quarta-feira, 8 de junho de 2022

Sustentabilidade, fim do mundo e mais além

[Este texto serviu de apoio (mas não foi lido) para a palestra com o mesmo nome no Rómulo dia 7 de junho às 18 horas. Por ser um texto de apoio, tem algumas omissões, mas mesmo assim acho que vale a pena partilhá-lo, uma vez que a sessão aparentemente não foi gravada] 

Ulrich Becke, o autor do influente livro “A sociedade do risco” escreveu um livro perto da sua morte que ecoa a famosa frase de Holderlin “onde cresce o perigo, nasce a salvação”. Dir-se-ia, que isto não é comum! As pessoas costumam ficar mais pessimistas com a idade. Mas agora vi que  Martin Rees fez algo parecido em “O futuro da Humanidade”.  Depois de ter escrito em 2003 um livro em que estimava que a nossa probabilidade de sobreviver como espécie no próximo século era de 50%, este livro mais otimista, tecno-otisma como o autor diz, é muito bem vindo.     

Queria fazer da sessão, não um sermão em que vos tentava convencer, mas um diálogo em que tentava mostrar os vários pontos de vista. Não quero convencer-vos mas contribuir para a atitude científica. 

Vou-vos contar uma anedota apócrifa de Mário Molina, prémio Nobel da Química pela descoberta das reações do ozono com os CFC. Peço desculpa, mas passa-se num tempo em que as mulheres ficavam em casa e os maridos trabalhavam na rua. A mulher de Molina perguntou-lhe quando ele chegou a casa: “Querido! como correu o dia de trabalho?” E este respondeu: “Tenho boas e más notícias. As boas é que descobrimos uma coisa fantástica. A má notícia é que o mundo vai acabar.” Não acabou por isto, mas passa a vida a poder “acabar.”

Temos de falar dos problemas como se os pudéssemos resolver. Contribuir para a solução. Ficar de braços cruzados não é opção. Temos de analisar os processos nas suas várias dimensões. Ver o ciclo de vida completo. Claro que o publico não pode ter de analisar todos os produtos a fundo. Este trabalho tem de ser feito por especialistas e tem de haver alguma confiança, mas não pode ser apenas nalguns. 

Imaginem as pessoas nos anos 1970. Tinham mesmo problemas e nenhumas soluções! O petróleo ia acabar em 30 anos e não havia as alternativas que há hoje. Sabem porque o fim do petróleo se estima hoje em mais 30 anos, quando nos anos 1970 só chegava ao fim do milénio? Não, a principal razão não é terem sido descobertas mais reservas e haver maior eficiência na extração. É o uso! A estimativa do uso em 1970 era quase do dobro da atual.

Nós podemos contribuir (usando menos e melhor, recusando, reciclando e reusando), mas as soluções da ciência e da tecnologia terão mais impacto. O clássico exemplo é “ fechar a torneira”. Quem sabe destas coisas, explica que o que se poupa de água “fechando a torneira” é muito pouco. O maior consumo de água não depende tanto das pessoas individualmente. O que se  poupa de recursos de forma individual em muitas situações é pouco. Mas é educativo, apesar de tudo, e abre caminho às decisões e descobertas que terão grandes impactos. 

A sociedade avança bastante, mas pode parecer que não. Muitas das metas preconizadas nos anos 2000 (eficiência energética e muitas outras)  já foram atingidas! Devemos ficar de braços cruzados? Não, outra vez não!

Mas voltando atrás, à questão da confiança. Toda a gente percebe que não é boa ideia pedir ao lobo para tomar conta das ovelhas ou pedir às ovelhas para tomar conta das couves. Os problemas têm de ser resolvidos com as sugestões de todos e muitas vezes as melhores soluções são surpreendentes.  O problema da travessia do rio por um lobo, uma ovelha e couves tem uma solução lógica que não se esperava. Muitas soluções ainda não são conhecidas, mas com o que já é conhecido, há já soluções!

A questão das especialidades e dos temas de investigação é também muito relevante. Se investigas sobre uma coisa  acha-la a coisa mais importante.  Um martelo vê pregos em todo o lado, como disse um colega meu. E não podemos colocar todos os ovos no mesmo cesto. Ou deitar fora a água do banho com o bebé. Devemos lembrar que uma galinha põe um ovo e cacareja, enquanto um bacalhau põe dez mil e fica calado. Nem sempre quem faz mais barulho ou que tem mais tempo "de antena" é quem tem razão. Os provérbios têm vários sentidos, claro, mas podem ser nossos guias de pensamento.

