sábado, 20 de junho de 2009

Exames e Radicalismos 1


Texto sobre os exames recebido de Filipe Oliveira, professor do Departamento de Matemática da Universidade Nova de Lisboa. Atendendo à sua extensão dividimo-lo em duas partes:

Nos últimos anos temos assistido a formidáveis avanços científicos com relevância para a Educação. É o caso de recentes progressos em áreas tão diversas como a Psicologia, as Ciências Cognitivas ou mesmo a Neurologia: à luz da moderna compreensão dos fenómenos fisiológicos subjacentes aos processos de aprendizagem, velhos dogmas são postos em causa e algumas práticas abusivas são denunciadas. Surgem novas ideias e outras, menos novas, são reabilitadas.

Por outro lado, uma grande determinação por parte de alguns governos em resolver os problemas do Ensino levou a que fosse possível realizar estudos sistemáticos do que se sabe e não se sabe em Educação, identificar pontos fracos e delinear uma estratégia clara para o futuro. Veja-se a este propósito o colossal trabalho do National Mathematics Advisory Panel nomeado pelo Governo dos EUA em 2006. Equipas de dezenas de cientistas passaram a pente fino milhares de publicações, realizaram novas investigações e geraram consensos importantes. As conclusões e recomendações deste painel foram publicadas no documento “Foundations of success – The final report of the National Mathematics Advisory Panel”.

Como a última avaliação internacional da FCT parece demonstrar, a grande maioria dos Centros de Investigação em Ciências da Educação portugueses parece não acompanhar estes progressos. Depois de amplamente denunciado, o discurso “eduquês” - caracterizado por um arrevesado discurso pejado de termos obscuros sem significado tangível - tem-se vindo a esbater progressivamente. No seu lugar permanece uma doutrina vaga, fortemente ideológica, opinativa e recheada de falácias e argumentos incongruentes. É o retrato de uma comunidade fechada, auto-referenciada, distante da comunidade científica internacional e sem soluções para o Ensino pré-universitário português. Uma comunidade em que muitos se recusam liminarmente a dialogar com os especialistas das áreas em que se propõem ensinar a ensinar, apesar das suas manifestas fragilidades nesses campos.

Exemplo disto é a entrevista dada ao Guia do Estudante por Leonor Santos, professora do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. O artigo descreve-a como uma especialista em avaliação com investigação nessa área há cerca de 20 anos. Vejamos as suas posições:

Do estudo e do não-estudo


À pergunta “Para que servem os exames?” Leonor Santos (LS) responde:

“A questão dos exames é uma polémica recorrente e há quem seja a favor e quem seja contra. Para mim, é muito mais importante discutir as razões que são apontadas com maior frequência para justificar a existência de exames.(…)”

É um início algo enigmático. Será que LS quer dizer que antes de se tomar uma posição sobre um determinado assunto há que medir os argumentos de um dos lados (o que seria de uma evidência desconcertante se fosse de ambos os lados)? Ou estará a querer dizer que mais importante do que tomar uma posição é discutir os diferentes argumentos envolvidos, à imagem de um médico a quem se pergunta se fumar faz mesmo mal e que responde “Bem mais importante do que dizer se faz mal é discutir por que algumas pessoas pensam que faz bem.”?

Sim, de facto, há quem seja a favor e há quem seja contra os exames. Assim como há quem seja a favor ou contra o ensino estruturado, ou a favor ou contra o ensino como transmissão de conhecimentos. Quando surgem opiniões duais deste tipo, a solução não passa por identificar e discutir apenas as razões mais frequentemente apontadas por um dos lados da polémica.

LS prossegue, tentando provar que um certo número de argumentos a favor da realização de exames não são tão inquestionáveis quanto se julga:

“Parte-se do princípio de que se não houvesse exames os alunos não estudariam. Este argumento só poderá fazer sentido se for aplicado aos alunos que normalmente não estudam, já que não se pode aplicar àqueles que o fazem.”


Trata-se, obviamente, de uma falácia que pode ser aplicada a qualquer implicação. Por exemplo, afirmar que “se não existissem despertadores as pessoas não chegariam a horas ao emprego” só fará sentido, no entender de LS, quando aplicada às pessoas que “normalmente” não chegam a horas ao emprego. Da mesma forma, dizer que “se não tivessem asas, os aviões não levantariam voo” só se aplica aos aviões que “normalmente” não levantam voo. De onde se tira a conclusão que não se devem usar despertadores nem os aviões devem ter asas? De facto, esta declaração é totalmente vazia em conteúdo argumentativo e apenas traduz um erro lógico elementar. De qualquer forma, ainda que um número muito limitado de alunos aprenda bem, independentemente de ter de estudar para exames ou não, sabemos que eles estudam mais e, em consequência, aprendem mais, quando existem exames com fins de classificação. Estes podem pois ser um factor importante de aprendizagem.

Uma das linhas de investigação mais activas e interessantes da psicologia experimental dedica-se precisamente a medir os efeitos da avaliação sobre a aprendizagem. As conclusões, praticamente consensuais, são que um dos factores fundamentais da retenção das aprendizagens a longo prazo, senão o factor principal, é a avaliação repetida e sistemática. Vejam-se, por exemplo, os trabalhos recentes de Karpick, Roediger et al. publicados na Science (The Critical Importance of Retrieval for Learning, Science 319, 966 (2008) ).

