segunda-feira, 27 de junho de 2011

O REGRESSO DA POLÉMICA SOBRE O EXAME DE ACESSO À DOCÊNCIA (2)

“A resignação passiva, por ensurdecimento progressivo do ser, é o falhanço completo e sem remédio” (Sophia de Mello Breyner).

2.
Numa altura em que os candidatos à docência excedem em muito a procura do mercado, uma notícia da Lusa (24/01/2009) diz-nos que “a Fenprof rejeitou hoje que os professores sejam obrigados a realizar um exame de ingresso na carreira por considerar este exame ‘injusto e sem sentido’. Em contrapartida, Jorge Pedreira, secretário de estado adjunto da Educação, vê nesta medida a garantia de que a formação ministrada aos que se desejam candidatar à docência se rodeie de’padrões de qualidade exigível que se não verificam em estabelecimentos de ensino superior privados em que ’existem ‘indícios’ de facilitismo e eventual inflação nas notas. A título de exemplo, referenciou a Escola Superior de Educação Jean Piaget e o Instituto Superior de Ciências Educativas responsáveis, segundo ele, pela formação de ‘um terço de todos os professores admitidos no sistema nos últimos dez anos’.(…) Mas esta discussão sobre o exame de acesso à docência vem de longe e não se circunscreve às escolas mencionadas. Anos atrás, escrevi em artigo de opinião num jornal ("Correio da Manhã", 05/05/92). de que era colaborador: ‘O Estado com um orçamento insuficiente para satisfazer a massa estudantil que procura as universidades estatais viu-se obrigado a delegar parte dessa incumbência em instituições privadas que, tendo em vista o lucro fácil, não se preocupam com o ensino que ministram (“O exame de acesso à carreira docente”, "De Rerum Natura", 28/01/2009).

3.
“Em finais de 2007 lia-se na imprensa uma notícia intitulada ‘A vice-reitora da Universidade de Coimbra defende exame para acesso à docência’. De forma institucional ficou-se a saber que Cristina Robalo Cordeiro, pois é dela que se trata, subscreveu um parecer suportado em três princípios: ‘qualidade de ensino e equidade de acesso à profissão docente; exigência acrescida para uma competitividade a nível europeu; e reconhecimento de que nunca a pedagogia consegue que um professor ensine aquilo que não sabe’. Vivia-se então o tempo, que se perpetua em nossos dias, de alunos diplomados pelas escolas superiores de educação passarem à frente dos alunos saídos das faculdades nos concursos para professores do 2.º ciclo do ensino básico, através da classificação do respectivo diploma escolar. Desta forma, um escasso valor superiorizava-se (e superioriza-se) à maior complexidade de currículos, duração de anos de estudos e maior classificação de acesso trazida do ensino do 12.º ano do ensino secundário por parte dos docentes oriundos do ensino universitário. Dias atrás, em post publicado neste blogue, num comunicado da Fenprof’ (31/10/2009), deixei o seguinte post-scriptum: Um outro ponto do comunicado da Fenprof merece uma análise aprofundada que ficará para outra altura. Refiro-me a uma outra exigência sindical: ‘A extinção da espúria prova de ingresso na profissão docente e respeito pelas qualificações dos docentes e pela autonomia das escolas na verificação das condições para o exercício da profissão’. (…) A necessidade de exigência na formação dos docentes foi posta em evidência numa intervenção de Luís Reis Torgal, professor catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra que, num debate promovido pela Associação Académica de Coimbra, em 19 de Fevereiro de 2003, se insurgia já contra a formação de professores para o 2.º ciclo do ensino básico a cargo simultâneo das faculdades e das escolas superiores de educação. Mereceu, ainda, crítica o verdadeiro escândalo da atribuição do grau de licenciado a diplomados pelas antigas escolas do magistério primário, após a frequência de um curso de complemento de habilitações em escolas privadas de duvidosa credibilidade que ministram cursos de escassa duração e pouca confiança (“Novamente o exame de acesso à carreira docente”," De Rerum Natura", 06/11/2009)”.

