sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

OS 400 ANOS DE D. FRANCISCO MANUEL DE MELO

Carta de Marta Anacleto ao "Público" sobre a recente passagem dos 400 anos do nascimento de D. Francisco Manuel de Melo, que o "De Rerum Natura" noticiou:
Em artigo saído recentemente no "Público" intitulado «D. Francisco Manuel de Melo esquecido?» refere Guilherme d'Oliveira Martins, Presidente do Centro Nacional de Cultura, que
foi votada ao esquecimento a efeméride evocativa do quarto centenário do nascimento de D. Francisco Manuel de Melo, enunciando, para justificar tal facto (como o faz na página inicial do "site" do Centro Nacional de Cultura), um conjunto de razões que podem levar a essa "marca da ausência". Tal silêncio seria, como o autor afirma, sinal de "falta de memória histórica" e irónico sinal da valorização, no nosso espaço académico e cultural, de invocações de "mil medianias" em detrimento da celebração da obra de um prosador seiscentista que assume estatuto identitário semelhante ao de Vieira (cuja efeméride também se celebra este ano), na nossa literatura e cultura.

Perante esse "vazio" a que o o Presidente do Centro Nacional de Cultura se refere no que respeita à comemoração da efeméride, gostaria de salientar que, de 23 a 25 de Outubro, a Universidade do Porto (Centro Interuniversitário de História da Espiritualidade e Instituto de Estudos Ibéricos da Faculdade de Letras) e a Universidade de Coimbra (Centro de Literatura Portuguesa e Instituto de Língua e Literatura Portuguesas da Faculdade de Letras) organizaram, em conjunto, um Congresso Internacional denominado «D. Francisco Manuel de Melo e o Barroco Peninsular» que teve lugar nas duas Universidades. O evento foi amplamente divulgado, em versão multimédia (páginas das duas Universidades, Centros da FCT associados) e em versão impressa. Fizeram parte da Comissão Científica desse Congresso Internacional especialistas como Aníbal Pinto de Castro, Antonio Bernat Vistarini, Fernando R. de la Flor, José Adriano de Freitas Carvalho, José Pedro Paiva, Maria de Lurdes Correia Fernandes, Maria Lucília Gonçalves Pires e Vítor Manuel de Aguiar e Silva. Pretenderam as Comissões Científica e Organizadora homenagear D. Francisco Manuel de Melo, concebendo um Encontro que, ao contar com um conjunto de especialistas portugueses, espanhóis, italianos, cujo trabalho contínuo tem permitido difundir, de forma consistente, a obra do Autor e do espaço epocal em que se inscreve, não só equacionou o ponto da situação sobre a investigação realizada até hoje, como também acolheu e abriu novas perspectivas de abordagem da relação do polígrafo com o contexto barroco peninsular. Tais reflexões darão lugar a volume extenso, a editar em 2009, visando propor leituras plurais e inovadoras sobre a obra de D. Francisco Manuel e marcar, na actualidade, os Estudos Literários sobre a Época Barroca na Literatura Portuguesa e Peninsular.

Optou-se, assim, por imprimir aos trabalhos uma perspectiva transversal, patente, em primeira instância, nas sessões do dia 23, que decorreram na Universidade de Coimbra: o cruzamento do imaginário barroco peninsular com a escrita do Autor dos «Apólogos Dialogais» foi abordado por Fernando R. de la Flor, Vitor Manuel Aguiar e Silva, Valeria Tocco, Angél Marcos de Dios, Maria do Céu Fraga, Marta Teixeira Anacleto, Paulo da Silva Pereira. Seguiu-se, na Biblioteca Joanina, onde estava patente ao público uma mostra bibliográfica, organizada no âmbito do Congresso, com obras do autor e de escritores portugueses e estrangeiros seus contemporâneos que fazem parte do espólio da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, uma conferência sobre «Tradições Autóctones e Correntes Cosmopolitas no Barroco Musical ibérico do século XVII» proferida por Rui Vieira Nery e um concerto a cargo do Grupo «Sete Lágrimas» com o título «Pedra Irregular: o nascimento do Barroco em Portugal». O diálogo entre as diversas formas de expressão artística que a própria biografia de D. Francisco Manuel acolhe teve continuidade nos dias 24 e 25, na Universidade do Porto, onde a conferência inaugural de Aníbal Pinto de Castro e a conferência de encerramento de José Adriano de Freitas Carvalho apresentaram sínteses consistentes sobre a obra do polígrafo, analisadas entretanto, em detalhe, e de acordo com as diversas facetas acentuadas na sua escrita (Poeta, Moralista, Historiador), por António Oliveira, António Bernat Vistarini, Idalina Resina Rodrigues, Maria de Lurdes Correia Fernandes, Zulmira Santos, Vanda Anastácio, António Camões Gouveia, Isabel Almeida, Mafalda Ferin Cunha, Luis Fardilha, Ana Martínez. O Congresso terminou, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade do Porto, com um Concerto onde, pela primeira vez, foi apresentado um conjunto de poemas musicados de D. Francisco Manuel de Melo.

Parece-me, pois, que o "pesado silêncio" a que aludia Guilherme d'Oliveira Martins pretendeu justamente ser sublimado por um Congresso Internacional devidamente publicitado e no qual participou um público alargado, ao associar duas Universidades em uma organização conjunta que envolveu as Reitorias do Porto e Coimbra, Departamentos, Centros de Literatura e Cultura Portuguesas e Ibéricas, a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, especialistas nacionais e internacionais da área da Literatura, Cultura, Música, História Social e das Mentalidades, entre outras. Para além disso, e no intuito de ultrapassar "discursos" e "fogos-fátuos" que, como muito bem vê o Presidente do Centro Nacional de Cultura, nunca cumpririam a homenagem devida à figura cosmopolita de D. Francisco Manuel, as Comissões Científica e Organizadora do Colóquio Internacional acentuaram o diálogo entre as diversas formas de expressão artística associadas ao Autor, abrindo as portas da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra e da Reitoria da Universidade do Porto ao público de ambas as cidades, para que a cultura e os nomes que a fazem não permaneçam vinculados a um espaço estritamente académico (onde a sua investigação ganha a maturidade desejada) e possam ser objecto de um programa mais vasto de Educação. Os múltiplos espaços em que o evento se realizou permitiram, assim, dar voz (e não silenciar) à constante atenção ao Mundo e às Artes que o polígrafo demonstra cultivar na sua vastíssima obra e quando afirma, na «Carta de Guia de Casados»; «Criei-me em Cortes; andei por esse mundo; atentava para as cousas; guardava-as na memória. Vi. Li. Ouvi».

Marta Teixeira Anacleto (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra / Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra)

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