olhar para a placa dos gelados para ver os mesmos preços mas em Euros. ou seja, precisamente o que o Alemtagus disse: um Epá de 70$00 passou a €70 (140$00).
Eu na verdade sou um leigo nisto tudo mas não era suposto os preços aumentarem somente consoante o que a inflação manda? E se a inflação aumentar os preços não deverão os ordenados "sofrer" um aumento também?

NC disse...

A propósito, ver a minha série de posts "Volatilidades" na Caldeirada de Neutrões

http://caldeiradadeneutroes.blogspot.com/2008/08/volatilidades.html

http://caldeiradadeneutroes.blogspot.com/2008/08/volatilidades-ii.html

http://caldeiradadeneutroes.blogspot.com/2008/08/volatilidades-iii.html

http://caldeiradadeneutroes.blogspot.com/2008/09/volatilidades-iv.html

http://caldeiradadeneutroes.blogspot.com/2008/09/volatilidades-v.html

Anónimo disse...

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