Declarações de Carlos Fiolhais e David Marçal à jornalista Vanda Marques do jornal I. A entrevista, acrescida com um resumo dos pricnipais mitos abordados no livro, foi publicada no jornal de hoje.
I- Porque decidiram escrever este livro? Como surgiu a ideia?
DM- Já escrevemos há muito sobre este assunto no nosso blogue "De Rerum
Natura". Além disso, o último capítulo do nosso livro anterior "Darwin
aos Tiros e Outras Histórias de Ciência", precisamente sobre falsa
ciência, foi dos que mais interesse despertou. Pelos vistos, o assunto interessa
não só a nós como a muita gente...
I- Como têm sido as reacções?
CF- Em geral, boas. Muitas pessoas reconhecem como nós os perigos da
falsa ciência e que é importante saber distinguir a ciência da falsa
ciência. Claro que também temos reacções negativas, de autores e
partidários de tretas e aldrabices científicas. Normalmente não leram bem o livro e atacam-nos a nós em vez de
discutirem as ideias que defendemos.
I- Como escolheram as falsas noções de ciência?
DM- Escolhemos casos significativos, de falsa ciência nos diversos
contextos em que as pessoas a podem encontrar: na Internet, nos medias,
nos supermercados, nas escolas, nos hospitais e farmácias e até mesmo
nas revistas científicas. Há falsa ciência por todo o lado. A boa
notícia é que, por muito bizarra ou que seja, é relativamente fácil
distingui-la da ciência. Se soubermos o que é a ciência, facilmente
identificaremos as aldrabices científicas, quaisquer que estas sejam.
I- Qual é o mito mais comum espalhado na internet?
CF- Há tantos a competir que não arriscamos um vencedor. O caso que dá o
título ao livro, da possibilidade de fazer pipocas com a a radiação dos
telemóveis, foi bastante badalado. Este é um caso de saúde, como tantos
outros. Os mais mediáticos talvez sejam ameaças graves para os seres
humanos ou promessas de curas milagrosas muito simples para doenças
muito graves. Geralmente as mensagens sobre este assunto evocam figuras
de autoridade - pessoas com as mais mirabolantes formações ou sem
formação nenhuma. E há modas. Agora, por exemplo, está na moda o mito
dos "chemtrails", uma teoria da conspiração que alguém imaginativo
inventou segundo a qual os rastos de condensação dos aviões são produtos
químicos espalhados deliberadamente no ar para causar danos de saúde.
I- Que exemplos mais flagrantes poderiam dar da falsa ciência na saúde?
E na educação?
DM- Na saúde, a homeopatia. Os remédios homeopáticos não contêm nenhuma
substância activa, são apenas água e açúcar e o único efeito que têm são
o efeito placebo. O caso da preservação de sangue do cordão umbilical
para auto-transplantes, cujas potenciais aplicações estão mais próximas
da ficção científica do que da ciência. Na educação, as teorias
alternativas à evolução das espécies, como o Desenho Inteligente ou seja
a ideia de que houve um grande arquitecto a projectar todos os seres
vivos. É uma ideia de cariz religioso, que de ciência nada tem. Ou as
escolas para crianças indigo, que segundo os seus defensores seriam
crianças com uma aura de cor indigo e que por isso teriam
características especiais e precisariam de uma educação especial. Nada
disso tem alguma base racional..
I- Qual é a falsa ciência que mais vos incomoda? Porquê?
CF- Incomodam-nos especialmente os casos de falsa ciência que podem
colocar directamente em risco a vida das pessoas. É o caso das promessas
de curas milagrosas para doenças graves por parte de charlatões que
induzem pessoas em situação de fragilidade emocional a abandonarem
tratamentos com efeitos comprovados em favor de tratamentos sem qualquer
efeito ou com efeitos prejudiciais. Por exemplo, na África do Sul, um
desses indivíduos convenceu muita gente que os medicamentos
anti-retrovirais causavam a SIDA, em vez de a atacar, de modo a vender
suplementos vitamínicos para tratar a doença. Muita gente morreu
prematuramente por causa disso. É também o caso dos movimentos
anti-vacinas, uma teoria da conspiração que põe em risco a saúde de toda
a comunidade e não apenas a das famílias que recusam vacinar os seus filhos.
