sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

ESTA “NOSSA CASA”

Texto que nos foi enviado pelo Professor Galopim de Carvalho e que agradecemos.

É nesta Terra, o Planeta Azul, envolto nos farrapos brancos das nuvens, que reside tudo o que temos: o ar que respiramos, a água que bebemos, o chão que pisamos e nos dá o pão. É só com isto que contamos para viver, nós, os nossos filhos e netos e as gerações que lhes possam suceder.

É, pois, fundamental, conhecer melhor esta “nossa casa” que nos transporta através da imensidão do espaço, à velocidade de 30 Km por segundo.

O nosso Planeta, velho de quase quatro mil e seiscentos milhões de anos, lar da biodiversidade, incluindo a humanidade inteira, não foi sempre como hoje o conhecemos. Esta nossa Terra é o resultado de uma longa e complexa evolução, e o homem é o fruto mais jovem dessa mesma evolução, numa cadeia imensa de interrelações em que participaram as rochas, a água, o ar e todos os seres vivos. A geologia mostra, com efeito, que a litosfera, a hidrosfera, a atmosfera e a biosfera, interagiram ao longo de milhões e milhões de anos. E o resultado dessa interacção é o mundo em que vivemos.


Na nossa sociedade, dita de desenvolvimento e em vias de globalização, em que o poder político se submete desavergonhadamente ao poder do dinheiro, em que se privatizam os lucros da produção, tantas vezes poluente, e se socializam os efeitos negativos dessa poluição, interessa ao cidadão conhecer melhor esta “nossa casa”, a fim de bem avaliar os problemas que se lhe põem no seu relacionamento com o ambiente natural.

O grau de complexidade da matéria a que chegámos foi crescente desde o início do tempo, isto é, nos cerca de 13 700 milhões de anos (com uma margem de erro de 200 milhões) de existência do Universo que julgamos conhecer. Das partículas primordiais passou-se aos átomos e, só depois, às moléculas, cada vez mais complexas. A partir destas, a evolução caminhou no sentido das células mais primitivas, que fizeram a sua aparição na Terra há mais de 3 800 milhões de anos, através de uma cadeia, inicialmente abiótica, de estádios progressivamente mais elaborados, onde o ensaio e o erro tiveram a seu favor 75% ou mais dessa enormidade de tempo.

Dos seres unicelulares mais rudimentares aos primeiros metazoários, surgidos há cerca de 600 milhões de anos (fauna de Ediacara, na Austrália), foi consumido mais cerca de 20% desse mesmo tempo. Restou, pois, pouco mais de 5% para que, numa nova cadeia de complexidade crescente e a ritmo cada vez mais acelerado, se caminhasse dos invertebrados primitivos à espécie humana.

Do nosso aparecimento no Planeta Azul (onde julgamos ocupar o topo da escala biológica) aos dias de hoje, foi um passo de apenas 0,0001% do tempo universal. Face à eternidade que falta cumprir a este nosso planeta, estimada em mais cerca de cinco a seis mil milhões de anos, a presença do Homem na natureza é ainda extraordinariamente curta, insignificante e, portanto, passível de erro e de extinção, como aconteceu no passado geológico com inúmeras espécies.

O Homem, feito dos mesmos átomos de que são feitas as estrelas, os minerais, as plantas, os outros animais e tudo o mais que existe, é matéria que adquiriu complexidade tal que se assumiu com capacidade de se interrogar, de se explicar e de intervir no seu próprio curso e no do ambiente onde foi “fabricado”. Ele é um estado muito avançado de combinação dessa mesma matéria, capaz de fazer aquilo a que chamamos Ciência, isto é, observar, descrever, relacionar, explicar, induzir, prever. O Homem, na sua possibilidade de adquirir conhecimento e de o transmitir, é a manifestação mais elaborada da realidade física do mundo que conhecemos, na qual foi consumida a totalidade do tempo do universo.

Assim, a Ciência, através do Homem, pode ser entendida também como expoente máximo da matéria que se questiona a si própria. Acreditamos (mas podemos estar enganados) que a natureza “pensa” através do cérebro humano e, assim, podemos aceitar que o Homem dá voz à natureza. Tais capacidades colocam-nos a nós, humanos, numa posição de grande vantagem entre os nossos pares no todo natural.

Podemos, então, perguntar «temos nós o direito de gerir a natureza em nosso proveito, sobrexplorando-a e agredindo-a como tem sido regra, sobretudo a partir da Revolução Industrial, no séc. XIX, e, com particular intensidade, nas últimas décadas?».

