quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Levi e Regge em diálogo
Um pequeno extracto do rico diálogo entre o escritor Levi e o físico Regge que acaba de sair em livro na Gradiva, uma obra que vivamente recomendo:
"LEVI: O facto é que, nesta altura, me parece completamente sem sentido que alguém que não um físico escreva um romance de ficção científica. Actualmente, a literatura de ficção científica é uma reserva de caça privada, algo escrito por físicos e para físicos. A parte que entra no mercado comercial é lixo marginal. A verdadeira ficção científica é a que circula na república dos físicos. Foi fundada por gente que sabia alguma física e biologia, que era capaz de comunicar, e de facto teve enorme sucesso.
REGGE: Mas ficou desactualizada muito rapidamente. Se reler os textos da Urania [Revista italiana de contos de ficção científica publicada desde 1952 (edições A. Mondadori). (N. do T.], parece-lhe impossível que, passados vinte anos, a ficção científica tenha sido tão ultrapassada pelos factos. Todas as viagens à Lua se tornaram ridículas, parecem cenários feitos com papel de embrulho.
LEVI: Excepto o livro de Wells, que julgo intitular-se Os Primeiros Homens na Lua e tem uma ideia muito bela: há o cientista habitual, ligeiramente doido, que inventa uma substância plástica que intercepta a força da gravidade. Se te puseres sobre uma placa do «cavorite» dele deixarás de ter peso. O cientista decide construir um veículo muito simples para ir à Lua, um poliedro com cinco ou seis metros de diâmetro, feito de pequenas persianas de «cavorite» que abrigam o inventor e o seu companheiro. O veículo, evidentemente, não tem peso, e para se deslocar é aberta uma janela voltada para a Lua, isto é, ele só «pesa» na direcção da Lua.
REGGE: A astúcia de Wells estava em ele não tentar explicar as máquinas que imaginava. Elas estavam muito além das capacidades tecnológicas do seu tempo e, portanto, não podiam envelhecer.
LEVI: Nem sempre: em Guerra no Ar, Wells previu realmente a Segunda Guerra Mundial, a aliança entre o Japão e a Alemanha, a importância da guerra aérea. Por comparação, Verne parece um pouco patético, um pouco didáctico. Mas um romance de Verne que não é ficção científica, Miguel Strogoff, e que recentemente reli, parece-me muito belo. E o mesmo se pode dizer de Volta ao Mundo em Oitenta Dias, em que o esquecimento dos fusos horários é muito sagaz. Contudo, mantém-se o facto de um género popular como a ficção científica estar em implosão e a tornar-se uma espécie de reserva de caça, um monopólio dos físicos.
REGGE: Asimov deixou de escrever, mas mesmo a sua famosa trilogia tem uma ficção que não se aceita: uma viagem a uma velocidade superior à da luz, e, como sou relativista, tais coisas dão-me traumas psíquicos.
LEVI: As exigências da história forçaram-no a fazer aquilo. Ou se deixa de escrever ou se tenta sub-repticiamente introduzir elementos que vão contra as leis conhecidas.
REGGE: A luz é desesperadoramente lenta para os autores de ficção científica; tentam rodear este facto sem nunca serem capazes de encontrar uma solução. E eu sofro.
LEVI: Arthur C. Clarke tentou elaborar uma lista de coisas que são imagináveis e outras que não são: a inteligência dos mamíferos, estradas de tapetes-rolantes, veículos com colchão de de ar, todos funcionam. Outros não, como a máquina do tempo.
REGGE: Posso compreender uma viagem até à estrela mais próxima, não a curto prazo, digamos dentro de trezentos anos, desde que a humanidade entre num período extraordinário de crescimento económico, seja capaz de colonizar a faixa de asteróides e desenvolva satisfatoriamente a fusão nuclear. O método poderia ser o projecto Oríon imaginado por Dyson: um veículo espacial que tem um espelho semi-esférico de cobre na parte posterior, enorme, qualquer coisa como dez quilómetros, e que a intervalos regulares lance unidades propulsoras, isto é, bombas de hidrogénio que atinjam o centro da esfera, expludam, e empurrem a nave através da onda de impacto. Duzentas mil bombas de hidrogénio seriam suficientes para se alcançar um centésimo da velocidade da luz. Desta maneira, ao fim de quatrocentos anos, chegaríamos à estrela mais próxima. O problema é que uma colónia de pessoas a bordo desta nave degeneraria rapidamente, regressaria a uma cultura provinciana, enfrentaria, depois, sérios problemas genéticos, golpes palacianos, e por aí adiante. O nosso conhecimento sobre o funcionamento de uma sociedade humana é muito mais imperfeito do que o nosso conhecimento sobre máquinas. Já sem mencionar o facto de ser impossível garantir que a maquinaria da nave necessária para a sobrevivência seja capaz de funcionar durante milhares de anos. Hoje em dia, nem mesmo um elevador tem garantia de dois meses..."
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