Toda a medalha tem verso e anverso. O mesmo sucede com as posições aqui deixadas de Ana Benavente, de figuras de peso no mundo da educação, e da Fenprof para além de interpretações pessoais minhas, com a convicção de as não ter feito “de pena ao vento”, como aconselhava Eça. Ou seja, em minha opinião, as orientações de Ana Benavente não trouxeram (utilizando palavras suas) “melhores aprendizagens para todos os jovens faces ao desafios do mundo actual”. Avoco em defesa desta minha asserção a opinião do próprio António Guterres, sendo na altura Ana Benavente secretária de Estado da Educação de um governo por si presidido: “De repente, perante a obstinação dos que teimaram em não acreditar na realidade, o Portugal novo-rico tornou-se no Portugal novo-pobre. Pobre, porque pobre na qualificação das pessoas. Aí estão a comprová-lo os números terríveis do Estudo Nacional de Literacia, recentemente publicado” Verdade seja dita que de lá para cá nenhuma melhoria houve no sistema educativo português. Segundo um relatório da “Caritas Europeia” (Jornal da SIC, 08/02/2002), “um em cada dois portugueses não percebe o que lê”.

Como nos ensina a expressão latina errare humanum est”. Mas persistir anos a fio no mesmo erro será humano e desculpável? Eis a questão.

16 comentários:

Anónimo disse...

Se vivêssemos num pais perfeito onde os alunos saídos do ensino obrigatório estivessem preparados para a vida, onde os alunos do secundário estivessem preparados para a universidade, onde os alunos de licenciatura estivessem preparados para as tarefas que supostamente vão desempenhar, então não teríamos qualquer problema.
Mas esse mundo perfeito não existe!
Os professores ou qualquer classe profissional deve sair bem formada, as universidades hoje já não asseguram a boa formação, por diversos problemas, desinteresse dos docentes que constituem uma classe poderosa de interesse ou uma classe parasitária, como queira o ponto de vista relativo à ideologia politica do momento ou imposições do próprio governo que acha que o que se faz fora é que é bom e exige um mínimo de passagens administrativas por ano..
A questão é parecida com a do secundário, os exames são já das poucas coisas que ainda vão garantido insuficientemente a qualidade do candidato!

Então se o senhor ou a menina é um professor que fez pela vida, se interessou e se formou, que mal tem em fazer mais um exame? ok é chato, perde-se tempo e paciência mas no fim o resultado é o previsível, o menino ou a senhora passou como seria de esperar!

Qual é afinal o medo ou bicho papão dos exames neste pais? Afinal quem estuda e se dedica consegue sempre superar os objectivos!

Esta coisa de sermos contra as avaliações é tipicamente de gente mal formada, laxista e da borga, perfeitos incompetentes que querem os mesmos direitos que os outros sem terem o devido esforço!

Anas Benaventes, lideres da fenprof e outros carcinomas da educação temos nós aos montes por esse pais fora, mal estamos nós por essas insuficiências profissionais chegarem a atingir os lugares de decisão!

Pois mais digo que sou completamente a favor dos exames e avaliações sejam eles quais forem, desde que separem o trigo do joio, fala-se em desemprego mas por aquilo que vejo metade dos licenciados desempregados sabem tanto do oficio para o qual estudaram como eu sei de cultivar batata!

Anónimo disse...

Quem de nós se pode vangloriar de, por qualquer forma, incluindo a "tesourada", não ter contribuído para o "ensuedecimento" dos outros?... JCN

José Batista da Ascenção disse...

Tendo as coisas chegado ao ponto em que estão, não há outra forma de seleccionar bons professores senão sujeitando-os a um exame prévio.

É claro que o mal começa pelas instituições de "ensino superior" (?) que, em muitos casos, apenas são "superiores" na incompetência e na irresponsabilidade.

