segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Um teste para overdose de paracetamol?


O acetaminofeno (N-acetil-p-aminofenol), mais conhecido como paracetamol, é um analgésico e anti pirético popular e largamente utilizado em Portugal e no mundo.

A acetanilida, a substância parente, foi introduzida em 1886 com o nome de anti-febrina por Cahn and Hepp que descobriram acidentalmente a sua acção anti pirética. No entanto, a acetanilida era demasiado tóxica - tal como a ácido salicílico, então campeão de vendas. O ácido salicílico seria destronado a breve trecho pelo ácido acetilsalicílico - a aspirina que substituiu o ácido salícilico em que se transforma no organismo humano a salicilina da casca do salgueiro. De facto, pouco depois de Felix Hoffmann em 1897 ter simplificado o método de síntese da aspirina descoberto 44 anos antes por Charles Gerhardt, a Bayer começou a testar a aspirina em dezenas de pacientes e em 1899, depois de registar a patente, enviou informação sobre o seu produto milagroso a 3000 médicos europeus que ajudaram a transformar a aspirina no medicamento mais vendido no mundo.

Tal como no caso da salicilina, procurou-se derivados menos tóxicos da acetanilida, primeiro o p-aminofenol (ainda muito tóxico) e depois a fenacetina (acetofenetidina). Esta última foi introduzida na terapêutica em 1887 sendo extensivamente usada em misturas analgésicas antes de ter sido implicada em casos de nefrotoxicidade provocada por sobredosagens. Outro derivado utilizado, logo em 1893 por Von Mering, foi o acetaminofeno, o principal metabolito quer da acetanilida como da fenacetina. O paracetamol teve de esperar por 1949 para ganhar a popularidade actual, nomeadamente como alternativa a alguns analgésicos e anti-inflamatórios que provocam lesões a nível do esófago, estômago e intestino.

No entanto, mesmo quando tomado dentro das doses recomendadas, o paracetamol pode causar lesões no fígado e, em casos mais graves, episódios hepáticos fulminantes que podem levar à morte. A intoxicação por paracetamol raramente é mortal nas crianças que não atingiram a puberdade, por razões que não se compreendem bem.

Em Inglaterra, por exemplo, morrem anualmente cerca de 200 pessoas de overdose de paracetamol e no ano passado 20 foram sujeitas a transplante hepático pelos mesmos motivos. O problema é que os sintomas aparecem ao fim de alguns dias e muitos pacientes chegam aos hospitais quando é demasiado tarde para um transplante lhes salvar a vida. Varuna Aluvihare, um hepatologista do King's College Hospital, Londres, descobriu recentemente algo que pode permitir salvar a vida dos utilizadores deste medicamento que o tomem em excesso. Aluvihare descobriu que a urina dos pacientes com maiores danos hepáticos apresenta elevados níveis de ciclofilina A*. Esta descoberta pode ser utilizada no desenvolvimento de um teste para determinar mais rapidamente se um determinado paciente necessita um transplante hepático.

Mas enquanto esse teste não é desenvolvido, porque a época a isso propicia, convém recordar que é completamente contra-indicado ingerir paracetamol para combater as consequências do excesso de álcool - o álcool, jejum prolongado e vómitos excessivos podem inibir a produção das enzimas envolvidas na sua metabolização, como sejam as peroxidases -, aumentando assim a toxicidade do paracetamol. E entretanto, recupero os posts que escrevi por esta altura no ano passado sobre não ser má ideia para os seus apreciadores beber vinho, tinto, claro, nas libações que se aproximam.

*Um complexo dsta peptidil-propil–isomerase com o imunodepressor ciclosporina A inibe a actividade fosfatase da calcineurina - que por sua vez inibe a expressão de genes de proteínas nucleares envolvidas na activação celular e formação de linfócitos T citotóxicos - que se pensa estar envolvida na rejeição de orgãos transplantados. Mais recentemente, descobriu-se que esta proteína é incorporada na formação novos vírus na infecção com o HIV.

2 comentários:

Unknown disse...

Interessante, por vezes o comum dos mortais pensa que o paracetamol é totalmente inócuo...
Só uma nota adicional: em caso de intoxicação por paracetamol, é também usada a acetilcisteína (fluidificante de secreções da árvore respiratória), que facilita a metabolização de fase II por conjugação com o metabolito primário do paracetamol, evitando a reacção dos seus radicais com os hepatócitos, com consequentes lesões.

Um feliz ano novo

carolus augustus lusitanus disse...

Sim ,senhor, grandes letrados em paracetamologia...

Não têm mais nada em que ocupar a mente (já não digo o espírito...), pois o que me interessa (ou ao comum dos mortais) se a enzima X provoca a reação Y? Interessa-me, sim, saber as circunstâncias (e aí, sim, o vosso artigo/explicação é útil) em que o medicamento não deve ser tomado. Ponto final -- ou é preciso fazer o desenho?

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