A habitual crónica dominical de J. Norberto Pires no "Jornal de Notícias" de hoje:
A coisa que mais sinto em Portugal é a ausência de debate: parece que estamos numa fuga permanente à realidade. Os portugueses não se envolvem nas opções tomadas para o país, alheando-se de forma preocupante dos caminhos que seguimos e dos objectivos a atingir. Mesmo em momentos eleitorais assiste-se à total ausência de confronto de ideias, onde o importante é a imagem dos candidatos, sempre fiscalizada pelos comentadores profissionais e jornalistas (com foco na postura, na gravata e na pose), e os "soundbytes" que emitem, rejeitando aqueles que tentam formular um raciocínio minimamente coerente. Nada nos discursos para as televisões e jornais tem mais de meia dúzia de palavras, e nunca ultrapassa os três itens.
As eleições são mais ou menos como o campeonato de futebol. Existe o Benfica, o Sporting e o Porto, e a grande maioria vota como se estivesse a puxar pelo seu clube e pela nova estrela que o clube contratou. Os outros clubes pouco contam, servem simplesmente para animar o campeonato. Depois a estrela contratada como sendo o próximo Eusébio, afinal não marca golos e é meio coxo. Mas, para os fervorosos adeptos, basta que ele acerte na bola uma vez sequer para que o delírio se instale nas bancadas. E todos os jornais e televisões do “desporto” mostram a jogada fabulosa em que a nossa estrela, por uma vez na vida, acertou na bola. Mas ninguém repara para onde ela foi. Isso não interessa nada, a estrela é mesmo fabulosa.
Depois, ano após ano, ficamos muito tristes quando, por momentos, a seguir a um jogo internacional, nos apercebemos que afinal somos o que somos: uma equipa da 3ª divisão europeia com a mania que vai ganhar o troféu internacional, se Deus quiser. Logo a seguir é prometido o próximo Eusébio e... “agora é que vai ser”, “vamos a eles que até os comemos”. Olhar no espelho sempre foi muito difícil, e o melhor é ignorar e acreditar nos vendedores de ilusões.
Na vida política e social em Portugal tudo é um pouco assim. A estrela do nosso clube promete o que sabe que não pode cumprir. Promete não aumentar as cotas aos sócios, mas falha esse golo logo no primeiro minuto do jogo de abertura, promete mais empregos no clube, mas a bola nem pela linha final sai, promete reformular a escola de formação do clube, mas não conta com os jovens que formamos e arranja um conflito enorme com os treinadores das camadas jovens, promete uma revolução no estilo de jogo, mas sai um mal amanhado “plano técnico” escrito nas costas de um envelope (que entretanto perde...), promete métodos de treino inovadores e nacionais, e afinal sai o velho “Fernão” que já é refugo nas Américas sendo aqui apresentado como “nosso”, promete revolucionar a equipa fazendo treino com os melhores clubes americanos, esquecendo que o nosso campeonato é outro e as regras são diferentes. Sem os resultados anunciados, diz que são dele os resultados dos outros. Ora bolas!
Eventualmente, no final do campeonato, nós os adeptos vamos eleger uma outra estrela. Que fará da mesma maneira, falhando os golos, perdendo os jogos, e afundando cada vez mais o nosso clube.
O meu desejo para 2009: Bom debate. O nosso clube precisa!
J. Norberto Pires
1 comentário:
Sérgo e Pascoais já se foram há muito.Não estou a ver ninguém na intelectualidade portuguesa a segui-los. Felicíssimo 2009 para todos.
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