quinta-feira, 8 de abril de 2010

Newton e a Lua


Excerto do meu livro "Física Divertida", que se encontra em 7.ª edição na Gradiva:

Existem em física muitas histórias tão lendárias como a da queda das pedras na Torre de Pisa. Uma das lendas mais famosas é a da maçã de Newton, que, ao que parece, foi inventada pelo próprio para assegurar a prioridade da sua descoberta da gravitação universal.

Isaac Newton teve um dia de se refugiar na sua região natal de Lincolnshire, no coração de Inglaterra (tinha-se declarado a peste - a SIDA daquela época - na cidade universitária de Cambridge, e era melhor proteger-se no isolamento no campo). Estava Newton sentado debaixo de uma macieira, talvez a amadurecer as suas ideias, quando lhe caiu inopinadamente uma maçã em cima da cabeça. Certamente que a maçã estava demasiado madura. Ao mesmo tempo, a Lua brilhava poeticamente nos céus. Fez-se então luz no espírito de Newton, que compreendeu nesse preciso momento (quando balbuciou "aha!") que a força causadora da queda da maçã na sua cabeça era do mesmo tipo da que fazia a Lua mover-se em volta da Terra.

Nascia assim a física, tal como hoje a conhecemos, como uma tentativa de unificar vários fenómenos naturais aparentemente distintos. Pergunta: porque é que a Lua não caiu na cabeça de Newton? Ou melhor, para tornar a questão mais interessante e actual, porque é que a Lua não cai nas nossas cabeças?

Em primeiro lugar, é oportuno um comentário para expressar satisfação: ainda bem que a Lua não caiu porque nesse caso teria sido não apenas o princípio mas também o fim da física. Newton criou a física nesse instante de inspiração, em que a maçã lhe fez compreender que os fenómenos do céu eram regidos pelas mesmas leis que os fenómenos da Terra. A física começou pois com uma maçã, à semelhança do pecado que, segundo o relato bíblico, começou também com uma maçã. A lenda só não conta se Newton comeu a sua maçã tal como Adão...

O facto de a Lua não cair nas nossas cabeças explica-se facilmente invocando as condições iniciais. O movimento de um qualquer objecto é determinado, como já foi referido, não apenas pela força que sobre ele actua, mas também pelas condições no início do movimento. E a Lua é um objecto como outro qualquer: como uma pedra, uma galinha, uma pena, uma bola, uma bomba ou até uma maçã.

Não há nada como uma analogia, mesmo que grosseira, para entender a situação: se dermos uma palmada nas costas a alguém, duas coisas podem acontecer, conforme a "condição inicial" da pessoa que foi importunada. Ou a pessoa está bem disposta (a sua "condição inicial" é estar bem disposta), e não responde, limitando-se a sorrir. Ou está mal disposta (a sua "condição inicial" é estar chateada) e responde com outra palmada de volta. Uma força igual teve portanto efeitos diferentes...

Analogamente, a força da gravidade sobre a Lua pode fazê-la cair apressadamente nas nossas cabeças ou fazê-la girar tranquilamente à volta da Terra. Ninguém sabe muito bem como é que a Lua surgiu. Quando a humanidade apareceu já a Lua cá estava... Hoje em dia, cada cabeça científica escolhe a sentença mais convincente. Existem três hipóteses clássicas. Há quem diga que a Lua foi companheira da Terra, desde os mais remotos primórdios do sistema solar. Há quem diga que uma parte da Terra (talvez onde é hoje o Oceano Pacífico) se separou a certa altura para formar a Lua. E há até quem afirme que a Lua foi um corpo estranho que colidiu com uma Terra existente anteriormente.

