sábado, 6 de dezembro de 2008

VIAGENS NO TEMPO


Já está nas livrarias o livro "A Física do Impossível" do físico Michio Kaku, saído na Bizâncio. Eis o início do Capítulo 12:

No romance Janus Equation, o escritor G. Spruill explorou um dos problemas angustiantes associados às viagens no tempo. Nesta história, um matemático brilhante, cujo objectivo é descobrir o segredo das viagens no tempo, encontra uma mulher tão estranha quanto bela, e inicia com ela uma relação amorosa, embora não saiba nada do seu passado. Ao querer desvendar a sua verdadeira identidade, acaba por saber que ela fizera uma cirurgia plástica para modificar o rosto. E que se submetera a uma operação de mudança de sexo. Finalmente, descobriu que «ela» era na realidade uma viajante no tempo vinda do futuro e, mais ainda, que «ela» é ele próprio, mas vindo do futuro. Isto significa que ele fez amor consigo próprio. E ficamos a pensar o que teria acontecido se tivessem tido uma criança? E se esta criança voltasse ao passado, crescendo até se tornar o matemático do início da história, será possível sermos o nosso próprio pai. Mãe, filho e filha?

O tempo é um dos grandes mistérios do universo. Somos todos arrastados pela corrente do tempo contra a nossa vontade. Por volta de 400 A. D., Santo Agostinho escreveu longamente sobre a natureza paradoxal do tempo: «Como podem ser o passado e o futuro, quando o passado já não é, e o futuro ainda não é? Quanto ao presente, se fosse sempre presente e nunca se deslocasse para se tornar passado, não seria tempo, mas a eternidade.» Se levarmos mais além a lógica de Santo Agostinho, vemos que o tempo não é possível, uma vez que o passado já se foi, o futuro não existe e o presente só existe durante um instante. (Santo Agostinho pôs depois questões teológicas profundas sobre o modo como o tempo deve influenciar Deus, questões que são relevantes ainda hoje. Se Deus é omnipotente e todo-poderoso, escreveu ele, estará sujeito à passagem do tempo? Por outras palavras, Deus, como nós, terá de se apressar porque está atrasado para um encontro? Santo Agostinho acabou por concluir que Deus é omnipotente, pelo que não pode ser limitado pelo tempo e, por conseguinte, tem de existir «fora do tempo». Embora a noção de estar fora do tempo pareça absurda, trata-se de uma ideia recorrente na física moderna, como veremos.)

Tal como Santo Agostinho, todos nós meditámos alguma vez na natureza estranha do tempo e no modo como ele se diferencia do espaço. Se podemos andar para a frente e para trás no espaço, porque não o poderíamos fazer no tempo? Todos nós também já nos inquirimos o que o futuro nos reserva, para além dos anos que aqui passamos. Os humanos têm um tempo de vida finito, mas somos muito curiosos sobre o que acontecerá muito depois de já termos desaparecido.

Embora o nosso desejo de viajar no tempo seja provavelmente tão antigo como a humanidade, aparentemente a primeira história escrita sobre uma viagem no tempo seja a obra de Samuel Madden, Memoirs of the Twentieth Century, de 1733, sobre um anjo vindo de 1997, que viaja 250 anos para o passado a fim de entregar a um embaixador britânico documentos que descrevem o mundo do futuro.

Haveria muitas mais histórias semelhantes. O conto «Missing One’Coach: An Anachronism», escrito em 1838 por um autor anónimo, narra a história de uma pessoa que espera por uma carruagem e que subitamente se encontra mil anos no passado. Encontra um monge de um mosteiro antigo e tenta explicar-lhe como a história irá decorrer nos mil anos seguintes. A seguir, de uma forma igualmente misteriosa, vê-se transportado de novo para o presente, excepto que perdeu a carruagem.

Mesmo o romance de Charles Dickens, O Cântico de Natal, é uma espécie de história de uma viagem no tempo, pois Ebenezer Scrooge é transportado para o passado e para o futuro a fim de ver como era o mundo antes do presente e depois da sua morte.

Na literatura americana, as viagens no tempo aparecem pela primeira vez no romance de Mark Twain, de 1889, Um Americano na Corte do Rei Artur. Um americano do século XIX é atirado para o passado até à corte do rei Artur, no ano 528 da nossa era. É feito prisioneiro e está na iminência de ser queimado na fogueira quando, sabendo que iria haver um eclipse nesse mesmo dia, declara que é capaz de fazer obscurecer o Sol. Quando o astro se esconde, o povo fica aterrorizado e oferece-lhe a liberdade e privilégios em troca do retorno do sol.

Mas a primeira tentativa séria de explorar as viagens no tempo na ficção foi o romance clássico de H. G. Wells, A Máquina do Tempo, em que o herói é enviado para uma época a centenas de milhares de anos no futuro. Nesse futuro distante, a humanidade dividiu-se geneticamente em duas raças, os terríveis Moolocks, que mantêm em funcionamento sinistras máquinas subterrâneas, e os inúteis e infantis Eloi, que dançam à luz do sol no mundo à superfície, nunca se apercebendo do seu destino horrível (serem comidos pelos Moorlocks).

