quarta-feira, 14 de novembro de 2018

O incrível Hulk

Em homenagem ao criativo da Marvel Stan Lee, autor do Homem Aranha, de Hulk e de vários outros personagens de comics, cujo falecimento foi ontem anunciado, publico o texto sobre Hulk que saiu no livro "Darwin aos Tiros" (Gradiva) que escrevi com David Marçal em 2011:

"Não, o verdadeiro Hulk não é um destacado jogador do Futebol Clube do Porto. Hulk é uma versão moderna de Frankenstein , a mítica personagem do Romantismo saída da pena de Mary Shelley (1797- 1851), em 1818, que passou ao cinema pouco depois de essa arte e tecnologia ter surgido no mundo. Frankenstein e Hulk podem ser vistos como a encarnação do medo sentido pelo homem que ousa desafiar a Natureza empreendendo experiências inusitadas. O século XIX, de algum modo em reacção ao século das Luzes, imaginou histórias fantásticas, como essa da criatura que, inopinadamente, foge ao controlo do seu criador. Criou monstros onde antes existia a razão. O p pintor espanhol Francisco Goya bem o previu, ao inscrever numa sua gravura de 1 79 9 : « O sono da razão gera monstros . »

Hulk, ou, melhor, Bruce Banner, o seu verdadeiro nome, é mesmo incrível. Trata-se de um físico nuclear experimental . Numa experiência secreta de teste de uma arma por ele criada, Banner foi submetido a uma forte radiação gama que lhe permitiu metamorfosear-se em Hulk, monstro de forma humana, mas de cor verde, que e m certas ocasiões consegue aterrorizar tudo e todos. Bruce é uma pessoa inteligente e sensível, mas, quando se irrita, fica um débil mental, de corpo enorme ( figura 9 ) . Não é inteiramente mau, mas, se provocado, arrasa toda a gente que lhe surja pela frente. Muito pior do que o avançado Hulk faz às defesas adversárias . . .

 O filme do francês Louis Leterrier O Incrível Hulk estreou em 2008, três anos depois de ter estreado entre nós um outro filme sobre o mesmo super-herói, Hulk, realizado pelo chinês Ang Lee. Hulk, apesar de novo nos cinemas, já não era propriamente j ovem: tinha nascido em 1962, nos livros de banda desenhada da Marvel, onde aliás continua, e passado pelos ecrãs da televisão antes de chegar ao grande ecrã. Já nessa altura Hulk tinha de enfrentar um poderoso general norte-americano que, para aumentar a intensidade dramática, é pai de uma bela rapariga apaixonada por Bruce. No novo filme, o general comanda um ambicioso capitão, de origem russa (claramente um resquício da Guerra Fria nos anos 60), que também acaba por se transformar num monstro, pois era preciso um vilão à a ltura para combater Hulk num grandioso duelo final . Mas nem a vida é bem como nos filmes, nem a ciência é tão má como nas fitas de terror. A ciência desses filmes, apesar de irreal, não deixa de cumprir uma função. Hulk, ao actualizar Frankenstein na era do nuclear, alerta-nos para a necessidade de manter a razão acordada. O escritor e médico francês François Rabelais (1494- 1553) tinha dito que ciência sem consciência é a « ruína da alma » . Ciência com consciência é ciência que não se deixa adormecer. É alma que não se deixa arruinar."

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