I - Durante a investigação para o livro, encontraram algum mito que
desconheciam?
DM- Muitos, nem calcula! E mesmo depois de escrito o livro continuamos a
descobrimos novos. O tema é inesgotável. A imaginação humana parece não
ter limites. E, disse-o Einstein, a estupidez também não.
I- Qual é a noção de falsa ciência que piores consequencias pode ter na vida das pessoas?
CF- As pessoas acreditarem que há curas milagrosas, totais e
instantâneas, para doenças graves. As pessoas desesperadas tentam tudo,
incluindo o que vai agravar o seu estado de saúde.
I- Acham que ainda existem pessoas que acreditam no gene gay?
DM- Muita gente acredita que a orientação sexual tem provavelmente uma
componente hereditária. Contudo, a ideia de que há um único gene, que de
um modo quase autónomo, define a orientação sexual de um indivíduo, não
tem qualquer fundamento científico. Hoje em dia pensa-se que são vários
factores a determinar a orientação sexual: quer genéticos (não de um
único gene!) quer ambientais e culturais, mas não se sabe o peso de cada
um deles.
I -A publicidade brinca muito com a noção científica dos iogurtes e
outros produtos. Como é que as pessoas podem tentar fugir dessas armadilhas?
CF- Para reconhecer a falsa ciência devem usar o espírito crítico, estar
atentas, procurar informação. No caso dos iogurtes ou outros produtos
alimentares, podem ir ao sítio da Autoridade Europeia de Segurança
Alimentar (EFSA) e fazer uma pesquisa com o nome do componente especial
do produto alimentar. Ou perguntar a um nutricionista bem informado.
I - Se vos pedíssemos para eleger as três noções de falsa ciência mais preocupantes. Quais seriam?
DM- Resumem-se todas numa: O desconhecimento da ciência e do processo
científico é o mais preocupante. Daí decorre a ideia de que a ciência
assenta em figuras de autoridade e não em provas. A ideia que a ciência
é um conjunto de curiosidades avulsas e não um corpo de conhecimentos
coerentes que vai sendo consolidado com a experiência.
I - O mais difícil foi falar da física quântica? Continua a ser um
mistério para as pessoas?
CF- A palavra quântica é uma marca da pseudociência, pois é aplicada a
práticas de desenvolvimento pessoal, auto-conhecimento, terapias
alternativas, etc. A física quântica aplica-se, porém, ao mundo dos
átomos e das partículas subatómicas, que não é nada parecido com o mundo
humano. Mas, como a maior parte das pessoas não sabe muito bem o que é a
física quântica, alguns gurus dizem o que o que querem com grande
impunidade. A física quântica - uma das maiores descobertas do século
XX - devia ser mais ensinada na escola.
I- O fim do mundo não aconteceu no dia 21, mas pode mesmo acontecer?
DM- Pois é, não aconteceu, tal como previmos. Fim do mundo não, mas fim
do Sol pode e vai acontecer, mas só daqui a cinco mil milhões de anos.
Razão teve o Presidente Putin na véspera do anunciado fim do mundo, que
disse isto mesmo.
I- As notícias de ciência por vezes têm pouca ciência?
CF- Nas notícias de ciência muitas vezes o processo científico está
completamente ausente. Numa investigação científica coloca-se uma
hipótese, é usado em geral o método experimental para a testar e
tiram-se conclusões dos resultados observados. Os cientistas interpretam
os resultados, por vezes com uma margem de subjectividade. Depois há
verificação por outros e discussão. Mas, nos media, tudo isso é muitas
vexes substituído por uma conclusão taxativa, uma verdade avulsa, na qual
se perde a natureza da ciência e do processo científico. A ciência não é
apenas uma conclusão, mas também o método de a obter.