As amostras de rochas lunares trazidas pelos astronautas norte-americanos foram datadas com suficiente rigor, usando a radioactividade natural. As mais velhas têm cerca de 4 mil milhões de anos. Sabe-se hoje que a Lua tem aproximada¬mente a idade da Terra, cerca de 4,5 mil milhões de anos, remontando ambas às origens do sistema solar (quer isto dizer que o Sol tem também, mais ou menos, essa idade). Contudo, a Terra e a Lua nem sempre foram vizinhas como são hoje. A teoria actualmente mais plausível é a indicada pela terceira hipótese. A Lua teria resultado de um violento choque da Terra com um astro vindo de fora, ficando os dois corpos a mover-se nas órbitas que hoje conhece¬mos. Embora não se saiba muito sobre o início da Lua, sabe-se de certeza uma coisa: a Lua teve uma condição inicial que a levou a permanecer em órbita da Terra desde há vários milhões de anos. Teve pois uma condição inicial "feliz". Há planetas que têm condições iniciais "infelizes", porque acabam por colidir e desaparecer. E há outros que sobrevivem. A Lua teve uma condição inicial que a levou a sobreviver, mantendo-se em órbita em torno da Terra.

O que aconteceria se um ser, muito poderoso, parado, pegas¬se na Lua e depois simplesmente a largasse? Não existem dúvidas: então a Lua cairia mesmo sobre a Terra. É um problema simples de física (embora alguns estudantes de física geral o achem complicado) calcular quanto tempo é que a Lua demoraria a cair sobre as nossas inteligentes cabeças. Podemos imaginar uma macieira gigantesca, cujos frutos sejam luas. Se o pé da nossa Lua cedesse (no caso, a macieira tem um único fruto, mas há planetas com muitas luas, como Saturno, que tem pelo menos 18), ela cairia, madura, sobre a Terra.

Newton considerou o movimento de um projéctil para várias condições iniciais (o projéctil tanto pode ser um obus de um canhão como uma maçã). Esses desenhos mostram como é que se "transforma" uma maçã numa Lua. É simples. Em vez de se esperar que a maçã caia de podre, dá-se-lhe um pipa¬rote, comunicando-lhe uma pequena velocidade inicial na horizontal. Então a maçã já não cai na cabeça de Newton mas um pouco à frente do respectivo nariz. Se se transmitir à maçã um impulso ainda maior, ela cai ainda mais longe, uns metros à frente de Newton. Dispare-se a maçã com uma boa espingarda (se se conseguir arranjar uma espingarda de disparar maçãs), que ela vai eventualmente cair meio quilómetro à frente (um bocadinho chamuscada pelo tiro, mas cai). Lance-se depois um foguete de mandar maçãs e a maçã pode muito bem, já que a Terra é redonda, dar a volta à Terra e voltar por detrás de Newton. Regressa ao ponto de partida com a mesma velocidade inicial. Esse fenómeno é possível em princípio mas impossível na prática em virtude da resistência do ar, das montanhas da Terra, etc. Suponhamos, portanto, uma situação ideal. O pobre Newton veria, atónito, a maçã aparecer-lhe por detrás...

É um exercício de física geral, que costuma sair nos exames, saber qual tem de ser a velocidade inicial para a maçã ficar em órbita circular e quanto tempo é que a maçã demora a dar uma volta completa. A resposta à primeira pergunta é 8 km/s - a maçã teria de ser muito mais rápida do que uma bala, pelo que não há espingardas capazes de a disparar assim tão rápida; a resposta à segunda questão é 1 h 23 m. Por vezes, sai nos exames um exercício um pouco diferente (e, portanto, um pouco parecido!) que consiste em saber qual é a velocidade da nossa Lua e quanto tempo demora a dar uma volta completa. As respostas são respectivamente 1 km/s, ou se se preferir 3600 km/h - que é, como vimos, a velocidade de uma bala- , e 28 dias - um mês). A Lua corre, veloz como uma bala, em torno da Terra.

