domingo, 18 de outubro de 2020

O acesso aos serviços públicos por telefone 707: ordem para ‘sacar’?

 

“Em tempos, certas dependências da administração pública (a Direcção-Geral do Consumidor, CP, CTT, por exemplo, e tantas mais) dispunham de linhas 707: chamadas de valor acrescido que proporcionavam aos departamentos oficiais receita suplementar.”

A Provedora de Justiça emitira, porém, a 5 de Abril de 2018 (depois de perturbantes contradições no seio do próprio serviço) oportuno e adequado comunicado, nos termos do qual

“… adverte para a circunstância de vários serviços públicos e empresas detidas pelo Estado continuarem a usar linhas telefónicas de custos acrescidos (com os prefixos 707, …), como meio de contacto com os utentes, em desrespeito à legislação em vigor."

"Não é legal a utilização de linhas de telefone de custos acrescidos pela administração pública como meio de contacto pelos cidadãos".

Rege neste particular o art.º 11 do DL 135/99 (alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 73/2014, de 13 de Maio; 58/2016, de 29 de Agosto e 74/2017, de 21 de Junho).

Por conseguinte, os serviços não podem adoptar tais práticas; não é lícito que sujeitem os cidadãos que os contactem a dispêndios acrescidos, para além dos normais custos de uma chamada.

TAP, CP, CTT, AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, Lojas e Espaços do Cidadão, Instituto de Segurança Social, Serviços Municipais, Direcção-Geral do Consumidor, ADSE, Instituto da Juventude, Caixa Geral de Depósitos, entre outros, mantiveram, há não muito, tais linhas que constituíam como que uma fonte suplementar (desnecessária) de receitas no afã de se “esportular” o cidadão, avantajando a administração...

E a proibição não é, pois, de agora.

Porém, pela Lei 7/2020, de 10 de Abril, no quadro das medidas suscitadas pela pandemia, sob a epígrafe “linhas telefónicas”, surge surpreendentemente no seu artigo 9.º:

• Proíbe-se que tais entidades se socorram de números especiais de valor acrescentado com o prefixo «7» (707…), para contacto telefónico dos consumidores. Com custos que excedam os montantes de uma ligação normal.

• Consente-se apenas que haja números especiais, números nómadas com o prefixo «30», ou números azuis com o prefixo «808», disponíveis para contacto telefónico dos consumidores.

• Tais entidades devem proceder à substituição por números telefónicos com o prefixo «2», no prazo máximo de 90 dias [prazo que expirou a 09 de Julho pretérito].

Destinatários da norma são-no:

- Entidades integradas na Administração Pública central, regional ou local,

- Empresas que prestam serviços públicos essenciais, designadamente de fornecimento de água, energia eléctrica, gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados, comunicações electrónicas, serviços postais, recolha e tratamento de águas residuais, gestão de resíduos sólidos urbanos e transporte de passageiros e

- Empresas concessionárias da Administração Pública central, regional ou local.

A lei impõe ao Ministério da Saúde que, prazo máximo de 60 dias, substitua o número de acesso ao Serviço Nacional de Saúde - SNS 24 de prefixo «808» por um número especial, assegurando a sua total gratuitidade para os utentes.”

É estranho que a Administração Pública se revele relapsa no cumprimento da lei e das recomendações emanadas da Provedoria de Justiça ("Ombudsperson").

E que haja sistematicamente de se tornar a situações destas para que se não agrave a posição do cidadão perante a Administração.

Até parece o processo da abolição do papel selado, em Portugal, velha pecha da burocracia do Estado Novo: foram precisos três diplomas legais para que o facto entrasse na cabeça dos burocratas… e o “papel selado” fosse, com efeito, à vida!

ADENDA:

Cfr. o artigo 11 do diploma da Modernização Administrativa (DL 135/99, de 22 de Abril, actualizado) no que tange ao acesso aos serviços públicos por telefone e outras plataformas electrónicas:

“1 - Nos serviços e organismos da Administração Pública, onde as circunstâncias o justifiquem, são afectadas exclusivamente a pedidos de informação apresentados pelos utentes, uma ou mais linhas telefónicas, designadas por linhas azuis, cuja instalação e manutenção deve ser prioritária.

 2 - As linhas azuis devem ser adaptadas ou instaladas de modo a não permitir a realização de chamadas internas ou para o exterior, garantindo assim a sua total disponibilidade para o público.

3 - As linhas azuis devem ser apetrechadas com um dispositivo especial para atendimento de chamadas por ordem de entrada, bem como para a sua gravação, nos períodos de encerramento dos serviços, para posterior resposta.

 4 - Sempre que possível e se justifique, o serviço deve ponderar a instalação de linhas de atendimento específico de custos reduzidos ou nulos para o utente.

5 - A existência destas linhas de atendimento é de referência obrigatória em todas as comunicações e suportes informativos externos, bem como nos anuários telefónicos.

 6 - Sempre que possível e adequado, os sistemas de atendimento telefónico aos cidadãos devem ser alargados de forma a poder incluir comunicações por chat em plataformas electrónicas ou por teleconferência, nomeadamente através de VoIP.

 7 - As comunicações referidas no número anterior dependem de consentimento do cidadão.”

Já o artigo 11-A (aditado pelo DL 73/2014, de 13 de Maio) prescreve, sob a epígrafe “Linha do Cidadão”:

“1 - É criada uma linha de atendimento central do cidadão, designada por «Linha do Cidadão», constituída por um número curto e facilmente memorizável, atribuído nos termos do Plano Nacional de Numeração.

2 - A «Linha do Cidadão» permite ao cidadão, através da marcação de um número único, ter acesso ao universo dos serviços públicos prestados pela Administração Pública Central que tenham serviços de atendimento telefónico nacionais.

3 - Através de resolução do Conselho de Ministros, são identificadas as linhas de atendimento telefónico da Administração Pública que se filiam na «Linha do Cidadão», e são regulados os termos dessa filiação, a entrada em funcionamento da «Linha do Cidadão» e a sua gestão.”

 

Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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