Desde então, as viagens no tempo tornaram-se um ingrediente constante da ficção científica, desde O Caminho das Estrelas até Regresso ao Futuro. Em Super-homem I, quando o super-homem sabe que Lois Lane morreu, decide, em desespero de causa, inverter o tempo , girando como um foguetão em torno da Terra, a uma velocidade superior à da luz, até o tempo andar para trás. O movimento da Terra torna-se mais lento, pára, e o planeta recomeça a girar no sentido oposto, até todos os relógios da Terra passarem a andar para trás. As águas das cheias recuam, as barragens destruídas restabelecem-se milagrosamente, e Lois Lane regressa do mundo dos mortos.

Da perspectiva da ciência, as viagens no tempo eram impossíveis no universo de Newton, onde o tempo era visto como uma flecha. Uma vez disparado, nunca poderia desviar-se da sua trajectória. Um segundo na Terra era um segundo em todo o Universo. Esta concepção foi posta em causa por Einstein, que mostrou que o tempo mais parecia um rio que serpenteava através do Universo, acelerando e abrandando à medida que vagueava por entre estrelas e galáxias. Assim, um segundo na Terra não é absoluto; o tempo varia quando nos deslocamos ao longo do Universo.

Como vimos atrás, de acordo com a teoria da relatividade restrita de Einstein, o tempo vai-se tornando mais lento no interior de um foguetão à medida que a velocidade deste 0aumenta. Os escritores de ficção científica especulam que, se conseguirmos quebrar a barreira da luz, poderemos recuar no tempo. Mas isto não é possível, pois teríamos de ter uma massa infinita para atingir a velocidade da luz. A velocidade da luz é a barreira definitiva para qualquer foguetão. A tripulação da nave Enterprise em O Caminho das Estrelas IV: Regresso à Terra apoderou-se de uma nave Klingon e usou-a para, acelerando em torno do Sol como que lançada por uma funda, quebrar a barreira da luz e aterrar em São Francisco na década de 1960. Mas isto desafia as leis da física.

No entanto, as viagens no tempo para o futuro são possíveis, tendo sido verificadas experimentalmente milhões de vezes. O percurso do herói de A Máquina do Tempo até ao futuro distante é efectivamente possível do ponto de vista da física. Se um astronauta viajar quase à velocidade da luz, pode atingir as estrelas mais próximas em, digamos, um minuto. Na Terra, teriam passado quatro anos, mas, para ele, apenas teria decorrido um minuto, pois o tempo ter-se-ia tornado mais lento dentro da sua nave. Assim, ele teria viajado quatro anos em direcção ao futuro, medindo o tempo na Terra. (Na realidade, os nossos astronautas fazem uma pequena viagem ao futuro sempre que vão para o espaço. Quando se deslocam a perto de 30.000 quilómetros por hora, os seus relógios andam um pouco mais devagar do que os relógios na Terra. Deste modo, após uma missão de um ano na estação espacial, terão viajado uma fracção de segundo para o futuro quando regressam à Terra. O recorde mundial para as viagens ao futuro é presentemente detido pelo cosmonauta russo Sergei Avdeyev, que orbitou a Terra durante 748 dias e, por conseguinte, avançou 0,02 segundos no futuro.)

Assim, uma máquina do tempo capaz de nos transportar ao futuro é compatível com a teoria da relatividade restrita de Einstein. E o recuo no tempo?

Se pudéssemos viajar para o passado, seria impossível escrever a história. Logo que um historiador registasse a história do passado, alguém poderia recuar no tempo e rescrevê-la. As máquinas do tempo não só deixariam os historiadores sem trabalho, como permitiriam alterar o decurso do tempo à nossa vontade. Por exemplo, se voltássemos à época dos dinossáurios e, por acidente, pisássemos um mamífero que, por acaso, fosse nosso antepassado, arriscar-nos-íamos a eliminar toda a raça humana. A história tornar-se-ia um episódio infindável e maluco dos Monty Python, quando turistas vindos do futuro espezinhassem acontecimentos históricos ao tentar obter o melhor ângulo para as suas filmagens.

9 comentários:

Unknown disse...

Sinala S. Hawking, quen recentemente estivo en Santiago, que a mellor proba de que non son posibles as viaxes cara atrás no tempo é que non estamos (aínda?) invadidos por hordas de turistas do futuro. Claro que isto non deixa de ser unha brincadeira... ou non?

Unha aperta dende Galicia. Sigo o seu blogue con moito interese.

Jorge Oliveira disse...

«as viagens no tempo para o futuro são possíveis, tendo sido verificadas experimentalmente milhões de vezes»

Experimentalmente ... !?

A ideia de que o tempo decorre mais lentamente dentro de uma nave espacial em alta velocidade, que está na origem do paradoxo dos gémeos, parece uma história da carochinha.

Há muito quem não esteja convencido. E não são propriamente adeptos de teorias exóticas.

Xico disse...

