terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O Técnico, o Tribunal de Contas e a comunicação social

Devo confessar que fiquei comovida com o ênfase que alguns meios de comunicação resolveram devotar ao Técnico nos últimos dias, em particular durante o fim de semana. Espero que este súbito interesse se mantenha e que vejamos esses mesmos media reportarem o muito que de bom se faz no Técnico em termos de investigação científica e de prestação de serviços à comunidade.

De facto, só posso interpretar como sendo uma epifania científica o interesse mediático que se seguiu à amplamente noticiada auditoria do Tribunal de Contas e considerar que este interesse se manterá depois de esclarecidos e dissipados os boatos que correm céleres sobre alegadas malfeitorias levadas a cabo pela gestão do Técnico. Nomeadamente, pela parte que me toca, convido desde já todos a testemunharem algumas das iniciativas em que estou envolvida, como sejam a Semana da Química, as Jornadas de Engenharia Química e Biológica ou as Olimpíadas da Química.

Embora considere que a esmagadora maioria dos portugueses não se revê nos comentários que a notícia suscitou, por exemplo no Sol, acho de facto que merecemos todos, os funcionários docentes e não docentes do Técnico, um pouco mais de consideração pública que a manifestada nos últimos dias e não estou apenas a falar do comentador que exigia «Esquadrões da Morte para abater estes canalhas corruptos já».

De facto, a referida auditoria não revelou nem cheiro de corrupção, o Tribunal de Contas detectou apenas alguns problemas de procedimentos, como aqueles cuja interrupção por parte da direcção do Técnico nos está a deixar à beira de um ataque de nervos, os já referidos reembolsos e a prática corrente de cada cientista ser responsável pela execução dos respectivos projectos.

Assim, a única coisa que esta auditoria mostra claramente é a necessidade de legislação específica para as Universidades, se for considerado que se deve manter a dinâmica a que nos habituámos, no Técnico pelo menos, e que resultou aparentemente de uma interpretação errada pelas universidades nacionais da lei da autonomia. De facto, parece que a lei da autonomia universitária, que nos obriga a procurar individualmente financiamentos próprios para sobreviver, não nos deixa gastar essas verbas de acordo com as especificações dos organismos que as concedem.

Por exemplo, não faz muito sentido que uma deslocação ao estrangeiro – mesmo no âmbito de um projecto europeu, luso-brasileiro ou afins - continue a ser o acto de gravidade extrema que assumiu pela mão de António de Oliveira Salazar. Também não faz muito sentido que, ao mesmo tempo que se promove o Simplex, se exija a todos os membros do Conselho Administrativo que leiam, autorizem e assinem as dezenas de milhares de documentos que resultam da execução material dos projectos dos seus colegas (e envolvem viagens ao estrangeiro, para conferências ou para realizar trabalho).

De facto, uma das notícias que circulou célere foi a alegada ilegalidade de 120 milhões de euros de despesa em 2006, que muitos assumiram que algum «canalha corrupto» tinha metido ao bolso, e que na realidade corresponde apenas a documentos de despesa, por exemplo dos meus reagentes, que assinei eu e não todos os cinco membros do dito Conselho Administrativo.

Eu não percebo nada de direito administrativo, mas fiz parte de várias Assembleias de Representantes – quase uma centena de docentes, não docentes e alunos – que discutiram e aprovaram os prémios ao desempenho de funcionários não docentes agora muito contestados (e os suplementos de presidentes-adjuntos dos Conselhos Científico e Pedagógico a que parece não terem direito porque embora sejam contemplados para as funções correspondentes a designação presidente-adjunto não o é...). Lembro-me claramente de alguém ter suscitado a dúvida sobre se estes, embora inscritos nos estatutos do Técnico, seriam legais face à lei 14/2003. A dúvida foi encaminhada para o gabinete jurídico da Reitoria e para a Inspecção Geral de Finanças que deram o seu beneplácito à prática - que substitui o pagamento de horas extraordinárias e me parece ser mais encorajadora da excelência do desempenho dos nossos funcionários que qualquer SIADAP que se invente.

Parece também, e aqui não percebo os pormenores, que há um mapa anexo às contas ou quejandos que não está construído de acordo com o formalismo habitual e essa será outra das «irregularidades» encontradas, entretanto corrigida como todas as outras.

Há mais Universidades que foram ou estão a ser auditadas pelo Tribunal de Contas e estou certa que em todas as Universidades em que a investigação científica tem um peso grande serão detectadas irregularidades análogas. De facto, é muito complicado fazer ciência com as mesmas regras que regem uma qualquer repartição pública. Espero, para bem do País e da ciência nacional, que o relatório publicado há dias seja uma advertência aos poderes nacionais de que não basta louvar o progresso tecnológico, é preciso dar condições para que esse progresso aconteça. Aliás, na conjuntura actual urge mesmo que se considere legislar para remover a asfixia que tolhe a investigação científica e obsta a que esse progresso possa ter lugar.

