quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Carta de Professores da Faculdade de Medicina de Coimbra Sobre a Educação Física no Ensino Secundário


“Sem exercício físico quotidiano apropriado é difícil mantermo-nos de boa saúde” (Arthur Schopenhauer, 1778-1860).

Bernard Shaw, em boa forma física aos 90 anos de idade, ao ser-lhe perguntado, por um jornalista, quais eram os exercícios físicos que praticava, respondeu em jeito satírico: “Pegar nas borlas dos caixões dos meus amigos que praticaram muito exercício físico”.
Talvez por isso, num comentário a um dos meus inúmeros posts sobre esta temática, "Gerontomotricidade, saúde e boa forma física” (20/08/2007), em que citei este autor,  foi-me colocada a questão que reproduzo: “Tardiamente venho aqui perguntar ao Professor Rui Baptista se afinal o exercício físico é ou não bom? Gostei muito do artigo. Parabéns. JCM”.


A minha resposta foi:

“Meu Caro JCM: Veja lá como são as coisas. Só hoje, passados quase dois meses, tomei conhecimento do seu comentário. A minha resposta é esta. Claro que o exercício físico é bom se for feito com conta peso e medida. Por exemplo, se um indivíduo em jovem tiver feito muito exercício físico, e depois parar, deverá ter muito cuidado na sua (re)adaptação ao exercício físico. Suponhamos que, quando for cinquentão, resolve, de supetão, praticar uma carga de esforço físico não adaptado à sua idade e à sua má forma. É mais que certo que pode ter como destino um enfarte ou um AVC ou até uma morte súbita. Claro que este comentário é feito um tanto 'à vol d'oiseau', por não ter em conta muitos outros factores. O caso de Bernard Shaw,  é uma simples graça. Se morreu velho e viu morrer muitos dos seus amigos que faziam muito exercício físico isso se ficou a dever a questões genéticas: os indivíduos cujos progenitores morrem velhos têm muitas probabilidades de chegarem a uma idade provecta. É quase um lugar-comum dizer-se que é mais importante acrescentar vida aos anos que anos à vida. Ou seja, chegar-se a velho cheio de achaques, por vezes amarrado a uma cama, não é, de certeza, um futuro risonho para ninguém. Espero que leia este meu comentário para que cheguem a si os meus votos de um novo ano com muita saúde e exercício físico adaptado à sua idade e à sua forma física actual”.


Com o arrimo da autoridade científica dos seus autores, transcrevo integralmente a carta, datada de 1O de Julho de 2012,subscrita pelos professores doutores Carlos A. Fontes Ribeiro, Anabela Mota Pinto, Manuel Teixeira Veríssimo e João Páscoa Pinheiro,  que consta do título deste meu post e que critica o documento “Matrizes Curriculares dos Ensinos Básicos e Secundário” no que concerne ao desrespeito pelo importante papel da disciplina de Educação Física na promoção, segundo os seus autores,  da “saúde e qualidade de vida”:
“Exmº Senhor

Ministro da Educação e Ciência
Professor Doutor Nuno Crato

O documento ‘Matrizes Curriculares dos Ensinos Básico e Secundário’ merece-nos uma reflexão no que diz respeito à disciplina de Educação Física, por ser uma disciplina que ao promover a prática regular da actividade física, promove a saúde e a qualidade de vida.
O sedentarismo é uma condição indesejável e representa um risco acrescido para várias patologias. Estudos epidemiológicos bem desenhados têm demonstrado, de uma forma muito expressiva e inequívoca, a associação entre um estilo de vida ativo e uma menor morbilidade e mortalidade por diminuir os fatores de risco associados a doenças crónicas, sejam cardiovasculares, metabólicas ou degenerativas e, inclusive, do foro psicológico e psiquiátrico.

São vários os benefícios que o exercício físico promove, contrariando as chamadas doenças da civilização como a obesidade, a diabetes melitus, a depressão, as doenças cardiovasculares isquémicas e o cancro, que são na realidade as epidemias do século XXI. Também numa sociedade em que a esperança de vida aumentou, o exercício físico é fundamental para um envelhecimento saudável, designadamente para que curse sem incapacidade física ou mental.
As acções governamentais deverão ter em conta que a promoção da saúde, na qual se inclui o combate ao sedentarismo, deverá começar cedo sendo a escola um lugar privilegiado para valorizar as atitudes e incutir hábitos de vida saudável que irão nortear o indivíduo ao longo da vida.

