Falo de privacidade, de reserva da vida privada e íntima, do direito de estar só... essa invenção que decorre de uma necessidade humana básica: se enveredarmos por uma abordagem histórica, e antropológica e etnográfica, percebemos que a privacidade, não obstante assumir diversas manifestações, tem marcado presença ao longo do tempo e em todas as culturas.
É certo que também tem sido uma constante a tentativa de a superar, de conhecer o "outro" (entendido como uma pessoa ou um grupo mais restrito ou mais alargado) no que lhe é mais reservado, de saber o que faz, diz ou pensa. E isto, sobretudo, como curisiosidade (quem é o outro, o que pode esconder...) e de controlo (prever os comportamentos do outro, conseguir informações que podem jogar a seu desfavor...).
Estas forças de sentido contrário obrigararam a regulação, social e legal, das fronteiras entre o público e o privado. Porém, na contemporaneidade, num quadro do pensamento pós-moderno que, qual capacete, usamos em todas as circunstâncias, qualquer regra é tornada subjectiva e relativa, passando a não valer nada. Acresce que, com os meios técnicos que conseguimos construir e que temos disponíveis, ao acesso de qualquer um, podemos observar tudo e todos a todo o momento. As únicas fronteiras são éticas e, essas, quem as reconhece "passa fome", palavras muitíssimo verdadeiras de uma famosa apresentadora de televisão portuguesa.
Nesta matéria, a técnica é mesmo muito rentável é, portanto, aplaudida: quem inventa artimanhas de captação do rasto, da identificação, da expressão de alguém é reconhecido, ganha prémios.
Fotografia (manipulada) de Gail Albert Halaba |
Isoldamente, uma ou outra voz desafia este princípio. Talvez não seja o suficiente, mas é sinal de que ele é interrogado.
Tive, agora, conhecimento da voz, em forma de arte, de Gail Albert Halaban (aqui). Para fazer notar a "falta de privacidade nas cidades", fotografou janelas de prédios de Nova Iorque e Paris e compôs imagens com pessoas do lado de dentro. O resultado, que o leitor pode apreciar aqui, não nos deveria deixar indiferentes.
1 comentário:
Prof.Helena Damião:
Penso que tem razão nas considerações que faz sobre a questão da privacidade. Contudo quanto ás janelas não tapadas não sei se a causa será a mesma. Na minha experiência pessoal de vida em países como a inglaterra, a Suécia,a Dinamarca verifiquei que as janelas, regra geral, não têm cortinados e pode observar-se o que se passa dentro de casa das pessoas. O que para nós portugueses é, de início, muito estranho e até desconfortável.Tendo questionado amigos desses países sobre esse facto responderam que tinha a ver com questões ligadas à religião protestante: quem não tem nada a esconder, não esconde; partem também do princípio de que não se olha para dentro decasa dos outros.
Lembrei-me agora do filme «Janela Indiscreta», de Hitchock...
Cumprimentos,
Luísa Almeida, Lisboa
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