segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Minha entrevista ao JL sobre o Mês da Educação e Ciência da Fundação Francisco Manuel dos Santos

Entrevista feita por Manuel Halpern no Jornal de Letras /Educação ):

 Novembro é o mês da Educação e da Ciência, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). Uma iniciativa que leva oito conferências (quatro de Educação e quatro de Ciência), seguidas de debates, a palcos do norte a sul do país, incluindo a Região Autónoma da Madeira. Juntam-se especialistas portugueses e estrangeiros, de diversas áreas, para aprofundar e debater ideias sobre assuntos tão atuais quanto as novas tecnologias ou a necessidade de distinguir ciência de pseudociência. O JL falou com o primeiro responsável pela organização deste ciclo, Carlos Fiolhais - 62 anos, físico, prof. catedrático da Universidade de Coimbra, de cuja Biblioteca Geral foi diretor e onde dirige o Centro de Física Computacional e o "Rómulo", Centro de Ciência Viva, com uma vasta e premiada obra como cientista e, sobretudo, divulgador de Ciência, com mais de 4o livros publicados.

 JL: Quais são os principais objetivos deste mês da Educação e da Ciência da FFMS? 

Carlos Fiolhais: Desde 2010 que a Fundação promove o mês da Educação. E desde há cinco, seis anos que há o mês da Ciência. A novidade este ano é que juntámos os dois. Pelo que, a primeira mensagem é que as duas coisas andam juntas.

 Porque resolveram juntá-las? 

Primeiro porque a Educação transmite Ciência, não só o corpo de conhecimentos, mas também o método para adquiri los. Por outro lado, a Ciência exige Educação, ninguém pode chegar a conhecimentos novos sem ter recebido os conhecimentos existentes. A educação é um fenómeno social, um meio que a sociedade inventou para preparar pessoas para a vida. assim sendo, pode também ser estudada pelas ciências. Por exemplo, as Neurociências avançaram tão extraordinariamente que é altura da Ciência da aprendizagem poder dizer alguma coisa sobre o melhor modo como se aprende e ensina. Queremos reforçar esta ligação. Por isso temos quatro conferências de Educação e quatro de Ciência, mas com ligações óbvias entre as áreas.

Aliás, o ciclo já começou. De que se tem falado? 

Na Educação, falámos de o que é a inovação e a criatividade nas escolas. Sobre a relação entre a inovação e conhecimento. Tivemos uma educadora britânica, a Daisy Christodoulou, que nos disse que não se pode transmitir a atividade em abstracto, esta deve ser sempre baseada em conhecimentos concretos. Em diálogo com ela, tivemos o professor Rui Lima, que defende que o ensino do primeiro ciclo se deve basear mais em projetos.

O público essencial são professores? 

Sim, temos já essa tradição de chegar aos professores, ao vivo, ou online. Nesta última conferência houve muitos . Mas os pais e as famílias e os políticos e gestores de Educação são também o nosso alvo. E queremos chegar aos próprios intervenientes, os jovens. A conversa de ontem, no Teatro Viriato, já foi com estudantes do ensino secundário. O tema foi Ciência e Pseudociência, a diferença entre verdade e mentira. Temos um mundo inundado dos chamados factos alternativos. E há um médico britânico, Ben Goldacre, colunista do The Guardian, que nos vem falar daqueles que querem fazer passar por ciência o que realmente não é. Ele tem um livro chamado Ciência da Treta G G Quando o poder se casa com a ignorância é explosivo. E pode explodir-nos na cara. Nós queremos evitá-lo. Só há uma alternativa: mais educação e mais ciência e outra Farmacêuticas da Treta, onde demonstra que há meio mundo a querer enganar a outra metade.

 E mais à frente? O que a ainda se pode assistir? 

No final do mês, vamos ter um sobre Neurociência, pelo neurolinguística José Morais e e pela prof.a Joana Rato, onde vamos tentar compreender como é que se aprende e ensina melhor. Haverá meios preferenciais para aprender melhor? O que será que as ciências do cérebro nos podem dizer sobre isso? Esse vai ser o debate que vamos ter em Coimbra. Depois, o programa de Educação termina no final de novembro, na Business School de Carcavelos, com um professor da Universidade de Virginia, de cerca de 90 anos, Eric Hirsch, a falar sobre a escola, conhecimento e sociedade digital. A questão é saber, neste mundo em que a informação circula à velocidade da luz, como é que a escola vai fazer para transformar essa informação em conhecimento. Ou seja, informação há muita, mas temos de usar a que aparece no Google de forma criteriosa. O algoritmo funciona por popularidade, mas a popularidade não é critério de verdade. Há ainda uma outra conferência, no Liceu Camões, sobre o currículo da matemática, um professor de Michigan, William Schmidt. Ele vem falar de um problema: como e o que deve ser ensinado na matemática? Será um debate entre duas correntes.