Promover a actividade física nas escolas é, pois, contribuir para uma sociedade mais saudável e, por conseguinte, ter uma saúde mais custo-efetiva no futuro. A promoção da actividade física permitirá ao Estado poupar significativamente gastos na Saúde.
Nós, professores da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra envolvidos no ensino e promoção de estilos de vida saudáveis onde se enquadra a actividade física, pedimos a Vossa Excelência que reconsidere pelas razões expostas o documento ‘Matrizes Curriculares dos Ensinos Básicos e Secundário’”.

Mas que fique bem claro: o exercício físico  em benefício de uma melhor e mais duradoura  Saúde pouco nada tem a ver com o desporto de alta competição que transforma o atleta numa máquina de alto rendimento para alcançar o pódio, tendo atrás de si um perigoso arsenal químico em que os esteróides se tornam vedeta em nome de uma pátria, de uma ideologia ou apenas de um clube. Mas infelizmente esse desporto de alta competição parece despertar mais atenção dos políticos que a promoção de um estilo de vida saudável dos nossos escolares.
Em antítese a uma desumanizante máquina de bater recordes,  José Esteves, figura destacada de professor de Educação Física, ex-subdirector do INEF, bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, doutorado honoris causa pela Faculdade de Motricidade Humana e autor do best-sellerO Desporto e As Estruturas Sociais” (1.ª edição, 1967), defende a utopia de “não trocar a promoção desportiva de uma centena de crianças das nossas escolas primárias por uma medalha olímpica”.

Ou seja, numa altura em que são  denunciadas as desvantagens de uma sociedade achacada de patologias de etiologia  hipocinética,  troca-se  a Saúde e o bem estar físico dos nossos alunos do ensino secundário, e hipoteca-se-lhe o direito futuro  a uma velhice “em que o ardor da juventude lhes corra nas veias” (Bulhão Pato),  através de  “Matrizes Curriculares dos Ensinos Básicos e Secundários” que diminuem os tempos destinados às aulas de Educação Física do Ensino Secundário retirando, para além disso,  a valorização desta disciplina curricular contar para a média final do diploma do respectivo 12.º ano com excepção daqueles alunos destinados a estudos académicos universitários de Educação Física e Desporto e de Formação de Oficiais das Forças Armadas e da Polícia de Segurança Pública.
Em  apelo oficial recente  para  que o cidadão não adoeça , assiste-se, em contrapartida,  a uma medida governamental que irá contribuir para o aumento de despesas de Saúde, em parte maior ou menor, não deduzíveis para efeitos de IRS  por parte de gerações “de badamecos derreados da espinha”, como escreveu Eça, ou de populações envelhecidas  precocemente por falta de hábitos de exercitação física trazidos da juventude e perduráveis no tempo. Ou seja, pretende-se poupar no farelo para gastar na farinha, como sói dizer-se!

13 comentários:

José Batista disse...

Meu caro Rui Baptista

Julgo boa a ideia de promover a Educação Física em detrimento do estímulo à alta competição.
Realmente, a alta competição é mais factor de desgaste e doenças específicas do que de qualidade de vida.

Não percebo por que não se destaca o facto de ter havido até recentemente aulas de 45 minutos em que os alunos eram encafuados em salas de aulas para gramarem aulas teóricas e serem sujeitos a testes de papel e lápis. Claro que havia professores que, mesmo nesses tempos, tentavam fazer exercício físico, porém, o tempo de despir, equipar, fazer prática física, desequipar, tomar duche, vestir e secar os cabelos não deixava quase nenhum tempo para o que era fundamental. Daí não ter pena de que tenham acabado com esses segmentos de 45 minutos de aulas de educação física.

Já o facto de as classificações de educação física não contarem para a média de ingresso nas universidades é bom lembrar que isso aconteceu por pressão dos pais. E, nos casos de cursos que não sejam os mais ligados à disciplina, essa opinião é aceitável, até para libertar os professores de educação física das mesmas pressões ilegítimas para inflacionarem as notas, como tristemente acontece com outros.

Educação física sim, tanta quanto a desejável. Mas, conseguido isso, que é o principal, parece-me errado que a queiram fazer uma disciplina "igual" às outras. Para mim, enquanto aluno, sempre foi diferente. E muito, muito... melhor!

Agora, entristecia-me, quando era diretor de turma ter alunos brilhantes que registavam nas suas fichas sócio-biográficas que a disciplina a que tinham mais dificuldades era, imagine-se, ... educação física!

Admitia-se?

Receba um abraço.

José Batista disse...

