segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O FOGO DE PROMETEU

Novo post convidado de J. Norberto Pires:

Com uma das imagens mais espectaculares da Missão Cassini - Huygens a Saturno desejo a todos
Feliz Natal e Próspero Ano Novo.


Esta imagem mostra Prometeu (à esquerda, com 102 km de comprimento) e Pandora (com 53 km de comprimento), duas das luas de Saturno, com o famoso rasto de gelo que constitui o Anel F de Saturno.

Prometeu é um deus especial da mitologia Grega. Roubou o segredo do fogo a Zeus, deus dos deuses, e deu-o aos homens para que evoluíssem e se diferenciassem dos outros animais.


Prometeu a trazer o fogo à humanidade (pintura de Heinrich Fueger, 1817)

Como castigo Zeus ordenou ao deus Vulcano que o acorrentasse no topo do monte Cáucaso para ser castigado durante 30.000 anos. O castigo era ser devorado aos poucos por uma águia que todos os dias lhe comia um pouco do fígado, o qual se regenerava logo de seguida porque Prometheus era um deus. Prometeu foi libertado por Hércules ficando no seu lugar o centauro Quíron que se ofereceu para o substituir (Zeus colocou isso como condição). Prometeu foi convidado a regressar ao Olimpo desde que mantivesse a corrente e a pedra a que foi acorrentado.

Prometeu representa a vontade humana na procura de conhecimento, e o roubo do segredo do fogo representa a nossa audácia em procurar o conhecimento e em divulgá-lo pelos outros como forma de evolução (evitando os seres maiores - os deuses da mitologia - detentores de todo conhecimento).


Vulcano a acorrentar Prometeus (pintura de Dirck van Baburen, 1623)

Mas o castigo de Zeus era também constituído por Pandora (a “bem parecida”) que foi a primeira mulher criada por Zeus com o objectivo de ser um ardil, pois tinha a chamada “caixa de Pandora” onde estavam todos os males (a esperança vinha só no fundo da caixa). Pandora tinha um pouco de todos os deuses do Olimpus: Hefesto moldou-a em argila, Afrodite deu-lhe a beleza, Apolo o seu talento musical, Poseidon a capacidade de não se afogar, Atena a habilidade de mãos, Deméter a colheita e Hera a curiosidade. Zeus deu-lhe ainda algumas qualidades pessoais e a famosa caixa onde estavam todos os males que afligiriam todos os homens nascidos depois do roubo de Prometeu. Mas Prometeu desconfiou do “presente” e rejeitou Pandora, que achou pouco sensata e fútil, enviando-a a Ephimeteus seu irmão que casou com ela.


Como Pandora foi feita pelos Deuses do Olimpo (Cylix, 470-460 a.c.)


A virgem Pandora segurando a famosa caixa (pintura de Joseph Lefevbre, 1882)

A imagem de Saturno, com Prometeu e Pandora, mostra que com este espírito de permanente procura e de partilha de conhecimento o homem foi capaz de chegar onde já chegou, resistindo a todas as Pandora(s) e todos males que anunciavam. Uma permanente e constante fuga ao obscurantismo e à mediocridade que só o conhecimento e a ciência podem proporcionar.

A mensagem do Natal, é uma mensagem de esperança, sem punições e sem seres a quem tudo é permitido enquanto os outros, sem privilégios, vivem na escuridão. É uma mensagem de fraternidade, de confiança nos homens e de olhos postos no futuro.

Gostaria ainda que lembrassem o grande General Pirro que foi um rei infatigável e muito trabalhador, mas sem ser propriamente sábio (também hoje, ser “sábio” é algo acessório). Famoso pelas suas campanhas militares, e considerado por muitos um dos maiores generais do seu tempo, depois de Alexandre Magno, era benevolente e amigo do seu amigo.


General Pirro (318-272 a.C.)

No entanto, tinha grandes defeitos, sendo os mais apontados a impressionante falta de concentração (muito belicoso mas pouco focado em objectivos estratégicos e demasiado voluntarioso) e a apetência para esbanjar recursos (nomeadamente os financeiros: os seus exércitos eram compostos por dispendiosos mercenários).

Ficou famoso pela vitória na Batalha de Ásculo (279 a.C.) contra os romanos. Obtida muito a custo, Pirro perdeu 3500 homens e os romanos cerca de 6000. Um aparente sucesso, mas quando lhe davam os parabéns respondeu: “Mais uma vitória destas e estou perdido”. De facto, não teria condições para outra batalha com os romanos. São as famosas vitórias de Pirro.


Num tempo onde já não há heróis (veja-se como ruiu o aparente sucesso ocidental), onde a confiança nas pessoas e nas organizações atingiu um ponto muito baixo (os campeões do sucesso afinal eram simples jogadores: o grande general Pirro morreu, diz a lenda, numa das suas mais confusas batalhas travada em Argos (onde não tinha verdadeiramente objectivos – mais uma batalha sem sentido), depois de ser atingido por uma telha atirada à sua cabeça por uma velha que observava a batalha do telhado de sua casa, que ao atingi-lo o atordoou e permitiu que fosse morto por um simples soldado), onde de repente ficou evidente para muitos o lado negro e muito assustador dos homens, vale a pena lembrar que todo o nosso sucesso pode afinal ser uma vitória de Pirro: aquelas que de facto nos deixam em pior situação.


Os nossos sucessos podem facilmente ser deste tipo se não forem o resultado de uma estratégia bem delineada, que tem por base verdadeiros ganhos que são necessariamente civilizacionais e colectivos, num caminho que se faz caminhando, passo-a-passo, com objectivos de longo prazo que são superiores a nós: vivendo como pensamos sem pensar como viveremos.


É também este o espírito do Natal, que resiste, apesar de tudo, há mais de 2000 anos.


Feliz Natal e Bom Ano Novo.

J. Norberto Pires

Nota: Todas as imagens deste post foram retiradas do site da NASA e de vários locais na Internet, onde não constavam notas de copyright. De qualquer forma não se viola qualquer direito de copyright visto que são utilizadas como ilustração sem qualquer interesse comercial.

Fontes:
Walter Burkert (1985) Greek Religion, Harvard University Press, 1985.
Graves, Robert, The Greek Myths, 1955.
Lenardon, R. and M. Morford, Classical Mythology: Seventh Edition, Oxford, 2002.
Kerenyi, Karl, The Gods of the Greeks, 1951.
Edith Hamilton, Mythology: Timeless Tales of Gods and Heroes, 1942.

3 comentários:

Héliocoptero disse...

Apenas uma correcção (que a discussão sobre o espírito de Natal dava pano p'a mangas): é o centauro Quíron e não o "centurião".

Um Bom Natal!

J. Norberto Pires disse...

ooops! gralha...
obrigado!

fernando caria disse...

Com tanta e requintada erudição (de que agradeço a partilha), os meus neurónios arrepiam-se com os 2000 anos espírito natalício! Gostava de o ver a escrever sobre os espírito natalicio se fosse um camponês da Beira Baixa no dia de hoje, a trabalhar na Agricultura de sol a sol.
E que é feito dos outros dias do ano? Só este é importante? Como se até já "sabemos" que a data e o local são uma farsa?

Perdão se não entendi a mensagem sarcástica, mas ao ver estas coisas fico "avergonhado"... e Bom feriado

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