6 comentários:

Xico disse...

A Palmira tem toda a razão. Quando ouvi a notícia pensei logo que todo esse dinheiro deveria ter sido gasto em trabalhos que de outra forma não poderiam ser pagos.
Cheirou-me até a "trabalho encomendado". Afinal o Técnico emite pareceres que nem sempre agradam ao poder...
Mas é para a Palmira ver como se lança lama sobre pessoas e instiutições, com meias verdades, insinuações, boatos,etc.
A Palmira por vezes também incorre no mesmo erro!

Andre Esteves disse...

Estranho acho eu que a escandaleira há uns poucos anos atrás na Universidade Católica, sobre os contratos e métodos pouco-ortodoxos de pagamento dos professores e funcionários nunca tivesse ido parar á televisão... Só JN é que punha alguma coisa de vez em quando...

Os nossos jornalistas são tão direcionáveis...

Jorge Oliveira disse...

Palmira : não vale a pena ficar preocupada com comentários do tipo “esquadrões da morte” e outros disparates com que alguns leitores apimentam as caixas de comentários, pois não é daí que vem mal ao mundo.

O mal pode vir, isso sim, das pessoas que gerem instituições públicas. Por isso, se existe uma suspeição sobre as contas do IST, não obstante tratar-se de uma instituição pública com grande prestígio, é caso para ficarmos atentos.

Sem pôr em causa a bondade da intervenção da Palmira, não deixo de registar que a questão foi levantada pelo Tribunal de Contas, um organismo igualmente prestigiado, dirigido por uma pessoa que se tem distinguido pela isenção com que tem vindo a exercer o cargo, apesar das suas ligações políticas e partidárias, ao fim e ao cabo próximas da actual direcção do IST e do ministério da tutela. Há aqui alguma coisa que pode não ser tão simples.

Palmira F. da Silva disse...

Olá Jorge:

O Tribunal de Contas fez um trabalho excelente e não lançou suspeição sobre as contas do Técnico. Aliás, a gestão dos últimos anos é simplesmente fabulosa, acho que dificilmente poderíamos encontrar melhor gestor que o António. Desde que ele foi para o CD, as nossas contas são auditadas todos os anos por uma firma externa sujeita a concurso público e nunca ninguém disse que algo de errado se passava.

A questão tem mesmo a ver com procedimentos derivados da interpretação de leis diferentes, ou seja, com a existência de leis contraditórias (para não falar da falta de coordenação entre as várias entidades fiscalizadores, etc..). Por outras palavras, nós pensávamos que a lei da autonomia universitária era mesmo uma lei e não uma treta para inglês ver com o objectivo de cortar financiamento às Universidades e agora desenrasquem-se para pagar salários e despesas de funcionamento com verbas próprias que têm de angariar mas que não podem gastar de acordo com as regras de quem as dá.

De facto, quer parte dos salários (incluindo a totalidade dos prémios aos funcionários não docentes) quer das despesas de funcionamento são asseguradas pelos overheads de projectos. Nomeadamente os projectos europeus têm de ser escrupulosamente executados de acordo com as (muitas) regras de Bruxelas. Se seguirmos o que o TC quer, perdemos metade desse dinheiro.

Acho que está mais que na altura de pedir esclarecimentos a quem de direito não só o que querem afinal das Universidades, se Universidades a sério ou liceus um poucomaiores, e especialmente para nos explicar o que é afinal a autonomia universitária, se essa autonomia só significa que o Estado se desresponsabiliza das suas obrigações com as universidades e mais nada.

Hoje tivemos plenário do Conselho Científico, onde vi pela primeira vez todos os doutorados do Técnico falar a uma só voz, de solidariedade e confiança no Presidente, repúdio do vil aproveitamento mediático que foi feito e necessidade de pedir esclarecimentos à tutela e aos representantes da República, PR e AR.

Foi especialmente espantoso porque ainda há menos de uma semana tivemos uma campanha algo dura para as eleições para os orgãos da UTL e para a AE do Técnico em que este consenso estava muito longe de se verificar :)

Jorge Oliveira disse...

Ok, Palmira, não duvido das suas palavras.

Mas se a lei da autonomia universitária é apenas “uma treta para inglês ver, com o objectivo de cortar financiamento às Universidades” e se “apenas significa que o Estado se desresponsabiliza das suas obrigações com as universidades”, então o ministro está a desempenhar um mau papel no governo, na medida em que não consegue dar a volta ao assunto.

E, de caminho, proporciona situações como a do IST, por sinal dirigido por um antigo colega de curso, com quem ele tem (ou tinha, em política nunca se sabe) uma relação de grande proximidade, pessoal e política. Mas isso serão outras "contas".

PO disse...

Voltarei a reafirmar o que tenho dito ao longo desta semana: O MCTES tem obrigação de esclarecer quais os direitos e deveres das instituições de ensino superior à luz da autonomia que lhe é supostamente atribuída. Isto não já não tem só a ver com o IST mas com todo o ensino superior público.

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