sexta-feira, 13 de maio de 2016

Hans Magnus Enzensberger



Mausoléu, livro publicado em 1975 por Hans Magnus Enzensberger, é composto por 37 baladas que correspondem a 37 revolucionários,  alguns apóstolos e/ou técnicos, como diria Roger Martin du Gard, e outros cientistas.
Por exemplo, na astronomia, encontramos o cosmopolita de nariz decepado  Tycho Brahe e a sua supernova 1572; Charles Messier, o descobridor da galáxia M31, que chegava ao ponto de chorar a perca de um cometa. Na fisiologia, Étienne Marey, o fisiologista com a íris cega e cor de brometo de prata, inventor do cronógrafo e do cronofotógrafo (filmara o voo de uma gaivota, ou de um pelicano?!, e a pedalada de um ciclista.) Na realização cinematográfica, o pai do guião, do estúdio, enfim, do cinema, George Méliès com o seu ar de proprietário de circo de pulgas. E, na matemática, a escolha do poeta alemão recaiu no solteirão exasperado Charles Babbage, o inventor da máquina analítica, e em Alan Turing, o projetor da máquina universal de Turing, a MTU.
 
A.M.T


É sabido que nunca leu um jornal; que ele próprio tricotava as suas luvas; que perdia constantemente malas, livros, casacos; e que, quando quebrava à mesa o seu silêncio pertinaz, ou gaguejava estridentemente ou desatava a rir como uma gralha. Os olhos eram de um azul brilhante anorgânico, como um vidro pintado.
Bem, imaginemos então uma máquina automática A capaz de simular toda e qualquer outra máquina automática An. A é uma caixa negra alimentada por uma tira de papel sem fim; esta fita é o mundo exterior da máquina. Está dividida em campos, estando cada um deles, ou vazio ou marcado com um sinal. Imaginemos agora que A lê pacientemente um campo atrás do outro, faz andar a fita para o campo seguinte ou anterior e\ou apaga um sinal e\ou acrescenta um sinal; e chamamos a este aparelho, do nome do seu inventor, uma máquina de Turing.
Sabemos também que ele se isolava, tomando as suas precauções; que usava roupa andrajosa, viajava na entrecoberta, dormia em espeluncas. Estava claramente empenhado em se apagar. Uma noite, na sua casa de campo, uma barraca decrépita, envenenou-se, talvez por engano, com cianeto de potássio, como num romance de Agatha C.. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é pura coincidência.

É também geralmente aceite que toda a máquina automática especial, que calcule órbitas de satélites, escreva mazurcas ou gere outras máquinas, é apenas um caso particular de An de A. Isto aplica-se também aos casos em que An é duas vezes maior ou x-vezes mais complexa do que A.Ele próprio fazia as suas rodas dentadas, num torno que tinha na cave. Cansado dos meios de transporte públicos, andava por vezes milhas e milhas a pé pelos campos. Costumava reparar rádios e outros aparelhos com arames. Os serviços secretos admiravam-no, porque era capaz de furar qualquer código. Mas perdia facilmente os sentidos, mesmo sem razão aparente.

Temos perfeita consciência de que é impossível antecipar, sem falhas, as soluções que a máquina é capaz de dar e as que não é. Qualquer sistema fechado suficientemente complexo contém postulados indecidíveis. Poderá parecer ridículo, mas é um facto que a prova só pode ser fornecida pela prova. De resto, estamos convencidos de que a máquina automática universal será infinitamente lenta, e nunca foi construída.
 
Seja como for, costumava andar de bicicleta à chuva; e achava prático atar um despertador de cozinha ao cinto e pôr uma máscara de gás; o primeiro para ser pontual, a segunda, por medo de apanhar febre dos fenos, pois sofria de asma. Seja como for, é um aspeto humano que nos tranquiliza. Por que razão evitava sempre tocar na pele de outras pessoas, sem distinções de sexo, é coisa que não podemos saber.


Mas quanto à máquina de Turing, sugerimos uma experiência. Um de nós – vamos chamar-lhe B – entra em contato com ela (por meio de um dispositivo de visualização de dados ou do telégrafo). C, um censor, tem por missão vigiar o diálogo. A simula um indivíduo, e o mesmo acontece com B; e C tem de decidir qual deles é o indivíduo e qual a máquina. Vamos chamar a este esquema experimental, usando o nome do inventor, um teste de Turing.


Na arte dos autómatos é possível produzir obras de arte sem que se construa ou manipule qualquer máquina, do mesmo modo que se podem conceber métodos de calcular a órbita de uma astro que nunca vimos (Condorcet).

De cada vez que a máquina se deixa apanhar (ou porque cometeu um erro, ou porque não cometeu erro nenhum), ela aperfeiçoa o seu programa. Está sempre a aprender. A questão é saber quando é que o jogo vai acabar. Não respondemos a esta pergunta, mas constatamos que o jogo pode durar muito tempo, e que nunca foi jogado.

De qualquer modo, mantém-se o boato segundo o qual era possível, especialmente em certos dias de Outubro, vê-lo nos arredores de Cambridge, atravessando campos de restolho, num ziguezague imprevisível através do nevoeiro.
 
Editora: Cotovia
Tradução: João Barrento

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