Post de humor natalício do físico Armando Vieira, que dá conta do desabafo do Pai Natal no final da sua longa noite de trabalho:
Ingratos! O balúrdio que gasto nessas prendas todas. E as horas que passo e as dores de cabeça que arranjo a ler indecifráveis manuais técnicos para distinguir um processador Centrino 3 de um Pentium 4 com placa gráfica de 512 Mb e rendering 3D para os meninos jogarem o “Mortal Combat 5”. E nunca ficam satisfeitos. Se pudesse, em vez de brinquedos dava-lhes mas era umas boas palmadas no rabo para ver se ficavam menos exigentes e mais bem educados.
Sabem quem é que paga a factura desta cangalhada toda? Pois sou eu. Não há nenhuma rubrica do Orçamento de Estado destinada ao Pai Natal: desminto categoricamente que seja eu o responsável pelo défice! Nem sequer tenho um saco azul, até na cor do saco tive azar. Como o pólo norte não está a nadar em petróleo, a única saída que tenho é contrair empréstimos. Porém, depois da crise do “subprime”, os bancos já não me emprestam cheta. E passei a levar com um agravamento dos juros antigos por exercer uma profissão de alto risco. Isso quando essa gente dos bancos não se faz ao piso para receber também uns presentinhos. Tenho cá uma pena deles! Um bom presente dava-lhes eu: virem aqui para o pólo norte dar de comer às renas para ver se lhes esfriava a ganância.
Quero mudar de vida. A solidão, o frio e o escuro deprimem-me. Já fui a um psicólogo que me aconselhou a fazer meditação. Mas com o stress em que ando não consegui meditar. Pus anúncios no jornal a ver se arranjava um substituto, mas, quando lhes digo o que vão ter de dar sem receber um cêntimo, chamam-me otário e desligam-me o telefone na cara.
Raios partam quem me enfiou aqui neste fim do mundo gelado na companhia de gnomos assexuados. Podiam ao menos ter-me arranjado uma Mãe Natal. Já não digo alguém na flor da idade, pois não queria tanto, mas ao menos uma velhinha, ainda que caquética, que me fizesse uns chás e bolinhos. Um tipo sai à noite e só encontra renas e duendes amaricados. No desespero desta solidão a que fui condenado ainda um dia faço uma loucura. Depois não se queixem. Um Pai Natal é um homem e um homem não é de ferro...
Estou farto, mesmo farto. Como Frankenstein, também eu amaldiçoo o meu criador. Também eu queria vingar-me desse cobarde que me obrigou a ombrear com as suas virtudes - bondade, simpatia, paciência, etc. - sem me dar os seus defeitos. Maldito sejas. E, já agora, não tinhas outra roupa mais “sexy” para eu vestir do que este manto parolo de avô em adiantado estado de senilidade? Não havia uma outra cor além deste vermelho espalhafatoso que não condiz com nada? E dizes-me para que serve este gorro de palhaço? Pareço uma salsicha ambulante!
E que raio de maluquice foi essa de me mandares descer pela chaminé? Será, grande tótó, que desconhecias o que era uma porta? Onde é que já se viu uma pessoa ter de descer pela chaminé com um saco carregado de prendas? Ainda por cima, como não está nas especificações dos construtores civis, muitas casas nem sequer têm uma chaminé decente. Será que foi um truque para que os meninos cujos pais têm maior poder de compra fossem os únicos a receber prendas?
Devo ter entregue só este ano milhões e milhões de prendas. Mas quantas recebi? Quantas vezes pensaram em dar uma prenda, uma só, ao Pai Natal? Pensam que "isto é o da Joana”? Está decidido. Para o ano vou fazer greve. Não há Pai Natal para ninguém. O imbecil que me inventou que se encarregue de distribuir as prendas sozinho se for capaz. Eu vou para o quente, para uma ilha da Polinésia completamente deserta de crianças.
Pai Natal
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