(Fachada da ex-Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque de Lourenço Marques)
“O Homem pensa como o corpo todo” (Ernest Kerstchemer, psiquiatra alemão e “doutor honoris causa”em Filosofia).
Muito hesitei em
responder ao autor do comentário aqui publicado, como o título “Para a
Posteridade e mais Além” (31/03/2013), ao meu post ”Sobre a Ordem dos
Professores e ‘In Memorian’ de João Boaventura’” (29/03/2013).Mas para que não subsista a menor dúvida ou
suspeita sobre o respeito que dedico a quem se valorizou cultural, profissional
e eticamente pelo antigo ensino técnico sem necessidade de novas oportunidades
ou licenciaturas e mestrados de puro oportunismo. Ou seja, quando o fez com “sangue, suor e lágrimas” de um ensino exigente que não atribuía diplomas
como quem distribui um bodo aos pobres.
Decidi-me a esta
resposta, ademais, por não ser homem de virar a cara a ditos de humor grosseiro
(ao invés de uma ironia subtil e inteligente).Exemplifico com este seu naco de
prosa: ´”(…) é com este bauptista que acha que um pai é responsável por toda a
inculcação educacional de um filho e deve sentir vergonha quando ela falha”. Afincadamente procurei, neste post, onde teria dito tal coisa que me é atribuída. Debalde! Restou-lhe, portanto, a fidelíssima
e castrense metáfora de me crismar de bauptista com o pensamento na história da
revolução cubana.
Mas vamos ao cerne da questão que pouco abona
pelo desrespeito dos seus comentários a um colega meu que me levou a escrever: “Na sua carta [de
João Boaventura, a transcrever por mim brevemente] subjaz o espírito de uma prosa suportada por
uma cultura invejável (e como lhe assenta como uma luva o provérbio
supracitado: ‘Cada velho que morre é uma biblioteca que arde’). Escreveu, por
seu lado, Abel Salazar, notável médico e professor universitário do Porto : “Um
médico que só sabe de Medicina, nem isso sabe”. “Mutatis mutandi”, um professor
de Educação Física e Desporto que só sabe de desporto nem isso sabe. Mas João
Boaventura, não se quedou pela matéria da sua vida profissional. Foi sócio
fundador da Sociedade de Língua Portuguesa como prova da sua competência
no domínio da língua materna, dominando-a com a destreza de quem bem sabe escrever ( forma) e argumentar (
conteúdo).
Só uma mente apegada
à dicotomia cartesiana de um ser pensante (“res cogitans”) a dominar um corpo
escravo (“res extensa”) pode chegar à conclusão de que os músculos estão na
razão inversa da inteligência, como costumo criticar. Um conceito enraizado em
santa ignorância, ou mesmo em indivíduos que rescendem a falsa intelectualidade.
Ignorantes para quem a destreza e a força físicas
continuam a viver em resquícios de euzebiozinhos retratados pela crítica social do imortal Eça , em “Os Maias””. Por seu turno, Ramalho
Ortigão dedicou uma vastíssima obra de
inegável valor literário em defesa das
práticas corporais, por ele próprio seguidas, quando, por exemplo, escreveu: “Creio que nasci para homem de forças, para Hércules de
feira”. Em tempos mais chegados, Almada Negreiros, tido por Bigotte Chorão,
“talvez, como a personalidade mais completa e complexa e fascinante da cultura
portuguesa do século XX”, escreveu: “É preciso criar a adoração dos músculos". E
os exemplos estão bem longe de esgotados.
Em paciência de Job, “last but not least”, cito, ainda, este seu naco de prosa em que, pelo andar da carruagem, me deseja incluído no rol “de tipos que acham que os
professores licenciados ou douturados são superiores como professores a um mestre
relojoeiro ou um electricista dum colégio de salesianos há umas décadas atrás”.
Nem por sombras, e para o desdizer, nesse seu engano, ou simples precipitação,
transcrevo, por comungar do ponto de vista, de Gustave Le Bon: “Grande número
de políticos ou universitários, carregados de
diplomas, possuem uma mentalidade de bárbaros e não podem, portanto, ter por
guia na vida senão uma alma de bárbaros”.
Entendo que a este respeito, não
devo, nem quero, ser juiz em causa
própria, limitando-me, como reforço, a
apresentar um testemunho que mostra o
meu respeito por diplomas do antigo ensino técnico. Escrevi, então neste blogue, o seguinte post intitulado “A Mística da
Escola Industrial de Lourenço Marques" (05/05/2012). Por acreditar, a exemplo de Pierre-Joseph Proudhon
(1809-1855), que “em todas as decadências o primeiro sintoma é o da decadência do sentimento
da amizade”, reproduzo-o abaixo:
“Como me competia, enviei um mail ao aluno Augusto Martins,
que subscreve a mensagem que será reproduzida no fim deste texto. Nela
solicitava-lhe autorização para a publicação de um valioso testemunho seu,
sobre a “nossa” Escola Industrial de Lourenço Marques, prova viva de uma
perfeita sintonia de amizade e respeito entre professores e alunos.
