“Sem exercício físico quotidiano apropriado é difícil mantermo-nos de boa
saúde” (Arthur Schopenhauer, 1778-1860).
Bernard Shaw, em boa forma física aos 90 anos de idade, ao ser-lhe perguntado,
por um jornalista, quais eram os exercícios físicos que praticava, respondeu em
jeito satírico: “Pegar nas borlas dos caixões dos meus amigos que praticaram
muito exercício físico”.
Talvez por
isso, num comentário a um dos meus inúmeros posts sobre esta temática, "Gerontomotricidade,
saúde e boa forma física” (20/08/2007), em que citei este autor,
foi-me
colocada a questão que reproduzo: “Tardiamente venho aqui perguntar ao
Professor Rui Baptista se afinal o exercício físico é ou não bom? Gostei muito
do artigo. Parabéns. JCM”.A minha resposta foi:
“Meu Caro JCM: Veja lá como são as coisas. Só hoje, passados quase dois meses, tomei conhecimento do seu comentário. A minha resposta é esta. Claro que o exercício físico é bom se for feito com conta peso e medida. Por exemplo, se um indivíduo em jovem tiver feito muito exercício físico, e depois parar, deverá ter muito cuidado na sua (re)adaptação ao exercício físico. Suponhamos que, quando for cinquentão, resolve, de supetão, praticar uma carga de esforço físico não adaptado à sua idade e à sua má forma. É mais que certo que pode ter como destino um enfarte ou um AVC ou até uma morte súbita. Claro que este comentário é feito um tanto 'à vol d'oiseau', por não ter em conta muitos outros factores. O caso de Bernard Shaw, é uma simples graça. Se morreu velho e viu morrer muitos dos seus amigos que faziam muito exercício físico isso se ficou a dever a questões genéticas: os indivíduos cujos progenitores morrem velhos têm muitas probabilidades de chegarem a uma idade provecta. É quase um lugar-comum dizer-se que é mais importante acrescentar vida aos anos que anos à vida. Ou seja, chegar-se a velho cheio de achaques, por vezes amarrado a uma cama, não é, de certeza, um futuro risonho para ninguém. Espero que leia este meu comentário para que cheguem a si os meus votos de um novo ano com muita saúde e exercício físico adaptado à sua idade e à sua forma física actual”.
Com o arrimo
da autoridade científica dos seus autores, transcrevo integralmente a carta,
datada de 1O de Julho de 2012,subscrita pelos professores doutores Carlos A.
Fontes Ribeiro, Anabela Mota Pinto, Manuel Teixeira Veríssimo e João Páscoa
Pinheiro, que consta do título deste meu
post e que critica o documento “Matrizes Curriculares dos Ensinos
Básicos e Secundário” no que concerne ao desrespeito pelo importante papel da
disciplina de Educação Física na promoção, segundo os seus autores, da “saúde e qualidade de vida”:
“Exmº SenhorMinistro da Educação e Ciência
Professor Doutor Nuno Crato
O documento ‘Matrizes Curriculares dos
Ensinos Básico e Secundário’ merece-nos uma reflexão no que diz respeito à
disciplina de Educação Física, por ser uma disciplina que ao promover a prática
regular da actividade física, promove a saúde e a qualidade de vida.
O sedentarismo é uma condição
indesejável e representa um risco acrescido para várias patologias. Estudos
epidemiológicos bem desenhados têm demonstrado, de uma forma muito expressiva e
inequívoca, a associação entre um estilo de vida ativo e uma menor morbilidade
e mortalidade por diminuir os fatores de risco associados a doenças crónicas,
sejam cardiovasculares, metabólicas ou degenerativas e, inclusive, do foro
psicológico e psiquiátrico.
São vários os benefícios que o exercício
físico promove, contrariando as chamadas doenças da civilização como a
obesidade, a diabetes melitus, a depressão, as doenças cardiovasculares
isquémicas e o cancro, que são na realidade as epidemias do século XXI. Também
numa sociedade em que a esperança de vida aumentou, o exercício físico é
fundamental para um envelhecimento saudável, designadamente para que curse sem
incapacidade física ou mental.
As acções governamentais deverão ter em
conta que a promoção da saúde, na qual se inclui o combate ao sedentarismo,
deverá começar cedo sendo a escola um lugar privilegiado para valorizar as atitudes
e incutir hábitos de vida saudável que irão nortear o indivíduo ao longo da
vida.