Se a maçã ficasse em órbita, a Lua teria ganho uma companheira, isto é, passariam a existir dois satélites em volta do nosso planeta. Uma minhoca dentro da maçã (as maçãs podres têm minhocas, como toda a gente sabe) seria assim a primeira minhoca astronauta... A Terra teria assim duas luas (de facto, já tem muitas luas artificiais: os satélites de comunicações são uma espécie de maçãs que se lançaram no espaço). Do ponto de vista da mecânica de Newton, a única diferença entre a Lua e a maçã é o raio da respectiva órbita circular e portanto a velocidade de revolução - os corpos em órbita mais perto da Terra andam com maior velocidade e têm um menor período (o período é o tempo que um objecto demora a dar uma volta completa). A Lua não é mais do que uma maçã grande, que está a "cair" sobre a Terra, de uma maneira muito peculiar. Dizemos que cai, porque, se não existisse a Terra, a Lua iria em frente, em linha recta (despreza-se para o caso a acção dos outros corpos do sistema solar). Mas cai pouco: cai só 1,5 mm em cada quilómetro percorrido. Podemos também dizer que demora um tempo infinito a cair e que, portanto, nunca chega de todo a cair na Terra. Não há razões para ter medo da queda da Lua.

Newton mostrou que a força entre Terra e Lua ou entre maçã e Terra varia na razão inversa do quadrado da distância. Deduziu isso no seu livro "Princípios Matemáticos de Filosofia Natural", publicado há cerca de trezentos anos. É essa expressão matemática que garante a estabilidade da órbita, tanto à maçã como à Lua. Pode mostrar-se que, se a força variasse com o inverso do cubo da distância, a Lua descreveria uma espiral, acabando mesmo por cair sobre a Terra. Mas, antes disso, já teria caído a Terra sobre o Sol. O sistema solar aguenta-se, no seu conjunto, porque a força é inversamente proporcional ao quadrado da distância.

Recentemente, tem-se discutido bastante a possibilidade de os corpos em queda não obedecerem exactamente à lei da gravitação universal de Newton. A chamada "quinta força" poderia introduzir pequenas modificações à descrição newtoniana da queda. Voltaram, por isso, a ser realizadas experiências de queda de objectos. Houve quem deixasse cair graves de torres especiais, com cerca de 500 m de altura, não obtendo qualquer evidência para uma gravitação não newtoniana. As antigas ideias de Newton continuam assim a ser modernas.

2 comentários:

Anónimo disse...

declara¬do
aproximada¬mente
conhece¬mos
pegas¬se
pipa¬rote
velo¬cidade
existis¬se

Sei que são erros resultantes de deficiência do software utilizado, mas são tão aborrecidos!

Sérgio O. Marques disse...

A ideia da queda da maçã foi, porventura, inventada para assegurar a prioridade na descoberta da gravitação sobre Hooke. Este foi realmente o primeiro a propor que as leis físicas à superfície da Terra serão igualmente válidas no espaço celeste. Estes dois homens, começaram como amigos e acabaram como inimigos (pensa-se que a frase onde Newton se põe em pé nos ombros dos gigantes não é nada mais senão uma crítica sarcástica à baixa estatura de Hooke).A Newton deve-se a sua concepção matemática. No entanto, neste texto é descurado o decurso histórico.
A física moderna surgiu com Galileu. O princípio da inércia deve-se a Descartes, segundo o qual um corpo, não sendo sujeito qualquer acção, mantém-se com movimento rectilíneo. Daqui não foi muito difícil concluir que, para os planetas terem órbitas cónicas fechadas (Kepler), estes teriam de estar sujeitos a forças centrais.
O físico Huygens, descreve a força centrífuga (que contrabalança a queda da lua) e Borelli usa-a para descrever o movimento dos planetas.
Apesar de ter marca de grande inteligência, não é uma descoberta que esteja associada a um homem só (é importante lembrar isso) que nem sequer teve a hombridade de recohecer algum crédito no trabalho de um conterrâneo seu.

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