Em 1997, Garry Kasparov, considerado por muitos dos seus pares como o maior xadrezista de todos os tempos, foi vencido por uma máquina programada: o Deep Blue. O xadrez computacional é um representante ilustre de uma abordagem conhecida (desde 1956) por “Inteligência Artificial” (IA).
Em 2004, enquanto equipas de humanos jogadores de futebol disputavam em várias cidades portuguesas o Campeonato da Europa de Futebol (o Euro 2004), equipas de robots jogadores de futebol disputaram em Lisboa o RoboCup 2004 – a edição anual do Campeonato Mundial de Futebol Robótico. Para alguns dos cientistas que inspiraram originalmente esta iniciativa internacional de investigação e educação em Inteligência Artificial e Robótica, o objectivo é que até certa de 2050 uma equipa de robots humanóides vença num jogo de futebol a equipa humana campeã do mundo da modalidade.
Talvez à primeira vista possa parecer que jogar futebol não deveria contar como uma actividade muito representativa dos comportamentos e capacidades dos humanos. Contudo, se não atendermos apenas ao intelecto e dermos o devido valor às competências encorpadas como parte da inteligência sofisticada, podemos ver a questão de outra maneira. O futebol robótico, que implica comportamentos fisicamente realizados num espaço real a três dimensões, requer competências correntes em criaturas naturais do reino animal, mas requer também um comportamento colectivo de uma equipa em competição com outra equipa – dimensões que implicam alguma forma de inteligência. O futebol robótico enquadra-se numa abordagem designada genericamente por “Nova Robótica”.
Há toda uma história que medeia entre a IA clássica, exemplificada pelo xadrez computacional, e a robótica colectiva, exemplificada pelo RoboCup. A robótica colectiva investiga as formas de estruturar múltiplos robots num mesmo cenário e de os controlar em vista à concretização de uma dada tarefa. Desse modo, além de participar num tipo de investigação que aceita o lugar do corpo na inteligência, contribui para ultrapassar o paradigma da inteligência como fenómeno puramente individual e para começar a pensar a inteligência como inteligência da relação em colectivos de alguma complexidade. Esta nova orientação, ao constituir em alguma medida uma ruptura, limita o interesse de continuar a recorrer às velhas metáforas da IA clássica. A “metáfora do computador”, que concebe a inteligência basicamente como processamento de informação dentro da cabeça, perde muito do seu apelo. O jogo de xadrez como exemplo por excelência da inteligência já não ajuda muito. A robótica colectiva teve de procurar outras metáforas.
Essas novas metáforas começaram por ser metáforas biológicas. Contudo, a inspiração biológica pode revelar alguns limites quando se tenta explicar formas sociais. Por isso a robótica colectiva chegou a uma nova geração de metáforas inspiradoras vindas das ciências da sociedade, incluindo a economia.
É dentro desse alargamento das formas inspiradoras que o Instituto de Sistemas e Robótica, pólo do Instituto Superior Técnico (ISR/IST) tem desde há alguns anos desenvolvido projectos de robótica colectiva concebidos como aproximações a “sociedades artificiais”. Mais recentemente iniciou investigação directamente inspirada no pensamento económico.
O ciclo de conferências “Das Sociedades Humanas às Sociedades Artificiais” foi concebido como iniciativa de apoio aos projectos de Robótica Colectiva em desenvolvimento no ISR/IST. Engenheiros e cientistas com enquadramentos disciplinares diversos, com interesses que vão desde a robótica à economia, passando pela biologia e as neurociências, bem como filósofos, ajudarão a aprofundar um percurso de fertilização cruzada entre disciplinas. Seremos capazes de projectar sistemas multi-robots com comportamentos conjuntos sofisticados, ou mesmo de os colocar em interacção persistente com múltiplos humanos? Nas seis conferências do ciclo “Das Sociedades Humanas às Sociedades Artificiais”, engenharias, ciências e filosofias cruzam-se numa reflexão que poderá ajudar a clarificar as possibilidades de virmos a projectar “criaturas” artificiais capazes de sociabilidade – caminhando assim no sentido do esclarecimento daquela questão.