Promover a actividade física nas escolas
é, pois, contribuir para uma sociedade mais saudável e, por conseguinte, ter
uma saúde mais custo-efetiva no futuro. A promoção da actividade física
permitirá ao Estado poupar significativamente gastos na Saúde.
Nós, professores da Faculdade de
Medicina da Universidade de Coimbra envolvidos no ensino e promoção de estilos
de vida saudáveis onde se enquadra a actividade física, pedimos a Vossa
Excelência que reconsidere pelas razões expostas o documento ‘Matrizes
Curriculares dos Ensinos Básicos e Secundário’”.
Mas que fique bem claro: o
exercício físico em benefício de uma melhor e mais duradoura Saúde pouco nada tem a ver com o desporto de
alta competição que transforma o atleta numa máquina de alto rendimento para
alcançar o pódio, tendo atrás de si um perigoso arsenal químico em que os
esteróides se tornam vedeta em nome de uma pátria, de uma ideologia ou apenas
de um clube. Mas infelizmente esse desporto de alta competição parece despertar
mais atenção dos políticos que a promoção de um estilo de vida saudável dos
nossos escolares.
Em antítese a uma desumanizante máquina
de bater recordes, José Esteves, figura
destacada de professor de Educação Física, ex-subdirector do INEF, bolseiro da
Fundação Calouste Gulbenkian, doutorado honoris causa pela Faculdade de
Motricidade Humana e autor do best-seller “O Desporto e As Estruturas
Sociais” (1.ª edição, 1967), defende a utopia de “não trocar a promoção desportiva de uma centena de crianças das nossas
escolas primárias por uma medalha olímpica”.
Ou seja, numa altura em que são
denunciadas as desvantagens de uma sociedade achacada de patologias de
etiologia hipocinética, troca-se
a Saúde e o bem estar físico dos nossos alunos do ensino secundário, e
hipoteca-se-lhe o direito futuro a uma
velhice “em que o ardor da juventude lhes corra nas veias” (Bulhão Pato), através de “Matrizes Curriculares dos Ensinos Básicos e
Secundários” que diminuem os tempos destinados às aulas de Educação Física do
Ensino Secundário retirando, para além disso, a valorização desta disciplina curricular contar
para a média final do diploma do respectivo 12.º ano com excepção daqueles
alunos destinados a estudos académicos universitários de Educação Física e Desporto
e de Formação de Oficiais das Forças Armadas e da Polícia de Segurança Pública.
Em apelo oficial recente para que o cidadão não adoeça , assiste-se, em
contrapartida, a uma medida governamental
que irá contribuir para o aumento de despesas de Saúde, em parte maior ou
menor, não deduzíveis para efeitos de IRS por parte de gerações “de badamecos derreados
da espinha”, como escreveu Eça, ou de populações envelhecidas precocemente por falta de hábitos de
exercitação física trazidos da juventude e perduráveis no tempo. Ou seja,
pretende-se poupar no farelo para gastar na farinha, como sói dizer-se!
13 comentários:
Meu caro Rui Baptista
Julgo boa a ideia de promover a Educação Física em detrimento do estímulo à alta competição.
Realmente, a alta competição é mais factor de desgaste e doenças específicas do que de qualidade de vida.
Não percebo por que não se destaca o facto de ter havido até recentemente aulas de 45 minutos em que os alunos eram encafuados em salas de aulas para gramarem aulas teóricas e serem sujeitos a testes de papel e lápis. Claro que havia professores que, mesmo nesses tempos, tentavam fazer exercício físico, porém, o tempo de despir, equipar, fazer prática física, desequipar, tomar duche, vestir e secar os cabelos não deixava quase nenhum tempo para o que era fundamental. Daí não ter pena de que tenham acabado com esses segmentos de 45 minutos de aulas de educação física.
Já o facto de as classificações de educação física não contarem para a média de ingresso nas universidades é bom lembrar que isso aconteceu por pressão dos pais. E, nos casos de cursos que não sejam os mais ligados à disciplina, essa opinião é aceitável, até para libertar os professores de educação física das mesmas pressões ilegítimas para inflacionarem as notas, como tristemente acontece com outros.
Educação física sim, tanta quanto a desejável. Mas, conseguido isso, que é o principal, parece-me errado que a queiram fazer uma disciplina "igual" às outras. Para mim, enquanto aluno, sempre foi diferente. E muito, muito... melhor!
Agora, entristecia-me, quando era diretor de turma ter alunos brilhantes que registavam nas suas fichas sócio-biográficas que a disciplina a que tinham mais dificuldades era, imagine-se, ... educação física!