Um artigo interessante. A história que conta Mark Twain, que sendo um grande escritor, era também americano, retrata muito bem esta questão do tempo. O tempo para os americanos é um e para o resto do mundo é outro. O tempo antes de Colombo para os americanos é um instante, como também disse em relação ao presente???!!, e depois de Colombo é um tempo que se espraia longa e calmente. Só assim se entende que Mark Twain tenha posto fogueiras a queimar pessoas no século VI e com medo de eclipses??? Sendo celtas conheceriam muito bem o fenómeno!
Isto tudo para concluir que o tempo não passa de um eterno continuum e as viagens nele serão sempre possíveis conforme a nossa percepção do mesmo vai mudando!

Anónimo disse...

Jorge Oliveira, como explica as experiências feitas com relógios atómicos ou o aumento do tempo de meia vida das partículas elementares nos aceleradores sem recurso à relatividade restrita?

Pode indicar alguém não adepto de teorias exóticas que "não esteja convencido"?

JSA disse...

exaluno: o Jorge Oliveira tem uma perspectiva diferente da ciência e daquilo que pode ser provado. Aliás, esta frase «A ideia de que o tempo decorre mais lentamente dentro de uma nave espacial em alta velocidade, que está na origem do paradoxo dos gémeos» já o confirma.

Jorge Oliveira disse...

Caros Exaluno e JSA :

De facto, tenho uma perspectiva “diferente” da Ciência, se “diferença” significa não “papar” tudo o que vem rotulado de Ciência.

Respeito muito o método científico e, acima de tudo a prova experimental nos casos em que se fazem afirmações sobre sistemas físicos. Mas há experiências que não me convencem.

Por exemplo, não me convencem as experiências “conceptuais”. Pese embora o prestígio de Einstein, a teoria dele tem demasiadas experiências conceptuais para meu gosto. Não recuso as conjecturas, que são muito interessantes e desejáveis como exercícios intelectuais, mas uma conjectura não pode ser assimilada a uma “experiência”, nem o seu resultado pode ser apresentado como “prova” científica. Isso seria a negação completa do método científico.

A história do paradoxo dos gémeos é um daqueles casos em que um cientista deve ficar alerta. Apesar de anteriores tentativas, o próprio Einstein não conseguiu ensaiar uma explicação mais convincente deste paradoxo senão em 1918, sendo forçado a recorrer ao efeito da aceleração, um conceito que ele aborda apenas na relatividade generalizada (1915), uma teoria proposta 10 anos depois da sua relatividade restrita (1905), a teoria que deu origem ao paradoxo. Há aqui qualquer coisa que não bate certo.

Aliás, antes de falarmos em paradoxos de gémeos, em experiências com relógios atómicos e em aumento da semi-vida das partículas em aceleradores, gostava de conhecer a resposta a uma questão mais elementar, que ainda não vi tratada (reconheço as minhas limitações nesta matéria) : a dilatação do tempo é um fenómeno transitivo?

Quero dizer, se se passar de um primeiro referencial, dito em repouso, para um segundo e deste para um terceiro referencial com velocidade superior, encontro o mesmo resultado, caso passasse directamente do primeiro para o terceiro referencial? Receio bem que não. E se não existe transitividade, há que ter cuidado acerca das conclusões desta teoria.

JSA disse...

Receia bem que não? Então explique lá porquê, ilumine-nos com a sua sabedoria. E está a citar autores ou é conclusão sua?

E as suas objecções são puros disparates. As Teorias da Relatividade são apenas isso, teorias. Têm buracos por tapar e arestas por limar. Einstein sabia que isso poderia muito bem suceder. Mas também têm sido continuamente provadas na maior parte das suas implicações.

Se não compreende isto meta explicador.

Anónimo disse...

Ó timo conteúdo, mas tem uma coisa que esses caras não pensaram, se eu voltace ao passado para mudar qualquer coisa na minha vida tipo, salvar a vida de um ente querido, eu xegaria lá e salvaria e, então, meu eu do passado já não mais precizaria voltar la pra salva-lo, e então acabaria por nao voltar e não salva-lo, como ficaria essa bagunça heim? talvez gerace um paradoxo temporal que destruice completamente o universo como dise Dr Emmet Brown em "de volta para o futuro".

pra mim o tempo é uma ilusão, foi inventado apenas para definir a distância entre os momentos da nossa vida e esse tempo é medido pelo relógio, invenção humana.

e a proposito, parabens pelo blog, vai uma parceria ai? hehehe

Pedro Lucas disse...

Viagens ao futuro já se fazem. As mumias estão-nos a visitar. E se ficarmos em camaras criogenicas, poderemos acordar no ano 4000 e continuar a viver. Agora.. há mar e mar, há ir e voltar. E é um facto que não estamos invadidos por turistas do futuro, pelo menos, que saibamos.
Falando mais sério, o livro promete. O Rogeiro falou dele na SIC, o autor é conhecido, embora o unico livro que li dele há muitos anos me tenha parecido (talvez a tradução) um pouco banal, comparado com Hawkin, Paegels, Reeves, Feynman ou Sagan. Mas claramente, segue a tradição destes, e talvez a idade lhe tenha feito bem.

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