LS argumenta de seguida:

“Mas para os alunos que realmente não estudam há muita investigação que prova que as aprendizagens feitas de uma forma concentrada nas vésperas dos exames, fazendo noitadas, tendem a perdurar muito pouco no tempo”.


Sem dúvida, aqui apenas se diz que o estudo atabalhoado não produz grandes resultados. Penso que seja consensual e é pouco relevante para o assunto em discussão. Em todo o caso não invalida de forma alguma a existência de exames.

“Importa então saber se os exames são, ou não, eficazes a pressionar os alunos para estudar.”

Exacto, mas LS ainda não se pronunciou. Apesar de ter começado por declarar que se trata de um assunto que lhe parece muito importante discutir. O leitor poderá agora voltar ao início “Há quem seja a favor e há quem seja contra…” e ler a intervenção em loop.

Da ética e da equidade


LS ataca de seguida o problema da equidade:

“(…)Uma vez que qualquer exame procura medir conhecimentos, pretende-se que o exame coloque todos os alunos em igualdade de circunstâncias.”

Pode-se concordar que “qualquer exame procura medir conhecimentos” e pode-se concordar que é desejável que “o exame coloque todos os alunos em igualdade de circunstâncias”. Mas não há aqui relação causal entre as duas proposições. Trata-se da famosa falácia non-sequitur, em que não existe qualquer ligação lógica entre a premissa (o exame procura medir conhecimentos) e a conclusão (pretende-se que o exame coloque todos os alunos em pé de igualdade). Mas enfim, esta introdução serve para LS apresentar o seguinte argumento contra os exames:

“Há um conjunto de regras que assenta no pressuposto de que, se conseguirmos criar regras iguais para todos num dado momento, é possível reduzir as diferenças que existiram durante o ano lectivo. Esta ideia de que se cria uma igualdade de situação e que assim conseguimos controlar as diferenças é problemática.”

Parece haver aqui uma vez mais uma falácia em torno da ideia de “igualdade de situação”. Confunde-se igualdade à partida, no percurso e à chegada. Um aluno nunca tem as mesmas oportunidades de outro nestes três momentos, pois os alunos são diferentes e as circunstâncias em que vivem também. Uma coisa é trabalhar no sentido de oferecer igualdade de oportunidades à partida para todos. Isso faz-se apostando na formação de professores e na qualidade de programa, currículo e manuais. Outra completamente diferente é tentar garanti-la artificialmente à chegada, fazendo-se tábua-rasa do esforço e do estudo dos alunos mais dedicados durante o ano lectivo. Aparentemente é isto que LS considera “problemático”. É, de facto, problemático, e ainda bem que o é. Já do ponto de vista “ético”:

“Do meu ponto de vista coloca-se, desde logo, uma questão ética. Se de facto os alunos tiveram durante o ano lectivo melhores professores, será que estamos a garantir a igualdade de oportunidades ou pelo contrário estamos a reforçar a desigualdade existente até àquele momento?”

Insiste-se nesta confusão conceptual em torno da “igualdade de oportunidades”. A igualdade de oportunidades inicial não fica garantida por se banirem os exames. Aparentemente, na opinião de LS, é extremamente perverso alertar os pais, os professores e a Escola de que um grupo de alunos não está a evoluir adequadamente pois a responsabilidade pode não ser deles. O melhor será os referidos professores incompetentes continuarem a acompanhar e avaliar estes alunos sem recurso a exames externos, garantindo-se assim a dita igualdade e ocultando-se da vista de todos o mau funcionamento do sistema.

É uma posição radical e insensata. Por esta ordem de ideias em nada poderia haver avaliação por nem todos terem exactamente as mesmas condições. Se calhar, dever-se-ia acabar com os exames de condução, pois há instruendos que tiveram melhores professores do que outros... Continuemos:

“Outra crença que existe relativamente aos exames é a de que conseguem medir com algum rigor o conhecimento dos alunos (…)”.


Partindo do princípio que se trata de uma “crença” infundada e que os exames não têm qualquer rigor na medição dos conhecimentos dos alunos, dificilmente se entende a razão que leva LS a afirmar que os alunos de melhores professores não estão em pé de igualdade com os restantes quando confrontados com um exame. A verdade é que décadas de investigação em docimologia vieram mostrar que, não sendo os exames infalíveis, são uma razoável medida dos conhecimentos adquiridos. Exames bem feitos têm bastante fiabilidade. Exames perfeitos não existem. Mas será que, por não existirem termómetros perfeitos, deve deixar-se de medir temperaturas?

3 comentários:

Anónimo disse...

Na mouche! Uma boa desmontagem dos típicos argumentos vazios e doutrinários que não nos levam a lado nenhum. Estes "especialistas" são completamente incoerentes: por um lado os exames não são justos porque não destacam os melhores, por outro lado são injustos porque destacam os melhores. Vá-se lá entender Leonor Santos e o pessoal destas ciências ocultas. Enquanto eles dominarem a educação, o país não progride.

Paulo de Sousa

Anónimo disse...

E por aqui se vê que um matemático não tem formação científica. Vai nestas psicotretas que nem um patinho só porque é moderno, cool e vem de fora e é consensual logo verdade.

Anónimo disse...

Qual matemático? Leonor Santos não é matemática. Deve ser difícil encontrar um verdadeiro matemático que vá nas educo-tretas

50 ANOS DE CIÊNCIA EM PORTUGAL: UM DEPOIMENTO PESSOAL

 Meu artigo no último As Artes entre as Letras (no foto minha no Verão de 1975 quando participei no Youth Science Fortnight em Londres; esto...