quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A matemática é pseudociência?

Os critérios apresentados por David Marçal não permitem distinguir a ciência da pseudociência. Vejamos porquê.

1. A ciência é guiada por leis naturais;

A matemática não é guiada por leis naturais. Contudo, é científica. E a numerologia não é científica.

2. A ciência tem que ser explicável de acordo com leis naturais;

A matemática não é explicável de acordo com leis naturais, e no entanto é científica, ao contrário da numerologia, que não é científica.

3. Tem que ser verificável no mundo empírico;

A matemática não é verificável no mundo empírico, e no entanto é científica, ao contrário da numerologia, que não é científica. Grande parte da cosmologia não é verificável no mundo empírico, mas é científica e a astrologia não é. A arqueologia também não é verificável no mundo empírico. Por outro lado, a homeopatia é verificável no mundo empírico, assim como a astrologia; contudo, nem uma nem outra são científicas.

4. As suas conclusões são provisórias e não necessariamente a palavra final;

As conclusões da matemática não são provisórias, e contudo a matemática é científica. Já no que respeita ao espiritismo, por exemplo, muitas das suas conclusões não são a palavra final, mas é uma pseudociência.

5. Pode ser refutada.

A matemática não pode ser refutada, tal como alguns aspectos centrais da física e de outras ciências empíricas. Nunca vamos refutar o movimento da Terra nem que a água é H2O. Por outro lado, a astrologia é refutável, tal como a homeopatia. Não é difícil fazer experiências científicas e mostrar que a homeopatia não funciona.

Portanto, o David Marçal tem uma concepção demonstravelmente errada do problema do demarcação.

12 comentários:

Kynismós! disse...

A Matemática é uma linguagem, diga-se universal... por que funciona?

Não me atrevo a palpitar...

Kynismós! disse...

Ciência é algo reprodutível dentro de um determinado campo de validade que normalmente é definido com base numa teoria, faz-se n vezes um experimento e o resultado é o mesmo considerando uma margem de erro aceitável...

Se a homeopatia assim funciona já pode ser considerada uma ciência, porém não sei se há dados suficientes para tal...

joão viegas disse...

Mau argumento,

O caso da matematica é especial, porque o seu objecto é uma realidade ideal e, por isso mesmo, muitas pessoas optam por não a definir como uma ciência na verdadeira accepção da palavra, mas antes como uma disciplina à parte, um pouco como a logica.

Mas isso é debatido e existe também, entre os matematicos, quem defenda que que as proposições matematicas, quando não são susceptiveis de experimentação, são desprovidas de sentido e devem ser rejeitadas (esta é, tanto quanto percebo, a posição das correntes "intuicionistas", por exemplo Brouwer).

A matematica é pois um caso à parte e não parece poder servir de exemplo para refutar o que diz o D. Marçal.

Boas

Anónimo disse...

A matemática é um instrumento e nem sempre exprime a realidade, é um facto, quantas vezes é uma narrativa imaginária sobre a realidade? De tal forma que grande parte da Astronomia do Séc. XX são modelos matemáticos que não se verificam na realidade, por mais rebuscados sejam os paliativos.

A ciência é uma metodologia que tenta explicar a realidade, não por ser exacta mas por buscar um consenso capaz de explicar e integrar o máximo de factualidades. Isso não quer dizer que seja bem sucedida, até porque as suas verdade são +/- transitórias. A limitação é exactamente essa, quanto mais integra mais dificuldade tem em explicar tudo. O erro faz parte integrante do método científico e por isso irrita-me o excesso de importância da petulância de cientifistas (cientistas) que desatam a carimbar que isto é e aquilo nao é falso ou inexiste. O que eles descrevem é a sua incapacidade de chegar à verdade, algo que mancha por demais os juízos deterministas, mecanicistas, simplistas. Assim, poderemos antes dizer que a astrologia e a homeopatia talvez venham a ser explicadas pela ciência.

A ciência tenta explicar o mundo desprovido das funções humanas, emoção e intuição, enquanto a astrologia, a homeopatia e outras enfrentam o mundo na direcção inversa. Temos de dar tempo à ciência para lá chegar, se chegar. A emoção, intuição e a selectividade perceptiva são capacidades superiores da Criação.

joão viegas disse...

Caro Anonimo,

Concordo plenamente com o seu comentario e especialmente com a ironia de "Assim, poderemos antes dizer que a astrologia e a homeopatia talvez venham a ser explicadas pela ciência".

Agora se isso é verdade, e se pode ser irritante a propensão da ciência para extravazar dos seus limites, nomeadamente reivindicando conhecimentos absolutos e certezas completas incompativeis com os seus principios fundadores, não deixa de ser legitimo a ciência pronunciar-se, de acordo com os mesmos principios fundadores, sobre a questão de saber se ela esta, ou não, hoje, na capacidade de aprovar cientificamente as proposições da astrologia e da homeopatia...

E penso que v. convira também que é razoavel olharmos para o que diz a ciência sobre o assunto, pelo menos quando tomamos medidas, politicas ou outras, que se reclamam dela...

Ainda que seja incontroverso, pelo menos a meus olhos, que tomamos também inumeraveis medidas, politicas ou outras, por motivos que não se prendem com a ciência. E ainda bem que assim é...

Boas continuação a todos

Anónimo disse...

Galois

A definição de ciência é mais uma que não é simples. Há casos difíceis pela sua especificidade e a Matemática é um por excelência.

