sexta-feira, 15 de março de 2019

Pois não, "sem passado não há futuro"

Estamos a co-criar uma nova narrativa da educação que queremos, 
que traduz a visão do futuro que queremos e 
das competências transformadoras de que os alunos precisarão 
para tornar o futuro que queremos numa realidade.  

O Presidente da Associação de Professores de História, Miguel Monteiro de Barros, deu uma entrevista a Almerinda Romeira, publicada há poucos dias no Jornal Económico. O título - Sem passado não há futuro, sem História não há cidadania -, que reproduz uma afirmação do entrevistado, é um duplo alerta.

1. Neste século, com destaque para esta década, tem sido imposta aos sistemas educativos e formativos públicos uma certa "ideia" de preparação, na escola, para o futuro, o que, a olhos leigos, se afigura uma verdade inquestionável e muitíssimo apelativa: pois, não é para o futuro que devemos preparar as novas gerações? Acontece que aos olhos de quem estuda as políticas e medidas internacionais e nacionais para esses sistemas, ela revela o que efectivamente é: uma ideologia do esquecimento. É que, ao mesmo tempo que se elogia a "educação do futuro", a "escola do futuro", o "cidadão do futuro"..., condena-se tudo o que é tradicional, passado, mesmo que o passado seja recente. A mudança, a inovação, numa fuga para a frente sem olhar para trás, é um dos grandes slogans dessas políticas e medidas.

Este slogan é acompanhado de um outro: está tudo no google, na internet, na net! Logo, dispensa-se a aprendizagem de um conhecimento que não é útil, nem funcional, nem contextualizado, nem prático. E, mais, afirma-se, os alunos não gostam de conhecimento que não tenha a ver com a sua realidade e que requeira memorização, além de que certos temas podem ofender sensibilidades de minorias.

A História tem, portanto, de desaparecer. E vai desaparecendo! Como no 1984, de Orwell

2. Mas à medida que as disciplinas se esvaziam com a nossa anuência e, até, participação empenhada (é bom não esquecer que o discurso acima mencionado é reproduzido e acarinhado por muitos académicos e professores), ganha importância a dita "educação para a cidadania, agora designada por "cidadania e desenvolvimento".

São pelos menos dezassete áreas reconhecidas, neste momento, em Portugal. Algumas delas têm documentos curriculares - referenciais, manuais, etc. - que superam, a diversos títulos, nomeadamente, em conteúdos e seu tratamento, os documentos curriculares das disciplinas consagradas. Comparem-se os documentos afectos à "educação financeira" ou á "educação para o empreendedorismo" com documentos afectos à História do ensino básico e perceber-se-á o que digo.

Ora, a educação para a cidadania, a que o é, de facto, não pode dispensar a História, nem a Filosofia, nem o Português, nem a Matemática, nem a Biologia ou a Geologia, nem a Educação Física... Efectivamente, a educação para a cidadania não se pode fazer à margem dos conhecimentos disciplinares, tem de se fazer a partir deles; e também não se pode fazer à margem das interacções estruturantes que a escola deve proporcionar, no sentido da formação de "adultos educados".

Assim concordo com o entrevistado quando pergunta:
Como se educa para a cidadania sem conhecimento da História? Não é possível fazê-lo. Todos nós procuramos entender como se formaram as diversas identidades que compõem a nossa identidade: ocidental, europeia, nacional, regional, local, familiar, individual… e tal não é possível sem conhecimento histórico (…). 
Mas discordo quando afirma que:
"A História é, de todas as disciplinas, a mais bem posicionada para desenvolver o espírito crítico, a tolerância e os instrumentos necessários ao exercício de uma cidadania ativa e consciente (...). Esta capacidade única que a História possui de pôr os jovens a analisar factos e processos históricos de forma comparativa e crítica é, mais do que nunca, essencial, nomeadamente para desmascarar as mentiras que alastram pelas redes sociais e que colocam em perigo os sistemas democráticos".  
Todas as disciplinas devem ter os mencionados fins em mente. E os professores, independentemente da disciplina que leccionem têm de pugnar para que, com base nos conhecimentos que veiculam, os alunos adquirm ou consolidem as marcas da cidadania.

E discordo ainda mais quando reivindica a formação humanista para as humanidades.
"este modelo [do currículo centrado nas ciências exactas e tecnologias] está esgotado, como aliás o reconhece o “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”, onde se pode ler: “Um perfil de base humanista significa a consideração de uma sociedade centrada na pessoa e na dignidade humana como valores fundamentais”. 
A formação humanista integra necessariamente o conhecimento que a humanidade construiu: as humanidades propriamente ditas, as artes, as ciências. Mais, a questão não deve ser de antagonismo entre as humanidades e as ciências, mas de defesa do conhecimento que, por ter valor, tem de ser ensinado e aprendido. Acresce que do currículo das ciências também tem sido expurgado o que não é tecnologia. É uma reflexão sobre esta opção, de tornar o currículo apenas tecnológico, que se deve fazer.

Nesta necessidade e, até, urgência, de reivindicar o estudo do passado e de educar para a cidadania, os professores têm de estar unidos, independentemente de serem de humanidades, de artes, ou de ciências. Qualquer discurso que os separe ainda mais, volta-se contra eles, mas, pior, volta-se contra a formação dos alunos.

1 comentário:

Anónimo disse...

O cerne destas questões em torno da educação e do ensino é pensar. Na escola, os professores e os alunos devem pensar, sobretudo. Pensar a História, pensar a Matemática, pensar a Biologia, pensar o Francês, etc. Numa aula de Física, o professor que ensina que todos os corpos caem porque estão sujeitos à força gravítica, também deve ser capaz de acompanhar o aluno que o interpela sobre o fumo branco que sai da chaminé e sobe no ar. No fumo não há corpos?! A força gravítica não atua no fumo?!

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