Admitia-se?
Receba um abraço.
Este texto ficou-me um bocado malzito. Educação Física era para ter sido sempre grafada com maiúsculas. E há outra falhas. Foi da pressa. Mas o fundamental sinto que o disse. Mil desculpas.
Meu Caro José Batista: Em devido tempo, responderei ao seu comentário evocando, desde já, a "vox populi": "Não há bela sem senão". Um abraço grato. Rui Baptista
Há uma consequência mais imediata com a desvalorização da disciplina de educação física (ef) e com a inexistência de atividades físicas informais na escola, e é bem mais visível do que a "descapitalização" da saúde dos alunos. Refiro-me ao clima diário das escolas: agressivo, pouca concentração das crianças, etc.
Prezado Paulo Costa: A pertinência do seu comentário, sobre a pouca concentração das crianças das nossas escolas, leva-me a dar conta do seguinte:
Décadas passadas, foi levado a efeito um estudo sobre a influência da ginástica na melhoria da fadiga intelectual de 36 crianças do ensino primário através da realização de provas de ditado. De uma forma muito resumida, os resultados demonstraram que nos dias em que a prova de ditado era precedida de 15 minutos de ginástica os erros ortográficos dados eram em menor número relativamente aos dias em que a ginástica não era ministrada. Este trabalho de investigação científica, intitulado “Influência do Exercício Físico na Fadiga Intelectual”, foi levado a efeito por uma equipa de professores do Instituto Nacional de Educação Física (actual Faculdade de Motricidade Humana), tendo merecido o segundo prémio científico da prestigiada Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa (1963), atribuído em colaboração com o Laboratório Pfizer, “com o objectivo de contribuir para a dinamização da investigação em Ciências da Saúde em Portugal”. Foram agraciadas com este prestigiante prémio científico (criado em 1955) cientistas portugueses como, por exemplo, João Lobo Antunes e António Damásio.
Este estudo incindiu, ainda, sobre os resultados positivos da influência de exercícios de ginástica na melhoria do poder de concentração dos funcionários encarregados de proceder ao escrutínio dos boletins de Totobola.
Futuro aluno do Ensino Secundário numa aulda de Ed. Física: "- Para que é que eu preciso disto? Nem sequer conta para a Média!"
Caro José Batista: No comentário deste futuro aluno do Ensino Secundário(17 Jan.13:02), uma resposta crítica ao facto da Educação Física nem sequer contar para a "Média". Este um entreacto para a minha futura análise sobre o assunto. Um abraço.
Caro aluno, ou à pessoa que escreveu por ele,
A despeito do seu anonimato, que não aprecio em diálogo que desejo franco e aberto, pergunto-lhe:
Então, se a classificação de Educação Física contasse para a média já passava a achá-la útil?
O seu bem estar, a sua saúde, a sua facilidade de movimento não o/a preocupam?
No meu tempo, nas décadas de 60 e 70 do século passado ninguém se preocupava com a "nota de Educação Física", que não contava para a aprovação, mas todos gostávamos muito da disciplina, e dos professores, já agora, e quase ninguém faltava.
E quanto havia torneios o interesse era ainda maior. Mesmo quando perdíamos, o que era habitual nas equipas a que eu pertencia.
Mudam-se os tempos... Mas a saúde continua a precisar-se, e muito. Não é?
Olhe que a disciplina é um bem muito grande. Há quem, já a destempo, pague para ter umas aulitas. E não fica barato. E não colmata todo o mal que se fez em abdicar do que, afinal, a escola pública disponibiliza de graça, pela mão de profissionais que são muito bons (é a minha opinião sobre os muitos muitos que conheço e com quem convivo diariamente).
Sarcasmo, caro José Baptista. Estava a minha a minha questão "carregadinha" dele. Infelizmente é esta a resposta que já muitas vezes ouvimos na nossa escola.
Ainda acho inacreditável a negação de muitos quando advogo a Educação Física como Disciplina Transversal...
Ok, esclarecido...
Removi o comentário anterior porque confundi o DeRN com outro blogue (!). É o sono.
Sim, tem esse papel de "pronto", mas o mais grave no dia a dia das nossas escolas ainda é o "regimento" em si. A "história do corpo", de JCrespo, sobre o controlo do corpo por parte do "Estado" reconhece que cada época terá as suas características de domínio. Presentemente, tomaram de assalto os corpos dos miúdos.
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