A primeira conferência, “Economia, Instituições e Sociedades Artificiais”, que será proferida pelo Professor José Castro Caldas, é já na próxima segunda-feira 7de Abril.
Informação recebida de Porfírio Silva. Mais informações aqui.
sexta-feira, 4 de abril de 2008
Das Sociedades Humanas às Sociedades Artificiais
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10 comentários:
O Deep Blue venceu Kasparov e esse é o resultado que fica registado nos anais da história. Mas esses também deveriam registar que essa vitória foi obtida de modo muito estranho: Kasparov cometeu um erro que qualquer jogador mediano não cometeria.
Sim. Acrescente-se que foi o Deep Blue II e não o Deep Blue, e que Kasparov estava a ganhar o Match até que começou a cometer erros, no mínimo, estranhos. Depois protestou, afirmando que alguém - um jogador humano - andava a dar dicas ao Deep Blue II. Kasparov ganhou um bom dinheiro com tudo. Portanto, só por ignorância alguém pode dar este caso como exemplo. Quanto ao Kasparov ser considerado o melhor jogador de todos os tempos, também não é lá muito feliz.
Por fim, interessante é o caso do Go.
O bobby sabe muito... sabe distinguir o Deep Blue do Deep Blue II... e até sabe muitas das invenções que por aí andam acerca de mistérios, supostamente denunciados por Kasparov... e também é sabedor de xadrez, ao ponto de achar infeliz considerá-lo o melhor jogador de todos os tempos... o bobby sabe mais do que uma enciclopédia...
Só parece não saber o papel que realmente teve o Deep Blue (as várias versões e os seus antecessores) na evolução do que se chama "inteligência artificial", porque em vez de se dedicar a isso se dedica a mexericos. Aliás, para tirar isso a limpo, o bobby f. (este, não o xadrezista) até poderia tentar ganhar a um desses populares programas de xadrez computacional que se compram por tuta e meia e correm em qualquer computadorzinho de trazer por casa. E então falamos de inteligência artificial, está bem?
Já agora, sempre acrescento que uma das grandes críticas ao encontro Deep Blue / Kasparov foi o facto de os patrocinadores do computador nunca terem aceite novo encontro, o que viola as regras das competições de xadrez. Mas, na verdade, a irrelevância dos detalhes só se percebe conhecendo o movimento geral - e, aí, o êxito ou fracasso mede-se por outros critérios, de maior fôlego.
Não acho nada de especial um computador ganhar um jogo de xadrez, um jogo que têm um número máximo de jogadas possíveis e que dá vantagem a qualquer máquina que as puder registar todas, ou pelo menos prever muitas.
Achei este artigo muito fraco, a IA está ainda no início e não tem absolutamente nada de especial, não surpreende grande coisa a quem sabe como as coisas funcionam.
O futeból é uma coisa demasiado complicada para a IA, que têm imensas dificuldades no reconhecimento de objectos, por exemplo. Eu não sou futurologista mas creio que em 2050 os robots ainda não sabem sequer dar toques com a bola, quanto mais jogar contra humanos! A IA é uma coisa básica, não permitiria aos robots inventarem novas fintas, teriam que jogar sempre com as mesmas, porque a criatividade ainda não chegou, e está muito longe de chegar à IA!
Nem em 2100!!!
E penso que estão a ir pelo caminho errado. O caminho certo seria compreender profundamente como funcionam os cerebros biologicos e criar um espaço com semelhantes reacções (aos impulsos do "colegado neuronio do lado") em silicio ou, nessa altura, numa "gaiola" de luz.
Esta IA chegará primeiro que a que se tenta hoje.
(opinião de observador mais que amador neste tema)
Cumpts
Permito-me opinar que os comentários anteriores, na sua generalidade, sugerem alguma falta de informação sobre o que está a ser feito nos vários domínios das ciências do artifical, designadamente na Nova Robótica.
