quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A ASAE e as Universidades

Já não bastava a esquizofrenia, agora também a paranóia burocrática ajuda a pôr «Docentes à beira de um ataque de nervos». Num arroubo de brio, a ASAE resolveu ver se é cumprida à letra, ou antes, ao solvente, uma legislação velha de quase 16 anos, o decreto lei 15/93 de 22 de Janeiro de 1993 ( e as suas dez posteriores alterações) que se destina a evitar o «Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas».

Acho o decreto muito louvável nos propósitos, aliás concordo em pleno ser necessário saber quem manuseia ou possui os compostos constantes nas 4 primeiras tabelas e alguns na quinta (e respectivos aditamentos) que incluem, para além das drogas mais conhecidas, benzodiazepinas, barbitúricos, precursores conhecidos do ecstasy como o safrole ou anfetaminas e muitas feniletilaminas precursoras das anfetaminas.

O problema do dito decreto lei reside nas «medidas adequadas ao controlo e fiscalização dos precursores, produtos químicos e solventes, substâncias utilizáveis no fabrico de estupefacientes e de psicotrópicos». Mais concretamente, reside nos solventes constantes da Tabela VI do mesmo decreto que lista uma série de reagentes triviais como acetona, tolueno, metiletilcetona, ácidos clorídrico e sulfúrico, anidrido acético ou permanganato de potássio. Felizmente que alguém mais iluminado em química reconheceu o rídiculo do que se acrescentava a essa tabela e esclareceu que não era necessária autorização para a posse de sais destas substâncias - caso contrário todos estaríamos em infracção quando comprassemos sal de cozinha sem autorização do Infarmed.

Mas se cloretos e sulfatos foram retirados dos precursores de drogas, os reagentes banais não foram e a ASAE resolveu há dias brindar com a sua presença o Departamento de Química da Universidade Nova. Ninguém sabia que precisava de autorização para ter acetona nos laboratórios (nalguns, algo mais utilizado que a água) e foram informados que tinham 5 dias para repor a legalidade da sua inadmissível situação (vá lá, que não fecharam imediatamente as portas de todos os laboratórios).

A notícia correu rapidamente entre os químicos nacionais mas a maioria não a levou a sério pelas razões óbvias. De facto é anedótica mas verídica e agora, directores de laboratórios de ensino e responsáveis de laboratórios de investigação, andamos entretidos a ler toda a muita legislação necessária para listar reagentes que são anátema para a ASAE.

Fico na dúvida se depois das Universidades a ASAE vai continuar a sua guerra contra a droga visitando todos os cabeleireiros e manicures nacionais - que utilizam em grandes quantidades e sem autorização essa substância perigosissima que é a acetona...

17 comentários:

Unknown disse...

Deve ser de mim.

Devo ser muito burro, muito ignorante e para lá de parvo.

A ASAE faz cumprir uma lei. A lei está mal. A culpa é da ASAE ou de quem faz as leis?

A lei é anedótica mas não se revoga, viola-se.

A lei é parva ataca-se quem a faz aplicar e louva-se quem a fez?

O mal é a ASAE ou a falta de cultura de quem faz as leis?

Ou sou eu que sou parvo?

Vitor Guerreiro disse...

É de mim ou isto é um país ridículo?

Podiam pôr estes agentes a desentupir sarjetas... sempre faziam alguma coisa que se reflectia no meu bem estar...

Qualquer coisa... a mexer baldes de tinta, a pintar paredes... qualquer coisa... que se toque com as mãos... que se veja... algo.

... além de miséria moral que parece ser só o que sai da cultura portuga.

Raios, como odeio esta cultura.

Anónimo disse...

Se odeia esta cultura, vai odiar ainda mais as culturas nórdicas, onde seguem as suas leis bem mais que nós e, de estranhar, vivem muito melhor!

Farto desta cultura de ninguém ligar às leis da nossa República ando eu. É por isso que isto anda como anda... Cada um acha-se no direito de fazer o que quer e bem lhe apetece! Depois claro, é a lei do chico-esperto, que quando vai lá para fora se lixa à força toda, excepto quando vai para países que adoram mais o chico-espertismo que nós.

DURA LEX, SED LEX.

Não gostam? Organizem-se e façam abaixos assinados para mudar a lei, agora não queiram é que esta se deixe de cumprir por acharem a lei parva.


Quanto à acetona, às tantas a lei é específica para os laborátórios, porque, sei lá, é um local de fácil acesso aos instrumentos e ingredientes necessários para rapida e "facilmente" se fabricarem drogas? Não sei, estou só aqui a pensar para com os meus botões. Não tenho certeza de nada. Acham que nas cabeleireiras e esteticistas vão ter os instrumentos correctos e ingredientes? E o conhecimento técnico?

Caso seja geral, pois bem que se fiscalize todos os locais que se consiga.


É o que eu digo, não há bom senso, daí precisarmos das leis e de quem a faça cumprir. ASAE, têm o meu apoio. Façam cumprir a lei e dêem o exemplo, porque este país precisa é disso para acabar com esta mediocridade social e desrespeito pelas regras da sociedade.

diconvergenciablog disse...

Os da ASAE, pelo que se vai lendo e ouvindo nos meios de comunicação social parecem-me que não sabem as regras básicas de interpretação de normas juridica.
Penso que nem era preciso tanto, bastava o bom senso.

diconvergenciablog disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
diconvergenciablog disse...