O nosso planeta, no quadro em que se nos apresenta hoje, é o resultado de um sem número de vicissitudes, muitas delas catastróficas (vulcanismo, colisões de asteróides e cometas, entre outras), sofridas ao longo da sua velhíssima história. Contudo, e em consonância com o geólogo inglês, James Ephraim Lovelock, na sua hipótese “Gaia”, divulgada em 1972, a Terra é um corpo que se auto-regula e, como tal, sempre soube encontrar resposta a todas essas agressões e vai, sem dúvida, continuar a fazê-lo. Os danos que lhe podemos causar, no mau uso que dela estamos a fazer, é mudar-lhe as condições que nos são favoráveis e que bem conhecemos, dando origem a outras, ainda desconhecidas, que nos poderão ser altamente adversas. Assim, ao atentar contra a natureza, o Homem está, certamente, a atentar também contra si próprio, contra a humanidade.

Numa ânsia desenfreada de lucro e de prazer, a civilização industrial incontrolada pode desencadear uma nova extinção em massa que, certamente, a vitimará a ela também. Porém, o planeta – e os geólogos têm consciência disso – irá prosseguir, mesmo sem a inteligência humana, e acabará por encontrar novos caminhos, em obediência apenas às leis da física, incluindo as do acaso, podendo voltar a ensaiar um outro ser inteligente ou, até, mais inteligente do que esta versão moderna do Homo sapiens, que somos nós. Para tal só necessita de tempo, de muito tempo, e isso não lhe irá faltar. À pergunta generalizada «perante quem deve o Homem prestar contas da maneira como decide articular-se com a natureza?» a resposta é, sem dúvida, «aos outros homens!». É, com efeito, à Sociedade, que cada um de nós tem de responder pelo poder de decisão e pela liberdade de acção que as nossas imensas capacidades nos conferem.

Se o Homem deu voz à natureza, a Sociedade deu-lhe ética e assume-se no direito de estabelecer regras entre os seus pares no usufruto deste vasto condomínio. Sendo certo que a capacidade de intervenção de cada indivíduo, como elemento consciente desta mesma Sociedade, está na razão directa das suas convenientes informação e formação, importa, pois, incrementá-las. E incrementá-las é facultar-lhe o acesso aos conhecimentos que, continuamente, a ciência nos vem revelando.

A. Galopim de Carvalho

Texto adaptado do livro do autor “COMO BOLA COLORIDA – A TERRA, PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE”, Âncora Editora, Lisboa, 2007.

14 comentários:

José Batista disse...

Belíssimo. Actualíssimo. Sereníssimo.

Convinha que também fosse "entendidíssimo".

Essa é a tarefa ingente da Escola.
Mas não apenas dela.

Há quem dê estímulo e exemplo.
Mostremo-nos gratos e à altura. A bem dos nossos filhos e netos.

O Sousa da Ponte - João Melo de Sousa disse...

Pelo menos podemos ser bons exemplos do que não devemos fazer. Daqui por uns milhares ou milhões de anos outros irão dizer:

- Viram como os tais humanos se lixaram ? Querem ser iguais ?

E os descendentes das baratas, já com neocortex ou similar vão tremer de terror e dizer em coro :

- Que nojo! E eram bichos feios!

Cisfranco disse...

"Das partículas primordiais passou-se aos átomos e, só depois, às moléculas, cada vez mais complexas. A partir destas, a evolução caminhou no sentido das células mais primitivas,..."

E como é que a ciência explica a passagem das moléculas para as céluas? Passagem da matéria inerte para a matéria viva?
Gostei muito, como sempre.

José Batista disse...

Caro Cisfranco

Faz anos já, ouvi da boca do cientista Alexandre Quintaninha, em seminário para médicos e outros, realizado no auditório do velhinho hospital de S. Marcos, em Braga, que os americanos já construiram uma célula muito simples toda ela feita a partir de matéria inorgânica, isto é, de simples átomos "fisico-químicos", como são todos, façam eles parte do corpo dos seres vivos, Homem incluído, do ar ou das rochas.
E no dizer dele - o que causou certa comoção no auditório - essa céula artificial tinha metabolismo idêntico ao de qualquer célula viva natural! Sim ele disse isso!

E essa afirmação é apenas a formulação da ideia que vai directa ao cerne do que consideramos o mistério da vida, ou da matéria que se organiza e passa a ser... vida!

Como é isso?

Eu, na minha modéstia, digo que é o "milagre" da vida. Sim porque este é o tipo de "milagre" em que me vejo forçado a acreditar. Obriga-me a "mãe Natureza".

Daí a minha paixão pela biologia.

Cisfranco disse...

Hum... parece-me um salto muito grande. Se souber referências e quiser indicar ...
Obrigado

Anónimo disse...