Para mim a Matemática é claramente ciência devido ao tipo de argumentação baseado na lógica e na preocupação com um certo tipo de demonstração que tenta tornar as conclusões independentes de opiniões. A meu ver, essa é a chave da ciência, tentar pegar nos problemas de forma a que as conclusões deixem de ser questão de opinião. Pode não ser bem sucedida em muitos casos (muita da ciência que usámos, usamos e usaremos foi, é e será questão de opinião); pode ser que não venha nunca a ser bem sucedida noutros casos, mas é o MÉTODO QUE CONTA e o método científico tem por base tornar as conclusões independentes de opiniões. Uma demonstração matemática visa isso mesmo. As ciências naturais visam o mesmo. É por isso que tendemos a usar o «reconhecimento científico» como uma garantia (por estarmos convictos que, em determinada altura, a ciência conseguiu respostas imunes à opinião e à revisão e generalização). É por isso que as discussões são fervorosas. O que a ciência tem de bom (ser baseada num método que procura respostas não relativas à opinião) é também o que tem de mau (respostas erradas podem ser consideradas certeiras e imunes à crítica e opinião adversa). Boas respostas seriam certamente imunes; a questão chata é que, por vezes, não podemos estar 100% certos dessa bondade.

«As conclusões da matemática não são provisórias, e contudo a matemática é científica»
Devo dizer que há conclusões matemáticas provisórias. Conjecturas que pensamos serem verdadeiras podem servir para demonstrar resultados. Muitos são os casos de demonstrações baseadas na ideia de veracidade de conjecturas famosas.

A ideia geral deste post parece-me muito acertada, tornando visível a dificuldade de estabelecer máximas para definir o que é ciência.

joão viegas disse...

Caros,

Convenhamos que, se não servir para mais nada, esta conversa tem pelo menos o mérito de medirmos a que ponto é genial a célébre réplica do Don Juan de Molière :

"Sganarelle :

... Mais encore faut-il croire en quelque chose dans le monde : qu’est-ce donc que vous croyez ?

Dom Juan

Ce que je crois ?

Sganarelle

Oui.

Dom Juan

Je crois que deux et deux sont quatre, Sganarelle, et que quatre et quatre sont huit."

Boas

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Que vergonha, Desidério.

A expressão é legitimamente portuguêsa: ambos os dois.

Desidério Murcho disse...

A palavra "ciência" só provoca confusão. O que conta num estudo é saber se está honestamente feito. Nada mais. O resto, depende da área. Para honestamente estabelecer um resultado matemático, invocar a Bíblia ou ir para laboratório é inadequado. Para honestamente estabelecer um resultado empírico da química, invocar a autoridade de alguém ou fazer cálculos matemáticos é inadequado. Para honestamente estabelecer um resultado sobre os primeiros 3 segundos do Big Bang, ir para o laboratório e para o telescópio é inadequado. Etc. Tudo depende do que estamos estudando.

Pseudociência é o que acontece quando se imita a ciência mas não se estuda as coisas de maneira honesta. Mas não há outra maneira mais esmiuçada de demarcar a ciência da pseudociência. A numerologia imita a matemática, a astrologia a astronomia, a homeopatia a medicina, etc.

Quanto às conjecturas matemáticas, a palavra conjectura diz tudo: não é uma conclusão. Em matemática, as únicas conclusões são as que podemos demonstrar por meio de cálculo matemático. O resto são conjecturas. Nunca nenhuma conclusão matemática foi refutada e nunca o será. Portanto, a matemática não é falsificável. E no entanto é claramente científica.

Anónimo disse...

Galois

«Quanto às conjecturas matemáticas, a palavra conjectura diz tudo: não é uma conclusão. Em matemática, as únicas conclusões são as que podemos demonstrar por meio de cálculo matemático. O resto são conjecturas. Nunca nenhuma conclusão matemática foi refutada e nunca o será. Portanto, a matemática não é falsificável. E no entanto é claramente científica. »

Percebo o que diz e concordo.

Eu só quis dizer que há conjecturas famosas (como a Hipótese de Riemann) que toda a gente acredita serem verdadeiras e toda a evidência aponta para isso que têm resistido a todo o tipo de prova (embora a tentativa tenha desenvolvido uma vasta gama de resultados interessantes o que ilustra o dinamismo da matemática).

A partir daí, novos resultados podem ser provados sob a hipótese da veracidade da hipótese de Riemann. É claro que os resultados também são conjecturas (resultado baseado em conjectura é conjectura). Mas não deixam de ser avanços por causa disso. Um dia que a HRiemann se demonstre, todos os seus filhos ficam estabelecidos.

Unknown disse...

Um dos pontos mais interessantes destas discussões é o modo como cada um lida com o desconhecido. Os homens não gostam do desconhecido e tem dificuldade em lidar com ele. Face a este dilema recorrem à fé (mesmo que não o reconheçam), e, frequentemente, tomam como verdadeiros e reais, coisas que não têm qualquer possibilidade de conhecer (nem eles nem ninguém). E, a este respeito, pouco importa a sua presumível racionalidade (de todos e de cada um).

Desidério Murcho disse...

Obrigado pelo esclarecimento. Só mais uma achega: estabelecer que se a conjectura A for verdadeira, o resultado B se segue não é em si uma conjectura. O que é uma conjectura é B, pois não sabemos ainda se A é verdadeira. Mas a condicional "se A, então B", se estiver demonstrada, é um resultado matemático fixo, mesmo que mais tarde descubramos que A é falsa.

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