É tentador dizer “lá vem este defender o capitalismo”, a “indústria” ou a “química” ou seja lá o que for. Mas, se pensarmos com cuidado há recusas que não são racionais. Como as recusas em relação à química ou à indústria em geral. São emocionais. E como se sabe são as emoções que conduzem a razão. Acreditar que haja uma espécie de maldade na industria e na química é mais emocional do que racional. Não é que não existam exemplos negativos mas tomar o todo pela parte é claramente exagerado.

 De qualquer forma, o mundo tornou-se demasiado pequeno para cometemos grandes erros, escreveu Ronald Wright em “Uma breve história do progresso”. Deixámos, como Wright também escreveu  demasiados destroço para trás e viajamos num barco que é não só o último, mas o único. Mas calma! Se calhar muitas coisas são retórica. Se calhar, achamos que somos mais importantes do que somos.    

O livro de Ronald Wright abre com um capítulo que se chama “A pergunta de Gauguin”. Como é bem sabido, Gaugin foi para os trópicos pintar e procurar a pureza, deixando em França a família com dificuldades. Gauguin tinha sido um corretor bancário e só descobriu a arte mais tarde. Estava entretanto com problemas financeiros. E, em 1897, recebeu a notícia de que a sua filha favorita, Aline, tinha morrido de pneumonia. Isso aumentou ainda mais a sua angustia e fê-lo criar o quadro  “De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?” que demorou dois anos a ser pintado.

Porque refiro este quadro? Para lembrar que as angustias pessoais e coletivas são muito antigas e que foi esta uma das razão pelas quais a arte deve ter surgido. Como escreveu Jorge Calado “A arte começou por ser uma necessidade. A ciência uma curiosidade.” Sempre formos ao mesmo tempo arrogantes como espécie, e temerosos. Arrogantes por acharmos que somos essenciais e mais poderosos do que somos. Que as coisas foram feitas para nós e que podemos dispor da natureza. Temerosos pois desde sempre pensámos que podíamos sofrer a ira de Deus. Castigos divinos e fins do mundo são comuns ao longo da história.

Queria referir alguns ativistas climáticos emblemáticos e as questões que suscitam. Greta Thumberg, a mais nova, tem agora 19 anos, mas começou as greves as climáticas com 16 anos. Não devemos esquecer que na Suécia há pelo menos oitenta anos que se pratica a educação ambiental nas escolas. O mais velho, James Lovelock, tem agora mais de 102 anos, mas fará 103 em julho. Foi o autor da teoria de Gaia e, pelo menos pelos seus livros, está cada vez mais radical. Vandana Shiva,  aposta no “anti-desenvolvimentismo”, uma atitude interessante e aliciante, mas com imensos problemas. Podemos voltar atrás em muitas coisas, nomeadamente no consumismo, mas não no desenvolvimento. Dou um exemplo horrível. O momento mais “sustentável” e com menos desperdício de século XX foi a Segunda Guerra Mundial. Não queremos isso! Refiro estes ativistas pela diversidade de backgrounds e atitudes e por serem cativantes. E é claro que precisamos de radicais (quando teria acabado a escravatura? Quando é que as mulheres votariam? Entre outras coisas) se fosse tudo tratado com “paninhos quentes”. Mas, por outro lado, os radicais podem atrapalhar as soluções, pois não conhecem tudo, muitas vezes têm preconceitos, ou ideias erradas, chamam uma atenção desmedida para os diagnósticos e nenhum para as soluções. E se não houver nenhum espaço para soluções, estamos mal.  

Estava a preparar esta conferência quando vi o artigo da esquerda numa revista feminina (imagem deste artigo). E a capa da direita é de uma outra revista feminina que tinha em casa. É fantástica. O rótulo é mesmo de tecido e está mesmo costurado à capa da revista!

 Porque não podemos ser otimistas? O otimismo e o pessimismo são atitudes que derivam das emoções. Nas situações mais desfavoráveis podemos continuar a ser otimistas. Mas para algumas pessoas basta uma contrariedade imaginada para se instalar o maior pessimismo. 

Sabe-se que a longo prazo o pessimista tem sempre razão - a bem conhecida a frase de Keynes “num tempo suficiente estaremos todos mortos” – mas até lá podemos continuar a ser otimistas.