1o. Posso discordar? Apesar de muito gostar do Prof. Carvalho, a Terra não é património da humanidade — o que se passa é precisamente o inverso.
2o. Na minha cabeça de velho e de médico (Biologia) acredito que a Terra é um ser vivo. Como tal, sempre se adaptou às mudanças, às catástrofes e às "infecções", fazendo com que a Vida continuasse. Tudo, desde a sua localização no sistema solar aos movimentos de placas, tem contribuído para a sua Vida. E quando num recanto (14% da superfície terrestre) começa a haver actividade para tramar a restante Vida, não me espantará que se criem "anticorpos", defesas, que liquidarão umas tantas Espécies para que a Vida continue.
Cumprimentos, eao

José Batista disse...

Caro Cisfranco

Eu assisti a essa conferência e tive até a oportunidade de dirigir uma ou outra pergunta ao ilustre cientista (Alexandre Quintanilha e não Quintaninha, como erradamente escrevi acima). Mas não me atrevi a fazer essa questão. Nem ninguém a fez. E ele também não indicou quaisquer referências bibliográficas. Fiquei com a ideia de que ninguém duvidou da veracidade do que foi comunicado...
Outra coisa muito curiosa que ele referiu é que já havia nessa altura vários casos de cidadãos americanos que eram descendentes genéticos não de duas mas de três pessoas: A situação é a seguinte:

O DNA de cada um de nós é herdado do núcleo das células dos nossos progenitores: o espermatozóide e o óvócito II. Mas não exactamente 50% do pai e 50% da mãe como é genericamente aceite. Acontece que as centrais energéticas das nossas células, chamadas mitocôndrias, têm o seu próprio DNA e são semi-autónomas.Ora as mitocôndrias de cada ser humano são sempre herdadas da mãe, a qual, portante, transmite um pouquinho mais de DNA aos descendentes do que o homem que forneceu o espermatozóide. No dizer de Alexandre Quintanilha houve mulheres com problemas associados às suas mitocôndrias que, na hora de engravidarem, cederam os seus ovócitos para lhes serem retiradas as suas mitocôndrias doentes. Nesses ovócitos foram introduzidas mitocôndrias sãs de um dador que não o dador do espermatozóide que, também por injecção intracitoplasmática, fecundou aquele ovócito. Daí resultou com sucesso, em mais do que um caso, um ovo ou zigoto, a primeira célula de cada humano, com DNA de três progenitores. E provocatoriamente interrogou: estas pessoas que existem e são saudáveis são ou não filhos genéticos de 3 pessoas?
Precisava de mais tempo para encontrar os manuscritos que elaborei nessa sessão. Mas encontrei os de outra conferência do mesmo autor, ocorrida no dia 26 de Outubro de 2007, também em Braga, na biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em parceria com o Professor Anselmo Borges, em que ele foi muito peremptório, afirmando designadamente: "já não estamos muito longe de ser capazes de, a partir de moléculas químicas, construir uma célula com cromossomas [portanto uma célula complexa..., parêntesis meu] capaz de metabolizar e de se dividir. Nessa altura, podemos perguntar: o que é a vida?"
O auditório, onde estavam investigadores de biologia da Universidade do Minho, abriu a boca (eu pelo menos abri a minha), mas nenhuma pergunta foi feita, que eu a tenha registado...

Agora, e sem por em causa o Professor Quintanilha, eu também gostava de ter documentos escritos, devidamente validados e confirmados sobre o assunto.

Coisa que lhe pedirei logo que tenha oportunidade.

Ildefonso Dias disse...

Professor Galopim de Carvalho;


O senhor termina o seu 'post' assim “E incrementá-las é facultar-lhe o acesso aos conhecimentos que, continuamente, a ciência nos vem revelando.”,... e eu digo-lhe têm toda a razão sem dúvida, mas como se pode conseguir isso?!
Certamente que concordará que só com a elevação da cultura no Homem isso é possível.


Dos ensinamentos do Professor Bento de Jesus Caraça podemos estar certos que é “Condição indispensável para que o homem possa trilhar a senda da cultura – que ele seja economicamente independente. Consequência - o problema económico é, de todos os problemas sociais, aquele que tem de ser resolvido em primeiro lugar. Tudo aquilo que for empreendido sem a resolução prévia, radical e séria, desse problema, não passará, ou duma tentativa ingénua, com vaga tinta filantrópica, destinada a perder-se na impotência, ou de uma mão-cheia de pó, atirada aos olhos dos incautos.”


Portanto o que é fundamental, creio eu, é levar a “Cultura às massas” pois só assim se pode esperar atingir aquilo que o senhor Professor Galopim de Carvalho escreve “interessa ao cidadão conhecer melhor esta “nossa casa”, a fim de bem avaliar os problemas que se lhe põem no seu relacionamento com o ambiente natural.”