Conheço alguém cheio de humor que diz ter andado muito preocupado em certa altura de um passado não muito longínquo. Afirma ele que não dormia com medo que lhe instalassem uma universidade no "hall" de entrada da casa, porque, garantia, lhe era muito necessário para passar...

E eu acho até, pela vergonha que começo a ter de me apresentar como professor (do ensino secundário, bem entendido) que todos os professores, mesmo os que estão no activo, mesmo os que se encontram quase à beira da aposentação, deviam exigir ser submetidos a um exame, particularmente de língua portuguesa.

Esse exame devia, de resto, ser obrigatório para todos os lugares do ministério da educação, incluindo secretários de estado ou directores regionais de educação com passado académico "esquisito" e manifestações claras de insuficiência (como houve, lembram-se?...), desde o mais alto até ao mais modesto funcionário.

Naturalmente, ofereço-me para ser o primeiro a ser sujeito a um tal exame. Não sem a exigência de que o júri seja formado por quem reuna os requisitos mínimos, claro.

Peço desculpa pelo radicalismo. Mas as condições da educação tornaram-se insuportáveis.

Fartinho da Silva disse...

A questão é: que tipo de exame? Será um exame sobre o conteúdo (área científica) ou sobre a forma ("ciências" da educação)?

Se tal exame vier mesmo a acontecer, o lobby não vai ficar a dormir...

Fartinho da Silva disse...

O nome dos secretários de estado não me dão nenhuma confiança... desejo muito estar enganado, mas...

Anónimo disse...

Caro Fartinho:
Então o Secretário de Estado não se chama João Queiró? Que tal?

Fartinho da Silva disse...

Cara Anónimo,

Obrigado por me ter chamado a atenção, tem toda a razão.

José Batista da Ascenção disse...

Fartinho da Silva levanta questões muito pertinentes.
O assunto é sério.
Um exame para se entrar na docência deveria, em minha opinião, testar conhecimentos fundamentais da língua portuguesa, por exemplo através da análise da expressão escrita, e incidir sobre aspectos fundamentais do domínio científico de cada disciplina.
A tralha das ciências da educação só deverá ser exigida a qualquer docente após algum Einstein da pedagogia demonstrar a validade das variáveis que podem influenciar o ensino e a diversidade dos modos de aprender. Antes disso, trata-se de curiosidades, a maioria das quais passa depressa à condição de lixo inconveniente, por impossibilidade de apagá-las da memória.

Anónimo disse...

Para se ser político não basta
ser-se um emérito universitário:
primeiro do que tudo é necessário
acomodar-se à respectiva casta!

JCN

Anónimo disse...

José Batista da Ascenção:

Fez-me lembrar com o seu comentário de uma situação: num determinado departamento na área de ciências sociais e humanas cujo curso e universidade não divulgo, houve pelos anos 2000 e poucos uma questão pertinente a ser referida/ contestada: Não sendo o curso de línguas os alunos contestavam os professores num ponto: os docentes apenas se deveriam concentrar na matéria dos exames/ testes e não no português em si!
Acontece que nunca houve uma decisão formal do dito departamento acerca da questão mas posso dizer que os professores formados à pressa num quadro e subjectividade pós modernista não lhes interessava o português para nada, qualquer aluno poderia responder razoavelmente bem a uma questão dando erros de gramática e construção de frases escandalosos, enquanto que os professores do tempo da outra senhora, obsoletos, velhos do Restelo, ultrapassados, faziam muita questão de ter em atenção esses pormenores e incluírem essa questão na avaliação final, havendo mesmo quem publicitasse esses erros com nome e numero de aluno e respectiva correcção no mural do respectivo departamento..

Acontece que passado uns anos, os alunos calões que mal formados davam erros a torto e a direito desapareceram de cena e ninguém sabe o que lhes aconteceu, licenciaram-se mas não exercem a profissão, coincidência?..