Achamos que agora é que acaba o mundo! Talvez. Para cada um individualmente acaba com certeza. A ciência e a tecnologia têm tido crescimentos exponenciais, são combinatórias e começam a ser recursivas. Dizem: ocupámos todo o planeta; expulsamos a natureza. Mas há algumas perguntas que se impõem e uma constatação. Não será possível usar a ciência e a tecnologia para resolver os problemas que identificámos (aquecimento global, poluição, extinções em massa e outros) – na verdade alguns estão a ser resolvidos. E a constatação é que não podemos fugir à Natureza. Aquilo que criamos também é Natureza. 

Dizem as leis de Murphy que é quando vemos a luz ao fundo do túnel é que este desaba. Mas disse um participante na sessão, podemos ver ao contrário “entrar no túnel em vez de sair”. E podemos continuar com esta retórica indemonstrável, mas percebe-se a ideia… Houve tempos em que a ciência trouxe soluções. Hoje preocupa-nos a aceleração sem precedentes. Mas vamos com calma. A ciência continua a trazer novas soluções. 

Vou usar as vidas da família real portuguesa em meados do século XIX, como exemplo de coisas que só apareceram no século XX e aumentaram muito a nossa segurança e qualidade de vida. E não me estou a referir a telemóveis, computadores e roupas desportivas de marca...

Começo com a rainha mãe: D. Maria II. Morreu com 34 anos no parto. Esta estava sempre grávida imagina-se porquê! Do lado direito estão os seus nados-mortos. Há várias coisas que ela não tinha: segurança no parto,  mortalidade infantil baixa e … contraceção. O rei D. Pedro V morreu com 24 anos, assim como alguns primos, de febre tifóide. Foram caçar e beberam de uma fonte inquinada. Duas coisas que lhes faltavam: tratamento de água e antibióticos.  A rainha D. Estefânia morreu com 22 anos de diferia. Esta quase desapareceu  devido às vacinas. Mesmo assim, dos que sobreviviam, a esperança de vida não era grande coisa. Em resumo: contraceção, tratamento das águas, antibióticos e vacinas; melhor higiene, diminuição drástica da mortalidade infantil e da mortalidade no parto e melhor qualidade de vida geral, não apenas para os ricos, mas para todos. Tantas coisas que o desenvolvimento nos trouxe! Mas poderíamos fazer melhor! 

Os estudos de Hans Rosling mostram que houve um aumento brutal da igualdade e da qualidade de vida, mesmos nos sítios mais remotos. Isso é inquestionável. O nosso problema agora é: podermos dar cabo do nosso planeta.  Agora que se via luz ao fim do túnel é que ele desaba...

Há coisas que ouvimos quase todos os dias (que “em 2050 haverá mais plástico no mar que peixe”; “que foi capturada uma baleia com 40 quilogramas de plástico” etc.). E outras coisas que nunca ouvimos (que “a química salvou as baleias e os elefantes”; que “a química salvou da morte prematura mais de três mil milhões de pessoas”). Será que por ouvirmos muitas vezes uma coisa ela se torna mais verdade? E aquilo que nunca ouvimos será que não existe?  O problema são os “custos da oportunidade”. Se só ouvimos uma coisa parece que não há outras. Mas há! A frase bombástica e supostamente clara tem dois problemas. Ninguém sabe quanto peixe há no mar; os números foram estimados com o que se sabia na altura. Lembram-se da questão do petróleo, dos anos 1970? Erraram em 100%. A química salvou mesmo as baleias e elefantes e salvou da morte prematura mais três mil milhões de pessoas. Como pode isto ser? Claro que há “senãos” e podemos já falar disso, ou no fim...  

A química não só salvou as baleias como está a contribuir para a Economia Azul (basicamente a economia do mar – e Portugal tem uma das maiores áreas marítimas da UE). Novos medicamentos, novas formas de alimentação, melhoramento dos processos tradicionais, etc.

Um exemplo de má interpretação são as palhinhas. O valor estimado para a sua percentagem dos plásticos nos oceanos é de 0,03%. A maior quantidade de plásticos não são as palhinhas ou os patos de banho amarelos, são as redes de pesca. É para isso que temos de procura soluções. 

O segundo maior problema ambiental, a seguir aos combustíveis, são as roupas. Mais mais uma vez é preciso ver o problema globalmente e analisar os ciclos de vida dos produtos. 