Uma ideia útil seria, por exemplo, dar uma espreitadela no sítio do Instituto de Sistemas e Robótica, pólo do Instituto Superior Técnico, verificar alguns dos projectos que por lá andam, ler algumas das publicações que lá se apontam - e ficar assim mais a par dos (alguns dos) verdadeiros problemas e dos avanços reais. Só para não se fazer a mesma figura que fizeram antes os que negavam a pés juntos que alguma vez um computador ganhasse um jogo de xadrez a um humano - até acontecer, claro!
É claro que é bom não ser ingénuo: mas é tanto ingenuidade pensar que as "máquinas inteligentes" já aí estão, como pensar que não se avançou nada nesse sentido.
Claro, isto são sugestões para quem quer aprender alguma coisa do que ainda não sabe, que é o caso de muitos de nós. Quem quer falar de tudo de cor, dispensando informar-se, e muitas vezes até apimentando a conversa chamando ignorantes aos outros - é falar, é falar à vontade, até fartar. Infelizmente, hoje isso está muito na moda.
Porfírio, sabes muito bem que a IA não passa de apenas um conjunto de algoritmos que corre num computador, nada mais. Claro que podem ser melhorados, e depois?
Eu não gosto que se mistifiquem coisas que são simples, burras e estúpidas, mas que até tem o mome de inteligência.
Sabes muito bem que os robots estão muito longe de fazer coisas que são muito simples para nós, não venhas cá com tangas.
Porque é que vocês começam com uma coisa tão difícil como o futeból?! Porque é que achas que o Ronaldo ganha milhões, achas que é fácil um robot fazer o que ele faz?!
Vocês deviam começar por coisas estilo bowling, muito mais fácil, menos, variáveis, etc. Depois o ténis, e só muito depois o futeból!
Só te vou dizer uma coisa para ver se aprendes e ganhas consciência da tua megalomania: jogar futebol como o Ronaldo é mais difícil do que engatar uma gaija! Se tu achas que podes fazer um robot capaz de engatar gaijas, então já não te digo mais nada!
LA, eu nem sei se TU és capaz de "engatar gaijas" (para usar a tua expressão e os teus erros), quanto mais um robot! Além do mais, para que quereria um robot um gaja? Só se fosse uma robota...
Apenas gostava de esclarecer uma coisa: os cientistas e filósofos que estudam as questões do artificial (inteligência artificial, vida artificial, "animats", etc.) não têm todos a mesma perspectiva sobre o que se faz nesses campos, nem sobre o que se deve fazer, e muito menos sobre o significado do que se anda a fazer.
Alguns acham que já se compreende o essencial, outros acham que ainda não se compreende praticamente nada.
Uns acham que o que é típico do humano é ser "calculador" e isso pode ser reproduzido facilmente em máquinas, outros acham que o artificial não atinge o "significado" e por isso não chegará longe.
Uns acham que a investigação sobre o artificial é perigosa, outros acham que ela é necessária para compreender o que já hoje se faz e as consequências que daí podem advir.
E, afinal, o que se pensa sobre o artificial tem, as mais das vezes, muito a ver com o que se pensa sobre o humano.
Assim sendo, o que eu sugiro é que não nos devemos convencer facilmente de que já sabemos o que é o "artificial" hoje em dia.
Para começar, quase como "pré-interrogação", sugiro as seguintes postas de um antigo blogue meu, inactivo há muito:
O xadez dos computadores
Breve história da máquina de Turing
Robots futebolistas em Lisboa
E no meu blogue actual, por exemplo:
Vida Artificial, o que é isso? 1/4
Vida Artificial, o que é isso? 2/4
Vida Artificial, o que é isso? 3/4
Vida Artificial, o que é isso? 4/4
Uma introdução a ELIZA
ELIZA, o psicoterapeuta automático
Uma consulta de ELIZA
ELIZA, o psicoterapeuta automático
O que os computadores podem mas não devem fazer
Onde ELIZA leva à questão ética
Ou ainda, para ver uma amostra das possibilidades de ligação entre natural e artificial, o seguinte apontamento:
Controlo mental
Ou para um exemplo dos robots que existem nesta selva de "artificial":
Certos robots que por aí andam
Depois desta viagem, mesmo assim muito ligeira, por alguns dos terrenos das "ciências do artificial", um diálogo será mais informado e mais produtivo.
Saudações.
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