O texto de João Veloso é exato e terrível. Exacto, porque faz o diagnóstico de um sistema educativo que, desde há muito, maltrata as humanidades, entre elas as línguas clássicas, as "absolutamente marcadas pelo labéu da inutilidade" (para que servem? para que serve a música? para que serve a poesia?...). Terrível, porque sicut uoces praecantes in deserto, são cada vez menos os que alertam para os efetivos prejuízos da construção de um currículo de ensino não superior no qual as humanidades figuram com um enquadramento disforme, seccionado, com o maior desrespeito pelas línguas enquanto saber exato, varrendo-se, das ofertas escolares, o latim, o grego, mas também o alemão, o francês…
Sou professora de línguas clássicas no ensino superior, mas, contingências da vida universitária, tenho lecionado outras disciplinas, tendo-me passado pelas mãos algumas centenas de alunos. E assim, posso testemunhar algo que certamente outros professores já viram: o aluno universitário médio com défices severos não só de formação, mas também de estruturas mentais que lhe permitam aprender: exprime-se em períodos de 3 ou 4 palavras (mais do que isso é uma tese, ou então, interrompido por cadeias de monossílabos); o vocabulário é restrito, a ponto de inibir a compreensão oral de uma exposição do docente; raramente é capaz de ler bibliografia em língua estrangeira (qualquer que ela seja!); parece que a memória se encontra em completo repouso. Já encontrei alunos não treinados para a leitura silenciosa, ou que a acompanham com um mover abichanado dos lábios…
Após anos, planos e euros gastos com Planos Nacionais de Leitura; reformas curriculares; reformas de programas escolares; aplicação da TLEBS; e.escolas, chegámos a um estado bizarro: somos o único país de língua românica que coloca o latim como opção, a competir com a disciplina de Literatura Portuguesa (que escolha é esta?: então o aluno de humanidades é obrigado a escolher entre o latim e a literatura do país de que é cidadão?).
O quadro é penoso: somos o único país de língua ocidental (não estamos a cingir-nos apenas aos países românicos) em que o ensino de latim e grego em meio universitário, nas duas únicas licenciaturas de Estudos Clássicos a funcionar no país, admite níveis de iniciação para saberes nos quais, ao fim de três anos, saem licenciados. Seria como se, numa licenciatura em Matemática, os jovens entrassem no primeiro ano para aprender a tabuada…
PBDias
4 comentários:
Engana-se, a tabuada agora eles nunca aprendem. Nem no primeiro ano.
Bom dia,
Muitas são as razões do estado a que chegam os alunos ao ensino superior, conforme os descreve.
Uma delas, no entanto, é a constante mudança,a permanente "invenção da roda" de quem governa a nação, o que não permite, nunca, consolidar práticas e efetuar uma avaliação reflexiva sobre as mesmas. Precisamos de linhas orientadoras sólidas, mínimas, constantes e avaliáveis, aplicadas durante um período de tempo suficientemente longo para que possamos aferir se estamos a ir no bom caminho.
Precisamos, acima de tudo, (re)introduzir o rigor e a exigência na escola, mas um rigor e exigência que não deixem para trás milhares de alunos.
Uma última nota: o seu comentário certamente não ignora que já há muito tempo que vão para o ensino superior, na área das humanidades, os alunos menos motivados, menos sabedores, com menos domínio da língua portuguesa e que são raros os bons alunos (e famílias) que escolhem o que, socialmente, tem o cunho da inutilidade.
Gostei !
"Precisamos, acima de tudo, (RE)INTRODUZIR o rigor e a exigência na escola,mas um rigor e uma exigência que não deixem para trás milhares de alunos".
A distribuição é naturalmente gaussiana...
http://pt.wikipedia.org/wiki/Distribui%C3%A7%C3%A3o_normal
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