Com tudo isto as marcas usam várias estratégias. É cinismo? Acho que não. Estamos a caminho de um Capitalismo (mais) Verde. As empresas sabem que não vendem tanto se fizerem coisas erradas. E há grandes incentivos em ser mais sustentável. Claro que nem tudo isto são rosas. A questão é que não temos só uma face da moeda, mas  temos mesmo de melhorar uma delas senão a outra nao tem suporte…

A Química Verde e a Economia Circular são situações em que todos vencem. Chamo a atenção para que a química verde não é só “propaganda”. Faz parte dos seus princípios a análise continua e rigorosa das coisas. E aos outros Rs a química acrescenta a Re-invenção

Somos ávidos de energia. Esse é um dos nossos maiores problemas. Mas está a ser resolvido, como está a ser o dos plásticos no oceano. Fazendo as contas, e se não me enganei, se pudéssemos recolher todo o plástico marinho e o usássemos como combustível este só seria equivalente a 8% do petróleo que gastamos por ano. Mas o Sol é uma fonte quase inesgotável. Estima-se que chega à superfície da terra cerca de cinco mil vezes mais energia do que aquela que usamos.

Estão a ser feitas muitas coisas nestas áreas. Recolha de plásticos, uso de plásticos reciclados, plásticos obtidos a partis de materiais renováveis, biolósticos, etc. Precisamos ainda de mais investigação e desenvolvimento.  Estão a ser empregues os óleos usados para detergentes. Falta referir o uso de óleos usados como combustíveis. E claro, todos os problemas associados. Mais uma vez é preciso estudar todo o ciclo. Há preocupações com o uso da área agrícola para “cultivar” combustíveis. Mas para isso também há soluções. As micro-algas por exemplo, etc.  

A questão do consumo exagerado é muito relevante. Como enfrentamos essa questão? Vejo que já está a ser atingido um consenso. Mas as pessoas em geral nunca tomarão a iniciativa por si próprias, algumas voluntariamente farão, mas serão poucas. E mesmo que tomassem podia ser pouco (veja-se o exemplo de “fechar a torneira” e de “apagar a luz”).  Mas podem pressionar os políticos a tomar as decisões mais corretas e mais informadas (não as que tomariam por os ativistas fazerem pressão e muito barulho). Foi o que aconteceu com a legislação anti-tabaco ou da condução com álcool ou conto de segurança. E, mais recentemente, com os sacos plásticos.  Tem de haver uma mistura de legislação, atitudes sociais e avanços científicos para que todo os puzzle funcione. E tem de haver mais investigação e desenvolvimento. Não menos. 

O que nos reserva o futuro? Tentemos prevê-lo com uma mistura de otimismo e preocupação criativa. 

Um pouco mais do meu pensamento sobre alguns destes temas:

Rodrigues, Sérgio P. J. "Química e Saúde Pública: Elementos da História de uma relação fundamental". revistamultidisciplinar.com (2022): https://doi.org/10.23882/rmd.22087.

Rodrigues, Sérgio P. J. "Acerca das Contribuições da Química para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas - Atualização de 2022". Em Meio ambiente: Princípios ambientais, preservação e sustentabilidade 3, 1-12. Atena Editora, 2022.  https://doi.org/10.22533/at.ed.3182229031

Rodrigues, Sérgio P. J. "A química ao serviço da vida e prisioneira da guerra". Em Uma visão holística da Terra e do Espaço nas suas vertentes naturais e humanas: homenagem à professora Celeste Ramualdo Gomes, 229-242. Coimbra: CITEUC, 2020. https://doi.org/10.5381/zenodo.4409383

Rodrigues, Sérgio P. J. "Cientistas, activistas e comunicação: oportunidades, armadilhas e perigos". Apresentado no IV Congresso Internacional Educação, Ambiente e Desenvolvimento, Leiria, 2020.

Rodrigues, Sérgio P. J. "Mal-entendidos, preconceitos e mitos sobre química na sociedade contemporânea". Apresentado no II Congresso Internacional Educação, Ambiente e Desenvolvimento, Leiria, 2016. 

Rodrigues, Sérgio P. J. "Que Química! Entre o Fascínio Pelo Pessimismo e a Hesitação Perante o Optimismo". Química Bol. SPQ 140 (2016): 27-35. http://www.spq.pt/magazines/BSPQuimica/672/article/30002015/pdf.

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