I- Qual é na vossa opinião o problema do jornalismo sobre esta área? O que
deve ser feito?
DM- O problema é o desconhecimento por parte de alguns jornalistas do
processo científico. Um artigo científico não é uma verdade absoluta. E
muitas conclusões que aí aparecem não se vêm a confirmar. Em ciência,
raramente uma grande descoberta é feita por um único grupo de
investigação. Uma nova conclusão é construída tijolo a tijolo, por
vários grupos independentes que trabalham em várias partes do mundo, que
vão confirmando ou refutando os resultados uns dos outros. Pelo caminho
há muitos becos sem saída e hipóteses promissoras que afinal não dão em
nada. Os trabalhos científicos extremamente inovadores, em
contra-corrente, são os que menos probabilidade têm de serem confirmados.
A maior parte das vezes não por má fé de quem os conduziu, mas
simplesmente porque uma primeira indicação é ténue e precisa de mais
estudos. Muitas notícias de ciência baseiam-se num só artigo, que muitas
vezes tem conclusões que não se confirmam. No caso da saúde isso é
extremamente comum. As notícias de ciência deveriam ser escritas por jornalistas
familiarizados com a ciência e com o processo científico. Felizmente
ainda os há, embora cada vez menos. Não passa pela cabeça de ninguém que
as notícias de economia ou de futebol sejam escritas por jornalistas que
não conheçam minimamente esses assuntos. Com a ciência deveria passar-se
o mesmo. A solução não é fácil, mas passa pela formação dos jornalistas
em ciência e por uma maior aproximação entre jornalistas e cientistas.
Os cientistas têm grandes responsabilidades pois alguns ainda pensam que
podem viver isolados do mundo.
I- A internet é uma boa ferramenta mas também um grande problema? Como
é que as pessoas podem filtrar a informação?
CF- Com espírito crítico, com cultura científica, que a escola devia
promover.
I- As pessoas enviaram-vos dúvidas? Quais? Podiam dar exemplos?
DM- Sim, sim. Por exemplo sobre terapias alternativas que não abordámos
no livro...
I- Logo no início dizem que “estão cientes que algumas pessoas ou
grupos se poderão sentir atacados por algumas coisas ditas no
livro”. Isso aconteceu?
CF- Aconteceu. Mas a nossa intenção não foi atacar pessoas, mas sim ideias.
I- Qual é o maior desafio na divulgação cientifica?
DM- Conseguir que a ciência faça parte da cultura das pessoas, que faça
parte da vida das pessoas.
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2 comentários:
"Claro que também temos reacções negativas, de autores e partidários de tretas e aldrabices científicas. Normalmente não leram bem o livro e atacam-nos a nós em vez de discutirem as ideias que defendemos."
Brilhante. Só há reacções negativas por parte dos partidários de "tretas" e "aldrabices". E mesmo estes, ao que parece, que o argumento é confuso, só reagem assim porque não leram bem o livro. Meus senhores, eis o único livro da história da humanidade que, se bem e honestamente lido, não tem erro, é puro e belo! Abaixo os principia, temos as pipocas! Com esta pretensão será o livro menos científico de sempre. E por azar é um livro que, para além ser apenas um arrebanhado de coisas que se encontram pela net, contém imprecisões científicas e muitas confusões conceptuais. Por exemplo, isto da física quântica só ser aplicável a partículas atómicas e subatómicas é de palmatória. E esta coisa de entender que a ciência, em si mesma, não faz parte da cultura, que é preciso a divulgação científica, é revelador de um conceito de cultura tão pobrezinho....ao nível de vendedores de picocas.
Muitos parabéns aos autores. Agora é preciso um livro sobre medicinas "alternativas", enquanto ninguém traduz o "Trick or Treatment".
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