Posto isto, também concordará o senhor Professor Galopim de Carvalho que, e é outro ensinamento do Professor Bento de Jesus Caraça, pelo que o vou citar:
“Dos confins da história caminham, ao encontro do homem de hoje, aquelas grandes correntes fecundantes – laicismo, interesse colectivo, democratização integral da cultura – que hão-de fazer dele o homem novo, criador da cidade nova.”, - e mais - “Essas grandes correntes confluem na organização escolar da Escola Única (...) uma condição necessária de progresso da civilização”


Professor Galopim de Carvalho, talvez o senhor nos possa falar da importância daquelas correntes, dos confins da história, que confluem na Escola Única como forma de preservar o Planeta (importante que é a sua “autoridade” que lhe advém dos enormes conhecimentos de que dispõe). Estaria também a ajudar, no esclarecimento, o senhor Professor José Batista, acerca da Escola Única, ele que se confessa um apaixonado pela Biologia, e inexplicavelmente, também um inimigo da Escola Única.


Cordialmente,

José Batista disse...

Surgiu há não muitos meses nestas caixas de comentários, proveniente do mundo animal pouco racional, uma mistela pedagógica exótica, de fraca expressão, que não tem mas podia ter o nome de “Ide ao Fosso Çabastião - Dias a Cachaça”. Propõe-se como “escola única” ainda unipessoal e sem seguidores, dirigida por uma espécie rara de «inginheiro» diplomado não se sabe em quê nem por quem nem em que circunstâncias. Sobre este “guru” não se sabe que ocupação tem ou tenha tido, porque isso não interessa. Apresenta-se à laia de “professor engenheiro cientista espiritualista e culturalista” que conhece tudo do cosmos e arredores, particularmente a posição que ocupa nele, podendo admitir-se que seja a do olho central, por exemplo como guardião do esfíncter. E será muito capaz de “inculturar” velhinhas ou quaisquer outras pessoas crédulas e indefesas porque se auto-impinge de imediato e se gruda mesmo se e quando veementemente repelido.
É de fugir (com as) criancinhas!

Perdoe, caríssimo Professor Galopim, mas não é minha a culpa de que um asno insista em seguir-me as pegadas.

Enxoto-o, enxoto-o e nada.

Ninguém lhe liga, mas ele rasteja rasteja e tudo suja.

Apre!

Cisfranco disse...

Muito obrigado.
Se não for pedir demais gostaria de me informar mais sobre esse assunto:

cisfranco1@gmail.com

José Batista disse...

Caro Cisfranco

Hei-de ver isso. Entretanto surgiu-me a ideia de que o "nosso" António Piedade também é muito capaz de estar a par do assunto. Se este comentário lhe chegar ao conhecimento de alguma forma, bem que ele podia elaborar um "post" sobre o assunto.

Bem vistas as coisas, os textos do Professor Galopim servem pelo que ele nos ensina e pelos fios de diversas meadas que podemos ir desvendando.
Uma maravilha que agradeço. A ele, a si e a tantos outros que aqui vêm com sentido construtivo.

Ildefonso Dias disse...

Professor Galopim de Carvalho;


Estive a ler na Wikipédia a sua Biografia.
Penso que poucas pessoas terão dúvidas de que o senhor Professor Galopim de Carvalho pertence à elite, cientifica e cultural, do nosso país.


Professor Galopim de Carvalho, mas um outro ensinamento que recolhi do Professor Bento de Jesus Caraça e que lhe vou citar é este:
“... elite cultural e classe dirigente, são a mesma coisa? Ou, melhor ainda, a primeira está compreendida na segunda? Uma consulta à história fornece a resposta imediata pela negativa. É abrir esse grande livro e prestar ouvidos aos queixumes e protestos com que aqueles homens verdadeiramente de elite, aqueles que, alguns séculos mais tarde, dão o tom ao mundo da alma e do pensamento, respondem às perseguições que os seus contemporâneos das classes dirigentes lhes movem.”


Vem tudo isto a propósito e para lhe dizer o seguinte:
Que no tempo em que vivemos, estas suas palavras são uma trivialidade, é preciso muito mais... e cito - “... em que o poder político se submete desavergonhadamente ao poder do dinheiro, em que se privatizam os lucros da produção, tantas vezes poluente, e se socializam os efeitos negativos dessa poluição,...” -... (eis a razão porque no meu comentário anterior lhe peço que fale das “correntes fecundantes – laicismo, interesse colectivo, democratização integral da cultura”)




Cordialmente,

Ildefonso Dias disse...

A transcrição da citação do Professor Bento de Jesus Caraça não está correcta. Assim é que é.“... elite cientifica e cultural e classe dirigente, são a mesma coisa?..."

Cláudia da Silva Tomazi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

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