E na ciência? 

Peter Atkins, professor de físico- -química e escritor best-seller, vai debruçar-se sobre a inquietações metafísicas da criação. Será que com o conhecimento que temos de ciência podemos dizer coisas sobre o início do mundo? Sobre a passagem do nada para o ser? Como aparece a natureza e as suas leis?

Outra conferência será em Aveiro, com cientistas da rede GPS - Global Portuguese Scientists, formada pela FFMS. Pedimos a três cientistas portugueses que estão lá fora, para falar-nos sobre os humanos do futuro. Nos laboratórios estão a desenhar-se soluções que vão aparecer na nossa vida corrente. Soluções, por exemplo, para enfrentar doenças. Dou um exemplo: a inteligência artificial no tratamento de dados, para nos permitir tirar conclusões nos meios diagnósticos e de tratamento. Vêm apresentar- -nos questões de medicina, o que se está a fazer na fronteira do conhecimento, e que poderemos beneficiar no futuro.

E também vão à Madeira, numa conferência que está diretamente ligada com o próprio arquipélago. De que se trata? 

As ilhas são sítios muito particulares para o estudo da Biologia e sobretudo da teoria da evolução. Quando se introduzem novas espécies, tornam-se em laboratórios vivos. Apesar de nunca ter estado lá, Darwin fala várias da ilha, a propósitos dos relatos de naturalistas que fizeram um levantamento sobre fauna e flora. Assim, vamos ter dois cientistas portugueses a falar sobre Darwin e a Madeira.

Quais são as expectativas de repercussão das conferências? 

Já temos alguma experiência da realização deste tipo de conferência. Conseguimos atingir um grande número de pessoas direta ou indiretamente. Estas são iniciativas ligadas à Educação e à Ciência que vêm da sociedade civil. Por isso queremos trazer novas ideias, novas pessoas, usamos os dados da Pordata e levar isso ao maior número possível de pessoas, para que tenham opiniões mais informadas. Dou um exemplo claro das carência da sociedade portuguesa. Vivemos na sociedade do conhecimento mas sem conhecimentos suficientes. Olhamos para a Pordata e verificamos que um dos índice mais dramáticos é o da população ativa sem ensino secundário ou superior. Em Portugal 52% não tem escolaridade suficiente. Na Europa, a média é de 22.%. É uma catástrofe. Sem chegar ao conhecimento não podemos chegar à riqueza. O drama é esse, não a falta de petróleo. O petróleo é a capacidade dos nossos cérebros tirarem conclusões através do informação que existe. Aqui estamos em penúltimo lugar no ranking europeu. Na Lituânia só 5% das pessoas não tem o ensino secundário ou superior.

 Em Portugal houve uma grande evolução no período democrático, mas o que falta para chegar a esses patamares? 

Quer na Educação quer na Ciência houve uma grande evolução desde 1974. E em 1986 houve ajudas grandes vindas da União Europeia, canalizadas para essas áreas. O que faz falta é continuar no mesmo caminho. Aqui não há uma revolução com um clique. Nem é comprando equipamentos para carregar no botão e haver milagres. Há renovações geracionais a fazer. Isto não se resolve de forma automática. Pode haver formação de adultos, mas isso não se faz de maneira universal. Tem de haver melhor escola e mais escola para mais gente. É verdade que diminuímos o abandono escolar, mas ainda assim estamos atrás da média europeia. Aumentámos o número de pessoas licenciadas, mas mesmo assim, no intervalo entre 30 e 34 anos, estamos atrás da média europeia. É preciso continuar pelo mesmo caminho, não podemos abandonar a corrida. Isto não se faz por iluminação de nenhum governo, mas tendo a consciência social da existência do problema. É uma ilusão acharmos que temos doutores a mais. Pessoas com melhor formação, em princípio, poderão fazer melhores escolhas, a todos os níveis. Quem não tem educação corre o risco de ter outros a  escolher o seu destino.

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