sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Bons e maus cidadãos. A urgência do diálogo entre a tecnologia e a ética

A entrevistadora é Inês Rocha, jornalista da Rádio Renascença; o entrevistado é João Romão, formado em Informática e Gestão de Empresas. O resultado são uns minutos que nos devem inquietar mas que, ainda assim, nos trazem alguma esperança. Perceber-se-á adiante porquê.

Eis a apresentação do trabalho publicado online em 4 de Maio de 2018:

"Imagine viver num mundo em que os responsáveis políticos podem decidir se é bom ou mau cidadão consoante as compras que faz, os hobbies que tem, com quem se dá e que tipo de mensagens publica nas redes sociais. Dados que são transformados numa pontuação, que condena quem não cumpre ao isolamento. Já pode parar de imaginar: o sistema de crédito social já é uma realidade e promete ampliar-se (...)"

Faço, de seguida, um resumo:

O sistema diz-se ter sido pensado para garantir a "honestidade", a "sinceridade" e a "transparência": quem se "comporta bem", quer dizer, como o Estado considera "bem", tem acesso a bens a que não tem quem se "comporta mal".

Bom comportamento é, por exemplo, reciclar o lixo, dar sangue, publicar mensagens online positivas sobre o país; mau comportamento é, por exemplo, atravessar a rua fora da passadeira, ser amigo de alguém com mau comportamento, cancelar uma reserva. Tudo conta para pontuar. Uma pontuação baixa impede a candidatura a cargos públicos, a redução da velocidade da internet, o acesso a crédito, a inscrição dos filhos nas melhores escolas, ou viajar.

Para conhecer o comportamento de cada pessoa a ligação entre empresas e Estado é crucial: usa-se informação recolhida online relativa a pagamentos, conversas privadas, afirmações nas redes sociais. Mas também se usa informação ofline, obtida através de uma multiplicidade de câmaras de video-vigilância associadas a sistemas de reconhecimento facial.

No enorme país em causa, em que o sistema começou a ser implementado em 2014, foram feitos testes em algumas cidades e daqui a dois anos cobrirá o território.

Omito a identificação do país porque, apesar da sua distância geográfica, o sistema não ficará restrito às suas fronteiras, avançará pelo mundo fora. De resto, ele não nos é completamente estranho: há, lamentavelmente, entre nós, múltiplos indícios. Mas, também, há entre nós quem tenha o discernimento de o achar incompatível com os direitos humanos que reconhecemos como fundamentais e que marcam indelevelmente o estado civilizacional que conseguimos alcançar.

Assim, são gratificantes as palavras de João Romão, significando elas um sinal de esperança de que situando-se no campo da tecnologia revela um apurado sentido ético.
"(...) o Estado define qual o comportamento moral e eticamente aceitável que a população deve ter (...) e a partir daí beneficia ou prejudica quem cumprir ou não (...) Este sistema discrimina as pessoas (...) é altamente segregador (...) as pessoas não vão poder comunicar umas com as outras livremente por medo de deixarem de ter acesso a uma viagem, a uma reserva num restaurante (...). É um big brother, é um estado de vigilância permanente online e ofline que visa garantir a sinceridade e a honestidade, é um sistema de controlo (...) Caso continue a ser implementado aumenta as desigualdades (...). Cerca de 70% das pessoas aceitam o sistema, o que significa que vai haver (...) menos crimes, menos comportamentos indesejados, que no final do dia as coisas são melhores, o que vai contribuir para duas coisas: primeiro, a opinião pública aprova porque não tem a sensação de que os seus direitos estão a ser violados; segundo, aqueles que não cumprem vão ser esquecidos, vão deixar de aparecer nos mesmos sítios, vão deixar de ter acesso às mesmas coisas, vão deixar de aparecer nas escolas, nos empregos, em todos os sítios (...) os problemas que não se vêem deixam de existir. E vai haver aqui uma separação entre as pessoas que cumprem e as que não cumprem, que são marginalizadas e para as pessoas que cumprem o mundo está muito melhor".

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