Entrevista feita por Manuel Halpern no Jornal de Letras /Educação ):
Novembro é o mês da Educação
e da Ciência, da Fundação
Francisco Manuel dos Santos
(FFMS). Uma iniciativa que leva
oito conferências (quatro de
Educação e quatro de Ciência),
seguidas de debates, a palcos do
norte a sul do país, incluindo a
Região Autónoma da Madeira.
Juntam-se especialistas portugueses
e estrangeiros, de diversas
áreas, para aprofundar e debater
ideias sobre assuntos tão atuais
quanto as novas tecnologias
ou a necessidade de distinguir
ciência de pseudociência. O JL
falou com o primeiro responsável
pela organização deste ciclo,
Carlos Fiolhais - 62 anos, físico,
prof. catedrático da Universidade
de Coimbra, de cuja Biblioteca
Geral foi diretor e onde dirige o
Centro de Física Computacional
e o "Rómulo", Centro de Ciência
Viva, com uma vasta e premiada
obra como cientista e, sobretudo,
divulgador de Ciência, com mais
de 4o livros publicados.
JL: Quais são os principais
objetivos deste mês da Educação e
da Ciência da FFMS?
Carlos Fiolhais: Desde 2010 que
a Fundação promove o mês da
Educação. E desde há cinco, seis
anos que há o mês da Ciência. A
novidade este ano é que juntámos
os dois. Pelo que, a primeira
mensagem é que as duas coisas
andam juntas.
Porque resolveram juntá-las?
Primeiro porque a Educação
transmite Ciência, não só o
corpo de conhecimentos, mas
também o método para adquiri los.
Por outro lado, a Ciência
exige Educação, ninguém
pode chegar a conhecimentos
novos sem ter recebido os
conhecimentos existentes.
A educação é um fenómeno
social, um meio que a sociedade
inventou para preparar pessoas
para a vida. assim sendo,
pode também ser estudada
pelas ciências. Por exemplo,
as Neurociências avançaram
tão extraordinariamente
que é altura da Ciência da
aprendizagem poder dizer
alguma coisa sobre o melhor
modo como se aprende e
ensina. Queremos reforçar esta
ligação. Por isso temos quatro
conferências de Educação e
quatro de Ciência, mas com
ligações óbvias entre as áreas.
Aliás, o ciclo já começou. De que
se tem falado?
Na Educação, falámos de o que
é a inovação e a criatividade nas
escolas. Sobre a relação entre
a inovação e conhecimento.
Tivemos uma educadora
britânica, a Daisy Christodoulou,
que nos disse que não se pode
transmitir a atividade em
abstracto, esta deve ser sempre
baseada em conhecimentos
concretos. Em diálogo com ela,
tivemos o professor Rui Lima, que
defende que o ensino do primeiro
ciclo se deve basear mais em
projetos.
O público essencial são
professores?
Sim, temos já essa tradição
de chegar aos professores, ao
vivo, ou online. Nesta última
conferência houve muitos . Mas os
pais e as famílias e os políticos e
gestores de Educação são também
o nosso alvo. E queremos chegar
aos próprios intervenientes,
os jovens. A conversa de
ontem, no Teatro Viriato, já
foi com estudantes do ensino
secundário. O tema foi Ciência e
Pseudociência, a diferença entre
verdade e mentira. Temos um
mundo inundado dos chamados
factos alternativos. E há um
médico britânico, Ben Goldacre,
colunista do The Guardian, que
nos vem falar daqueles que
querem fazer passar por ciência o
que realmente não é. Ele tem um
livro chamado Ciência da Treta
G G
Quando o poder se
casa com a ignorância
é explosivo. E pode
explodir-nos na cara.
Nós queremos evitá-lo.
Só há uma alternativa:
mais educação e mais
ciência
e outra Farmacêuticas da Treta,
onde demonstra que há meio
mundo a querer enganar a outra
metade.
E mais à frente? O que a ainda se
pode assistir?
No final do mês, vamos ter
um sobre Neurociência, pelo neurolinguística José Morais e
e pela prof.a Joana Rato, onde
vamos tentar compreender como
é que se aprende e ensina melhor.
Haverá meios preferenciais para
aprender melhor? O que será
que as ciências do cérebro nos
podem dizer sobre isso? Esse vai
ser o debate que vamos ter em
Coimbra. Depois, o programa
de Educação termina no final de
novembro, na Business School de
Carcavelos, com um professor da
Universidade de Virginia, de cerca de 90
anos, Eric Hirsch, a falar sobre a
escola, conhecimento e sociedade
digital. A questão é saber, neste
mundo em que a informação
circula à velocidade da luz, como
é que a escola vai fazer para
transformar essa informação
em conhecimento. Ou seja,
informação há muita, mas temos
de usar a que aparece no Google
de forma criteriosa. O algoritmo
funciona por popularidade, mas
a popularidade não é critério de
verdade.
