Diz o povo que não há duas sem três,
mas António Piedade diz que não há três sem quatro e que não há quatro sem
cinco. Este é o quinto volume da série Íris Científica, que são colectâneas de
crónicas sobre ciência escritas por aquele autor para órgãos da imprensa
regional, principalmente o Diário de
Coimbra, onde mantém uma colaboração regular há vários anos. O primeiro volume saiu em 20o5, na editora
Mar da Palavra. Ainda me lembro de ter
estado no Museu Nacional da Ciência e da Técnica Doutor Mário Silva nesse ano,
que ficou assinalado como o Ano Internacional da Física para se celebrarem os
cem anos dos principais trabalhos de Albert Einstein. O segundo, após uma pausa,
saiu em 2014, em edição de autor. O terceiro em 2016 e o quarto em 2017, os
dois também em edição de autor, o que torna os livros raridades bibliográficas.
O título permanece o mesmo, porque se trata de abrir os olhos a realizações da
ciência. O título significa que entra luz. Íris é a parte colorida do olho,
cuja função é controlar a quantidade luz que entra no olho. Essa função é comprida abrindo e fechando o
orifício central da íris chamado pupila. A íris está para a pupila, como, numa
máquina fotográfica, o diafragma está para a abertura. A minha íris deixa,
neste momento, entrar a luz que vem das capas dos primeiros quatro Íris científicas, que estão sobre
a minha secretária, todas elas variando na cor, mas sempre mostrando imagens
científicas.
Desde 2011 que o António Piedade,
bioquímico de formação, tem dinamizado o projecto “Ciência na Imprensa Regional”,
apoiado pela Agência Ciência Viva para a promoção da cultura científica e
tecnológica (http://imprensaregional.cienciaviva.pt/), uma ideia muito original que
consiste em oferecer aos jornais regionais e, portanto, ao público generalista espalhado
por todo o território nacional, e também na emigração, oportunos artigos de
divulgação da ciência, escritos por cientistas ou por comunicadores de
ciência. Não, a Internet não acabou com
os jornais em papel que são de norte a sul no Portugal Continental, e também
nas ilhas e na Diáspora, vozes de comunidades locais. Essa imprensa tem
mostrado uma notável capacidade de sobrevivência, que se deve em larga medida à
sua grande proximidade às populações. Por exemplo, O Açoriano Oriental, publicado em Ponta Delgada, Açores, e incluído
no catálogo do referido projecto, tem saído pontualmente desde 1835, sendo por
isso o mais antigo jornal português com publicação contínua e um dos mais
antigos do mundo. Os textos sobre ciência do António e de outros autores
portugueses, entre os quais me incluo com muito gosto, têm saído em jornais
regionais de todo o país. Isso significa que a ciência está próxima das
pessoas, onde quer que elas se encontrem.
Dou os meus parabéns ao autor por porfiar ao fim de sete anos nessa
admirável tarefa de disseminar a ciência em jornais de pequena circulação, mas
de grande impacto afectivo, como o Correio
do Minho, O Campeão das Províncias
e a Voz do Algarve, entre muitos
outros. Já merece o prémio “Ciência nos Media.”
Este quinto volume continua os
anteriores porque a ciência continua viva, tal como a necessidade de comunicar
ciência. Temos ciência, mas precisamos de mais ciência. Continuam, portanto, as
saborosas crónicas curtas do autor sobre variados temas científicos,
aproveitando uma efeméride ou uma novidade, as quais, desde o terceiro volume, aparecem
nos livros arrumadas em dois grandes capítulos: “Além no espaço” e “Aqui na
Terra”. A Astronomia é um dos temas predilectos do António, de acordo aliás ao interesse
do público. O espaço longínquo e longevo é um grande mistério a cujo
conhecimento todos nós aspiramos. Por exemplo, neste volume o autor trata os
recentemente descobertos exoplanetas, que são planetas como os que existem no
sistema solar, mas situados bem mais longe de nós (andamos à procura de novas
Terras, onde eventualmente possa haver vida), e o maior telescópio de luz
visível que temos hoje à disposição na Terra, que se situa em altas montanhas
do Chile e, pelo seu tamanho, é justamente chamado Very Large Telescope. Por
outro lado, em “Aqui na Terra” o António fala-nos das causas dos terramotos,
como aqueles que causam devastadores tsunamis,
e desvenda-nos alguns dos impressionantes progressos da genómica, como aqueles
que são trazidos pela sequenciação completa dos genomas do trigo, do sobreiro e
dos seres humanos. A moderna bioquímica
revelou-nos que o código genético permite uma descrição unificada de todas as
plantas e animais, estando nós incluídos
neste segundo grupo: por fazermos parte da gigantesca “árvore da vida”,
somos ao fim e ao cabo parentes do trigo e do sobreiro. O autor fala também de
avanços na medicina e farmácia, como o diagnóstico e tratamento do cancro ou o
uso de novos antibióticos para debelar doenças, por saber que os humanos têm
uma natural preocupação com a sua saúde. Qualquer que seja o tópico, o António
procura destacar a ciência portuguesa, isto é, a ciência feita por portugueses,
reflectindo o facto de hoje termos excelente ciência em Portugal numa variedade
de domínios.
Realço o uso adequado da língua
portuguesa. António Piedade escreve bem. Não só constrói e encadeia as frases
com a nítida preocupação da legibilidade como, mais do que isso, nota-se aqui e
ali o que poderei chamar “leveza poética”. Na senda de Galileu, cuja prosa subia
alto quando se tratava de descrever a Lua que ele via com o seu telescópio,
também aqui a prosa parece levitar quando a íris do autor se foca em temas,
sejam do espaço ou da Terra, que nos fazem subir acima das comezinhas questões do
dia-a-dia. A ciência eleva-nos e a linguagem pode e deve ajudar nesse processo!
Por último deixo uma nota que tem uma
marca pessoal, por eu ter um particular carinho por livros de divulgação de ciência,
como aqueles que hoje enchem as estantes do RÓMULO - Centro Ciência Viva da
Universidade de Coimbra (alguns deles vindos do extinto Museu Nacional da
Ciência e da Técnica). Algumas das crónicas deste volume debruçam-se sobre livros
desse tipo, designadamente sobre obras desses gigantes contemporâneos da
escrita a cujos ombros nós, leitores, subimos que são Hubert Reeves, Carl Sagan
e Stephen Hawking. Como na imprensa portuguesa, seja ela nacional ou regional,
quase não se encontram críticas de livros de ciência vejo com gosto aqui
arquivados, sob a forma que espero perene do papel, algumas recensões de livros
dessa índole, em particular da colecção “Ciência Aberta”, da Gradiva, que tenho
actualmente orgulho em dirigir. A minha vocação para a ciência despertou por
via da leitura de livros de ciência e espero não constituir caso isolado. Os livros
de ciência alimentam a nossa curiosidade.
Apesar de muitas destes escritos terem
saído em jornais entretanto deitados fora, ou estarem reproduzidos algures nessa
imensa Babel que é a Internet (nomeadamente no blogue De Rerum Natura, para o qual o António e eu contribuímos), o leitor
deve dar-se por feliz por os ter ao alcance da sua íris, sob a forma tão ergonómica
de livro. Assim como serão felizes os vindouros cujas íris os encontrem. Um
livro é uma máquina do tempo: chegará
garantidamente às próximas gerações, permitindo-lhes saber quem as precedeu.
Boas leituras, qualquer que seja o tempo em que forem feitas!
Nota: encomendas de livros autografados pelo autor podem ser solicitadas pelo email apiedade@ci.uc.pt
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