domingo, 6 de janeiro de 2013

Discurso político-jornalístico

Por sugestão do leitor José Batista, disponibiliza-se um texto de José Pacheco Pereira, intitulado "Os convidados da mesa de Natal dos Portugueses", de onde se retirou o seguinte extracto:
Não se pode pois esperar destas pessoas que saiam do conforto das suas abstracções escolares e juvenis, para o mundo que não cabe num qualquer "trabalho de casa". É por isso que o marxismo vulgar, que, sem saberem, lhes molda o pensamento, os faz falar da crise e da pobreza de forma meramente "infraestrutural": pobreza é fome, é não ter casa, é dormir na rua, é tudo aquilo que exige assistência. A pobreza para eles é apenas grande escassez material e remete para um universo assistencialista, com imagens de sopa dos pobres modernizadas, de IPSS que dão pão, roupa e cobertores, da benemerência severa e moralizadora do Estado apenas para os "mais pobres e necessitados". Tudo o resto é perdulário.
Saliente-se que esta forma de ver a pobreza não é muito diferente da que aparece nas reportagens televisivas, porque o universo de experiência e mentalidade de muitos políticos não difere do dos jornalistas. Andaram 30 anos sem ver um pobre, e agora que se fala deles procuram-no com a força do estereótipo. Um pobre, acham eles, é pouco mais do que um mendigo que não pede, mas que se pode perceber pelo modo, tom, face, roupa, que é pobre. Depois há todo um conjunto de reportagens sobre a "pobreza envergonhada", mas elas são casuísticas e por definição feitas com quem não "se envergonha" da sua pobreza. Na pobreza procuram o espectáculo mediático, nada mais.
Estes pobres do estereótipo aliam a sua pobreza a serem humildes e amochados: não protestam, agradecem. Os pobres que aparecem no imaginário discursivo dos políticos e de jornalistas nunca são os pobres perigosos, não vivem em Setúbal, nem no Cerco do Porto, porque nesses a condição de perigosos oculta a de pobres e estão incluídos numa categoria particular, a dos que não querem trabalhar, ou que são subsídio-dependentes, ou drogados e traficantes, mais as suas famílias, ou que são grupos criminosos oriundo de minorias de que não se pode falar, como os ciganos ou os negros dos subúrbios. Não é que não haja alguma verdade nestas caraterizações, mas elas são mais um ecrã de ocultação do que um conhecimento da realidade. 

5 comentários:

Ildefonso Dias disse...

Professora Helena Damião;

Os trogloditas da burguesia de que nos fala o Professor Bento de Jesus Caraça ainda existem! e isso é um problema!
Mas, como dizia o Professor “Vivemos no meio de uma realidade que é mais forte do que as construções metafisicas ou as guitarradas ao luar doutros.”

[…] “Poderá perguntar-se, porém, dado que assim é, de facto, e visto que o argumento orçamental não colhe, qual é a razão porque se não dá esse pequeno passo da extensão da gratuidade ao ensino secundário e superior. A razão está simplesmente nisto – na necessidade de conservar, para a classe dos que podem pagar, o monopólio da cultura e consequentemente, da direcção da sociedade.
A isto costuma objectar-se que, pelo sistema de bolsas de estudo, hoje mais ou menos corrente em toda a parte, todo o indivíduo, realmente capaz, pode ascender, venha donde vier, ao mais alto grau de cultura; há mesmo, em todos os países, sempre pronto, um «stock» de exemplos, mais ou menos bastos, de notabilidades, a ilustrar a afirmação. É verdade; esquecem-se, porém, dois pequenos pormenores – o de perguntar quantos valores individuais se têm perdido no anonimato nivelador da incultura; o de verificar quantos, dos que chegaram lá acima, se conservaram fiéis à sua origem e, pelo caminho, se não bandearam, por acção dos vários meios de que o aparelho dispõe, com os interesses dos que mandam. Acresce ainda que os sistemas de bolsas colocam os que as recebem na dependência dos que as dispensam, o que pode levar a arbitrariedades na sua distribuição. O direito à cultura deve ser realmente reconhecido como um direito inerente ao homem, e não como um favor, mais ou menos disfarçado, da administração pública. Razão têm, de sobejo, aqueles trogloditas da burguesia que clamam – a escola será de classe enquanto o rico pagar o ensino que lhe ministram. E a isto pode acrescentar-se – e no dia em que o rico não pagar, isto é, em que for instituída a gratuidade, estará criada uma condição necessária, notem V.Ex.as bem, apenas necessária, para que a Escola deixe de ser de classe.”


Cordialmente,

Ildefonso Dias disse...

Professora Helena Damião;

“Esta concepção – a de que cada povo seja governado pelos melhores – implica, para sua completa realização, o aproveitamento de todas as energias e exige, portanto, que todos passem pela fieira da selecção. Isto é, a proposição referente à selecção tem como corolário esta outra - todos devem ser obrigados a frequentar a escola e a ir nela até onde as suas capacidades o permitam e exijam.” [Bento de Jesus Caraça – Escola Única].

Não será para mim uma surpresa se, o senhor Professor José Batista, o senhor Pacheco Pereira, o Senhor Guilherme Valente e mais burgueses (grandes defensores da Escola de Classe) vierem reclamar “que todos devem passar pela fieira da selecção” ... mesmo que estes senhores não defendam o ensino gratuito em todos os níveis - não lhes falta coragem para isso, e não tenha duvidas que o fazem senhora Professora Helena Damião, e exigindo para isso, pasme-se!!! que o povo deve ser governado pelos melhores.

Quanto ao texto do José Pacheco Pereira, o 'post' digo-lhe apenas isto: “Como pode falar de Amor quem nunca amou?”

Cordialmente,

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Substimar a plenitude alheia é diminuir-se perante os demais.

Ildefonso Dias disse...

Senhora Cláudia da Silva Tomazi;

Fico com a ideia, porventura errada, de que a senhora me pretende dizer alguma coisa e não sabe bem o quê ou sequer como começar !!! mas contudo permita-me apreciar o seu breve comentário, pois que, agora sou eu que tenho algo para lhe dizer.

A senhora diz que “Substimar a plenitude alheia é diminuir-se perante os demais.”.

Ora como a senhora sabe eu não subestimo a plenitude alheia de ninguém, aliás, eu denuncio-a sempre que é preciso, o que é bem diferente.

Denuncio a plenitude do sr. José Manuel Durrão Barroso, do sr. José Pacheco Pereira no que à plenitude de fazer a guerra lhes diz respeito; denuncio a plenitude do sr. Mário Soares que se mostrou solidário com quem deu ordem para lançar a bomba atómica sobre a humanidade, querendo dizer que se fosse ele fazia a mesma coisa... enfim, estou sempre pronto, como a senhora Tomazi pode ver, para denunciar as plenitudes alheias, e não é por isso que fico diminuído, creio, esperando com isso também não ficar diminuído aos seus olhos...


Cordialmente,

Cláudia da Silva Tomazi disse...

De bom grado vosso entusiasmo sr. Idelfonso Dias. E, diga-se da oportunidade que se encerra, creio que concordamos que a humanidade é um expediente nem tórrido mas, agradável.

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