Há ainda uma outra conferência,
no Liceu Camões, sobre
o currículo da matemática, um
professor de Michigan, William
Schmidt. Ele vem falar de um
problema: como e o que deve ser
ensinado na matemática? Será um
debate entre duas correntes.
E na ciência?
Peter Atkins, professor de físico-
-química e escritor best-seller, vai
debruçar-se sobre a inquietações
metafísicas da criação. Será que
com o conhecimento que temos
de ciência podemos dizer coisas
sobre o início do mundo? Sobre
a passagem do nada para o ser?
Como aparece a natureza e as suas
leis?
Outra conferência será
em Aveiro, com cientistas da
rede GPS - Global Portuguese
Scientists, formada pela FFMS.
Pedimos a três cientistas portugueses
que estão lá fora, para
falar-nos sobre os humanos do
futuro. Nos laboratórios estão a
desenhar-se soluções que vão
aparecer na nossa vida corrente.
Soluções, por exemplo, para
enfrentar doenças. Dou um
exemplo: a inteligência artificial
no tratamento de dados, para
nos permitir tirar conclusões
nos meios diagnósticos e de
tratamento. Vêm apresentar-
-nos questões de medicina, o
que se está a fazer na fronteira do
conhecimento, e que poderemos
beneficiar no futuro.
E também vão à Madeira, numa
conferência que está diretamente
ligada com o próprio arquipélago.
De que se trata?
As ilhas são sítios muito particulares
para o estudo da Biologia e
sobretudo da teoria da evolução.
Quando se introduzem novas
espécies, tornam-se em laboratórios
vivos. Apesar de nunca
ter estado lá, Darwin fala várias
da ilha, a propósitos dos relatos
de naturalistas que fizeram um
levantamento sobre fauna e flora.
Assim, vamos ter dois cientistas
portugueses a falar sobre Darwin
e a Madeira.
Quais são as expectativas de
repercussão das conferências?
Já temos alguma experiência
da realização deste tipo de
conferência. Conseguimos
atingir um grande número de
pessoas direta ou indiretamente.
Estas são iniciativas ligadas à
Educação e à Ciência que vêm
da sociedade civil. Por isso
queremos trazer novas ideias,
novas pessoas, usamos os dados
da Pordata e levar isso ao maior
número possível de pessoas,
para que tenham opiniões mais
informadas. Dou um exemplo
claro das carência da sociedade
portuguesa. Vivemos na
sociedade do conhecimento mas
sem conhecimentos suficientes.
Olhamos para a Pordata e
verificamos que um dos índice
mais dramáticos é o da população
ativa sem ensino secundário
ou superior. Em Portugal 52%
não tem escolaridade suficiente.
Na Europa, a média é de 22.%.
É uma catástrofe. Sem chegar
ao conhecimento não podemos
chegar à riqueza. O drama é esse,
não a falta de petróleo. O petróleo
é a capacidade dos nossos
cérebros tirarem conclusões
através do informação que existe.
Aqui estamos em penúltimo lugar
no ranking europeu. Na Lituânia
só 5% das pessoas não tem o
ensino secundário ou superior.
Em Portugal houve uma grande
evolução no período democrático,
mas o que falta para chegar a
esses patamares?
Quer na Educação quer na
Ciência houve uma grande
evolução desde 1974. E em 1986
houve ajudas grandes vindas
da União Europeia, canalizadas
para essas áreas. O que faz falta
é continuar no mesmo caminho.
Aqui não há uma revolução com
um clique. Nem é comprando
equipamentos para carregar
no botão e haver milagres. Há
renovações geracionais a fazer.
Isto não se resolve de forma
automática. Pode haver formação
de adultos, mas isso não se faz de
maneira universal. Tem de haver
melhor escola e mais escola
para mais gente. É verdade que
diminuímos o abandono escolar,
mas ainda assim estamos atrás da
média europeia. Aumentámos o
número de pessoas licenciadas,
mas mesmo assim, no intervalo
entre 30 e 34 anos, estamos atrás
da média europeia. É preciso
continuar pelo mesmo caminho,
não podemos abandonar a
corrida. Isto não se faz por
iluminação de nenhum governo,
mas tendo a consciência social
da existência do problema.
É uma ilusão acharmos que
temos doutores a mais. Pessoas
com melhor formação, em
princípio, poderão fazer
melhores escolhas, a todos os
níveis. Quem não tem educação
corre o risco de ter outros a escolher o seu destino.
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