Clima este
que não é demais enaltecer num período em que os académicos, os
políticos, os professores, os pais e o próprio homem comum, discutem a forma de
inverter o que se passa de mal nas nossas escolas sem, por vezes, terem em
devida conta serem elas o cadinho
em que a sociabilização da juventude encontra um dos esteios mais sólidos
num mundo em declarada decadência de valores ancestrais e em plena
convulsão em que, para utilizar uma imagem desgastada pelo (ab)uso, “ o ter se
sobrepõe ao ser”.
O testemunho
deste aluno transmite-nos a mensagem de que a “Escola Industrial Mouzinho
de Albuquerque”, de Lourenço Marques, foi um alforbre de valores caldeados na sã
e constante convivência estabelecida entre professores e alunos, para
além do estrito cumprimento de horários (a toques estridentes de campainhas),
de regras ditatoriais, obrigação em debitar matéria e servidão a funções
meramente burocrática, etc. Aliás, princípios teorizado por Serras e
Silva (1868-1965), professor catedrático de Medicina da Universidade de
Coimbra, ao defender:
”A
convivência dos mestres e alunos, fora das aulas, pode fornecer elementos
valiosos, no sentido da formação moral, muito mais úteis que as noções
repetidas pelos compêndios, durante as lições. Quantas vocações têm sido
determinadas por esta convivência, de que os nossos mestres são avaros por
costume, por falta de tempo e ocasião. O mestre digno deste nome, que se isola
e se furta ao convívio dos discípulos, é valor que se perde, capital que não
produz. Dar ao estudante o gosto das coisas nobres e delicadas, das coisas
grandes, de grandeza moral, como o sacrifício, a invenção, a utilidade geral, é
fazer obra patriótica, verdadeiramente nacional. A melhor influência do mestre
não é a que se exerce nas aulas, não é a que incide na matéria do exame,
é a que forma o bom senso, o carácter, a que faz respeitar a lei moral”.
Devido à
minha ignorância informática (hoje dá-se-lhe um nome bem menos agreste de
iliteracia!) não chegou esse mail ao seu destino. A insistência
minha, obtive a autorização para a sua publicação com interesse, para além de
tudo o mais, que bem pouco não é, pela referência que faz à mística de
uma saudosa e sempre presente escola na vivência do nosso dia-a-dia.
Sem mais
delongas ou comentários que possam deslustrar por não estarem à altura da
mensagem, depois de obtida hoje essa autorização, aqui estou eu,
jubilosamente, a dela dar o devido destaque transcrevendo-a na íntegra:
“Prezado
Professor Rui Baptista:
Quero começar por lhe endereçar os meus
sinceros agradecimentos pela sua presença na nossa confraternização de sábado
passado. Foi com particular emoção que tive o prazer de lhe dar um respeitoso
abraço, com a consideração que lhe devo, pelo facto de o ter tido como meu
professor. Um desses verdadeiros professores de antanho. Daqueles que, além da
matéria prevista pelo respectivo programa escolar, tinham a capacidade de nos
mostrarem os verdadeiros caminhos que nos estavam reservados pela vida. Acho
que este almoço foi mais uma das ocasiões em que se provou o real valor da
camaradagem e do reconhecimento dos alunos ao seu mestre. Desejo-lhe muita
saúde e a força necessária para continuar a servir-nos de exemplo.
Peço que
aceite os meus mais respeitosos cumprimentos.
Augusto Martins”.
E se a vida de amanhã é o que for a
escola de hoje, como nos legou António José Saraiva – segundo
Eduardo Lourenço, “uma referência chave da cultura
portuguesa"- o exemplo dos alunos da“nossa” Escola
Industrial comprova essa realidade pelos exemplos colhidos neste
testemunho. Bem hajam, portanto, os alunos de um estabelecimento de
ensino que formou gente que faz da gratidão um dos grandes valores dos
seus diplomas”.
Ponto final parágrafo sem antes, porém,
não poder deixar de lhe pedir que leia com atenção, e sem qualquer “parti pris”, a carta de João
Boaventura sobre a Ordem dos Professores por mim a transcrever brevemente.A partir dela melhor poderá ajuizar da injustiça de comentários por si feitos.