O "dura lex sed lex", corolário do positivismo jurídico já foi ultrapassado.
As leis interpretam-se recorrendo-se a regras. Não se aplicam lógico-subsuntivamente ás situações. O ponto de partida será sempre o caso concreto e não a letra da lei, o jogo interpretativo não se faz entre letra e espirito da lei em abstracto, o caso/situação será sempre o ponto de partida metodológico. Isto na aplicação concreta do direito.
Pegando numa lei, mesmo desconhecendo-se estas coisas todas, faz-se o mesmo, é de senso comum.
Não descurando, está claro, nas restrições que o principio estrito da legalidade faz.
(...)

Palmira F. da Silva disse...

Caro Sócrates.

Uma das 10 posteriores alterações, o Decreto Regulamentar n.º 61/94, de 12 de Outubro, diz explicitamente que os controlo dos compostos referidos nas Tabelas V e VI «mostra-se de alguma complexidade, na medida em que uma boa parte é de uso corrente na actividade comercial, industrial ou social» e que na nesse controlo «há que prever novas regras, tendo presente o direito internacional pactício e o direito comunitário».

Ou seja, a própria lei reconhece que a aplicação cega da mesma é uma imbecilidade que colide com o direito comunitário.

Em relação aos solventes constantes da Tabela VI são perfeitamente inócuos, não são utilizados na fabricação de drogas mas sim na sua purificação ou transformação, mais concretamente, por exemplo a acetona é usada para purificar o hidrocloreto de cocaína e o anidrido acético para transformar morfina em heroína.

Sem a dita cocaína ou sem a morfina não há solvente que valha ao mais inventivo traficante, pelo que pensaria razoável concentrar os esforços no controlo destas drogas não em inquirir se a acetona que se tem se destina a tirar o verniz das unhas, a lavar material de vidro ou tem um fim mais sinistro :)

A própria água pode ser utilizada em processos de refinação de drogas e penso que a sua posse não indica um portencial traficante...

Palmira F. da Silva disse...

Em relação ao permanganato de potássio este é um oxidante forte que como todos os oxidantes fortes, tipo a lixívia ou a água oxigenada, é muito usado como desinfectante industrial e afins, em desodorizantes, para tratar infecções parasitarias dos pés; como antídoto em casos de envenenamento por fósforo e até pode ser usado no tratamento de água.

Não faço nem ideia para que seja utilizado no refinamento de drogas mas dadas as suas múltiplas utilizações não percebo porque cargas de água a sua posse é sujeita a autorização se a sua venda não o é...

Unknown disse...

O que não invalida que se esteja a confundir a nuvem com Juno. A lei está mal formulada, é imbecil e não tem em consideração pareceres técnicos, que calhando nem foram pedidos. Denuncie-se a incompetência do legislador.

Porque é que se circula pela direita? Porque o legislador impôs ou porque a BT multa quem circula pela esquerda?

Unknown disse...

Por outro lado seria sábio referir que o Decreto Regulamentar transpõe para a ordem jurídica interna as directivas do Conselho.

Palmira F. da Silva disse...

Caro Alfredo Caiano:

A interpretação da lei deveria ser o que é entendido, por exemplo, nos Estados Unidos em que apenas é considerado suspeito ter em casa grandes quantidades destes reagentes - e outros, como ácido bárico ou bicarbonato de sódio. Mas este último, por exemplo, é também o componente maioritário dos sais de fruto :)

Ou seja, acho que deve ser prevista a investigação de particulares que compram grandes quantidades destes compostos para saber a que os destinam.

Acho profundamente ridículo andar a fazer inspecções a laboratórios de Universidades públicas para saber se têm o papelinho que as autoriza a dar aulas ou a fazer investigação (volto a frisar que são compostos copletamente banais num laboratório químico).

Unknown disse...

E eu, cara Palmira, permito-me discordar porquanto a lei é taxativa e não podem os agentes policiais proceder de modo diverso sob pena de não estarem a cumprir nem a lei nem o seu espírito. A lei é ridícula e risível, concedo, mas não cabe à força policial mais que a fiscalização da sua aplicação. É isto que discuto e não a bondade da afirmação da completa banalidade da utilização em laboratório dos produtos sujeitos a autorização de posse.

António Matos disse...

Concordo em absoluto. Por muito que seja rídicula a lei, que o é, não é o papel da ASAE (assim como de qualquer outra força policial) avaliar se a lei é boa o suficiente para ser aplicada, apenas o de fiscalizar a sua aplicação.

alvares disse...

Eu só tenho pena que a ASAE não ande a inspeccionar as cantinas universitárias.....

António Matos disse...

Verdade. Principalmente quando nalgumas delas (falo das de Coimbra, que são as que conheço) a comida volta-e-meia vem com brinde...

Freire de Andrade disse...

Esta notícia deixou-me atónito.

Trabalhei durante muitos anos em vários laboratórios, desde a antiga Junta de Energia Nuclear até várias empresas do ramo farmacêutico e nunca me passou pela cabeça que a acetona ou qualquer dos outros solventes e reagentes que usávamos diariamente pudesse suscitar a atenção de uma entidade de fiscalização como a ASAE. Como é possível que o âmbito de acção desta entidade vá desde a venda de bolas de Berlim nas praias até aos solventes usados nos laboratórios das universidades? E como se compreende que estes laboratórios sejam alvo deste tipo de investigação e que a presença de frascos com acetona necessite de licença?

Será que tenho de verificar se no armário onde se guarda verniz para as unhas há algum frasco de acetona? E o álcool também necessitará de licença?



Ridículo!!!

Unknown disse...

Francamente o que acho estranho é que "isto" seja assunto hoje. A lei tem 15 anos.

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