Ps: As ciências da educação tal como as conhecemos são lixo autêntico, não passam de masturbações intelectuais de impostores intelectuais na maioria estrangeiros que o país absorve na habitual parvoíce de que o que é estrangeiro é bom e o que é nacional não presta, fazem dos alunos cobaias e inventam teorias da treta, repare-se que essas ditas ciências não têm nada de cientifico, meta-os em física, químicas, biologias ou outras ciências exactas onde a subjectividade não conta e vai-se aperceber da nulidade que são essas pessoas!

Anónimo disse...

Exames já eu fiz muitos quando estive a fazer o meu curso na Universidade e pelos vistos não era assim não era assim tão má, pois acabei-o com média de 16, o meu estágio com média de 17, acho que dei provas suficientes de que sou boa no que faço, vergonha é ter por exemplo de ser "quase" obrigada a passar alunos, como foi ontem em reunião de Conselho de Turma, que não reúnem as condições necessárias para progredirem nos estudos, mas como a "lei" é para se cumprir e o que conta (infelizmente) são as estatísticas... daí os alunos estarem cada vez menos preparados, devido ao facilitismo em que o ensino caiu.. e não pelos conhecimentos científicos dos docentes...por isso há que pensar bem, e não começar a acusar a classe docente de qualquer outra coisa se não ter de dar cumprimento ao que vem "de cima"
Uma contratada há nove anos consecutivos...

Rui Baptista disse...

Gostaria, ou melhor seria da máxima conveniência em prol da aprendizagem dos nossas alunos, em que a qualidade dos professores é um factor decisivo, que o espaço dedicado a comentários neste blogue em geral, e neste post, em particular, envolvesse um universo bastante ampliado de argumentos (e não simples devaneios)a favor e contra a prova de acesso à docência .

A mediocridade não pode continuar a sobrepor-se à qualidade. Agradeço, desde já os comentários feitos, mas gostaria, ou melhor seria da maior utilidade, que o movimento sindical que se atira a esta medida com sanha desusada, nos desse a garantia de não estar ao serviço da discutível qualidade dos candidatos à docência que, sem prova em contrário, parecem ter medo em serem avaliados como se fossem todos de igual valor e vindos de escolas de formação de idêntica qualidade. A opinião sindical, tenho-a como de capital importância.

Desde já, fica a garantia de eu, como sempre, não me escusar a essa discussão, venham os argumentos donde vieram e sejam eles descabelados ou bem fundamentados. Crítica que aceito eu próprio para mim por ninguém ser detentor da verdade absoluta. Agora todos devemos argumentar as nossas opiniões sem as ter como indiscutíveis.

Anónimo disse...

Professora das 7:30

Pois o que diz é o pão nosso de cada dia, os professores já nem autoridade têm e quando não são do quadro até são olhados de lado pelos outros que o são e isso faz depender também a escolha de professores para continuarem mais algum tempo na escola nos próximos anos lectivos..

Rui Baptista disse...

2.ª linha do 1.º§ do meu comentário anterior: corrigir "dos nossas alunas" para "dos nossos alunos".

Semisovereign People at Large disse...

nossas alunas para nossos para quê

o id deixa descair estas preferências supongo yo

Rui Baptista disse...

Comentário (29 Junho, 21:11): Se reparar (e reparou com certeza) na frase "dos nossas alunos" não bate a bota com a perdigota.

Este o motivo da emenda do meu "lapsus calami", embora, eu próprio, reconheça poder ser tida como uma insignificância a não merecer, sequer, rectificação minha ou simples reparo seu perante o “mare magnum” dos problemas de fundo que merecem ser discutidos, quanto mais não seja, em respeito pelos autores dos comentários ao meu post.

Daí o apelo que fiz ao movimento sindical, perante a sua oposição frontal, constante, ruidosa, para aduzir as suas razões contra o exame de acesso à docência. Por norma, aprendo sempre com temas controversos em confronto. Nada mais.

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...