Este texto ficou-me um bocado malzito. Educação Física era para ter sido sempre grafada com maiúsculas. E há outra falhas. Foi da pressa. Mas o fundamental sinto que o disse. Mil desculpas.

Rui Baptista disse...

Meu Caro José Batista: Em devido tempo, responderei ao seu comentário evocando, desde já, a "vox populi": "Não há bela sem senão". Um abraço grato. Rui Baptista

Paulo Costa disse...

Há uma consequência mais imediata com a desvalorização da disciplina de educação física (ef) e com a inexistência de atividades físicas informais na escola, e é bem mais visível do que a "descapitalização" da saúde dos alunos. Refiro-me ao clima diário das escolas: agressivo, pouca concentração das crianças, etc.

Rui Baptista disse...

Prezado Paulo Costa: A pertinência do seu comentário, sobre a pouca concentração das crianças das nossas escolas, leva-me a dar conta do seguinte:

Décadas passadas, foi levado a efeito um estudo sobre a influência da ginástica na melhoria da fadiga intelectual de 36 crianças do ensino primário através da realização de provas de ditado. De uma forma muito resumida, os resultados demonstraram que nos dias em que a prova de ditado era precedida de 15 minutos de ginástica os erros ortográficos dados eram em menor número relativamente aos dias em que a ginástica não era ministrada. Este trabalho de investigação científica, intitulado “Influência do Exercício Físico na Fadiga Intelectual”, foi levado a efeito por uma equipa de professores do Instituto Nacional de Educação Física (actual Faculdade de Motricidade Humana), tendo merecido o segundo prémio científico da prestigiada Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa (1963), atribuído em colaboração com o Laboratório Pfizer, “com o objectivo de contribuir para a dinamização da investigação em Ciências da Saúde em Portugal”. Foram agraciadas com este prestigiante prémio científico (criado em 1955) cientistas portugueses como, por exemplo, João Lobo Antunes e António Damásio.

Este estudo incindiu, ainda, sobre os resultados positivos da influência de exercícios de ginástica na melhoria do poder de concentração dos funcionários encarregados de proceder ao escrutínio dos boletins de Totobola.

Anónimo disse...

Futuro aluno do Ensino Secundário numa aulda de Ed. Física: "- Para que é que eu preciso disto? Nem sequer conta para a Média!"

Rui Baptista disse...

Caro José Batista: No comentário deste futuro aluno do Ensino Secundário(17 Jan.13:02), uma resposta crítica ao facto da Educação Física nem sequer contar para a "Média". Este um entreacto para a minha futura análise sobre o assunto. Um abraço.

José Batista disse...

Caro aluno, ou à pessoa que escreveu por ele,

A despeito do seu anonimato, que não aprecio em diálogo que desejo franco e aberto, pergunto-lhe:
Então, se a classificação de Educação Física contasse para a média já passava a achá-la útil?
O seu bem estar, a sua saúde, a sua facilidade de movimento não o/a preocupam?
No meu tempo, nas décadas de 60 e 70 do século passado ninguém se preocupava com a "nota de Educação Física", que não contava para a aprovação, mas todos gostávamos muito da disciplina, e dos professores, já agora, e quase ninguém faltava.
E quanto havia torneios o interesse era ainda maior. Mesmo quando perdíamos, o que era habitual nas equipas a que eu pertencia.
Mudam-se os tempos... Mas a saúde continua a precisar-se, e muito. Não é?

Olhe que a disciplina é um bem muito grande. Há quem, já a destempo, pague para ter umas aulitas. E não fica barato. E não colmata todo o mal que se fez em abdicar do que, afinal, a escola pública disponibiliza de graça, pela mão de profissionais que são muito bons (é a minha opinião sobre os muitos muitos que conheço e com quem convivo diariamente).

Anónimo disse...

Sarcasmo, caro José Baptista. Estava a minha a minha questão "carregadinha" dele. Infelizmente é esta a resposta que já muitas vezes ouvimos na nossa escola.

Anónimo disse...

Ainda acho inacreditável a negação de muitos quando advogo a Educação Física como Disciplina Transversal...

José Batista disse...

Ok, esclarecido...

Paulo Costa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paulo Costa disse...

Removi o comentário anterior porque confundi o DeRN com outro blogue (!). É o sono.

Sim, tem esse papel de "pronto", mas o mais grave no dia a dia das nossas escolas ainda é o "regimento" em si. A "história do corpo", de JCrespo, sobre o controlo do corpo por parte do "Estado" reconhece que cada época terá as suas características de domínio. Presentemente, tomaram de assalto os corpos dos miúdos.

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