domingo, 7 de junho de 2009

As duas vestais do sagrado altar do eduquês


Novo post sobre educação de Rui Baptista (na foto, tomada de posse de Ana Maria Bettencourt do lugar de presidente do Conselho Nacional de Educação):

“Há alunos do 1.º ciclo do ensino básico que saem sem saber fazer contas
” (entrevista, em 23/Outubro/1996, à RTP do então Primeiro Ministro António Guterres).

As duas vestais chamadas Ana são ambas do Partido Socialista. Uma, Ana Benavente, em decadência política depois de ter sido secretária de Estado da Educação (1995-2001) dos governos de António Guterres quando este declarou publicamente a sua paixão pela educação sem correspondência pela sua então compagne de route que a transformou em fogo fátuo. Outra, Ana Maria Bettencourt, recentemente eleita presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Embora dando o desconto de se tratar de comadres desavindas, a propósito da actuação de Ana Benavente no referido cargo governamental cito a análise que da sua acção governativa fez o actual secretário de Estado da Educação Valter Lemos: “A actuação de Ana Benavente nos governos de Guterres ‘resultou nos piores resultados escolares da Europa’ em matéria de sucesso escolar e, na base deste falhanço, esteve uma cedência permanente aos interesses da Fenprof” (Público, 29/Fevereiro/2008).

Irmanadas não apenas pelo nome próprio, mas também pelas suas opiniões pedagógicas, corria o ano de 2008, na revista “Opinião Socialista”, escrevia Ana Benavente um artigo em que “salientava que a escola não funciona para dar programas mas sim para assegurar as aprendizagens”. Defende, agora, Ana Maria Bettencourt um “ensino não centrado no programa, mas no aluno, porque o programa é pouco útil se os alunos não aprenderem” (Público, 05/Junho/2009).

Pareceres antigos deste órgão colegial denunciavam já uma vontade de dar às Escolas Superiores de Educação um estatuto que se não coaduna, de forma alguma, com a génese que presidiu à sua criação, apenas, para a formação de educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico (antigo ensino primário). Assim, em título à largura de toda a página, foi publicada a seguinte notícia: “Parecer provisório do CNE defende que as Escolas Superiores de Educação formem professores para o secundário” (Público, 30/Janeiro/97). Este parecer atentava contra uma longa e exigente formação científica dos professores do ensino secundário e punha em risco a sua tradicional formação universitária.

Avant la lettre, em artigo de opinião, perante uma notícia saída no Público (26/Maio/96), alertava eu para a intenção do governo em “as Escolas Superiores de Educação passarem a formar professores até ao 9º ano de escolaridade”, apesar de “recém-licenciados pela Faculdade de Letras de Coimbra nem sequer terem tido acesso ao respectivo estágio pedagógico, desencadeando uma crise que podia pôr em causa a sobrevivência da própria escola” (Correio da Manhã, 16/Junho/96).

Nessa mesma altura, perante o clima de desastre que se aprestava a abater sobre a Academia portuguesa, mostrando grande preocupação com o rumo que as coisas estavam a tomar, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas chamou a si a defesa de direitos e deveres seculares de natureza cultural e científica dos claustros universitários. Para o efeito, elaborou um dossiê, intitulado Repensar o Ensino Superior, em que defendia “a consolidação de um sistema dual, politécnico e universitário” e a necessidade em proceder “rapidamente à análise das funções das Escolas Superiores de Educação, considerando-se a oportunidade da sua reconversão, por exemplo, em centros de formação contínua dos docentes do ensino superior [o que retiraria uma parcela substancial a um rendoso mercado dominado pelos sindicatos] ou em escolas com outra vocação”. Esta última sugestão de reconversão logo foi abusivamente aproveitada por esses estabelecimentos de ensino para se transformaram em “universidadezinhas”, com um amplo e variado leque de cursos a ministrar sem qualquer identificação com a finalidade que presidiu às respectivas criações. Por seu turno, como que espicaçada no seu brio de docente da Escola Superior de Educação de Setúbal, Ana Maria Bettencourt logo replica, sem medir as palavras, que, “em matéria de formação dos professores, o pensamento dos reitores é pré-histórico” (sic).

Hoje, a própria Ana Maria Bettencourt reconhece, em entrevista ao Público (05/Junho/2009), embora “sem generalizar” (como teve a diplomacia de referir), mas certamente baseada na sua experiência pessoal, que “as escolas superiores não preparam os professores para o mundo complexo que é a educação”. Investida, agora, como responsável máxima por “um órgão colegial” de consulta do Ministério da Educação, resta saber quais as modernices da sua lavra destinadas a fazer sair da mediocridade o actual sistema educativo nacional. É tudo uma questão de esperar para ver...

9 comentários:

Fartinho da Silva disse...

Não podemos ter qualquer ilusão em relação a esta matéria. Enquanto os "cientistas" e "especialistas" da educação mandarem efectivamente no sistema de ensino público jamais teremos uma escola de qualidade e jamais teremos uma sociedade que consiga competir no mercado global. É simplesmente impossível!

Este poderoso lobby (claramente um dos mais importantes em Portugal) sente o tapete a fugir de baixo dos próprios pés, porque já percebeu que se trata da sua sobrevivência e como tal tudo fará para colocar representantes seus em lugares chave na administração pública de forma a não se conseguir que a Escola seja devolvida ao conhecimento científico e à cultura!

Este lobby tomou já conta de todos os centros de decisão no que ao ensino diz respeito em Portugal e não nos enganemos, as próprias Universidades estão já dominadas por este lobby, especialmente as Faculdades de Psicologia e Sociologia.

As próprias editoras de manuais escolares estão completa e absolutamente dominadas por esta corrente do pensamento.

Já alguém ouviu com atenação as confederações das associações de pais e encarregados de educação em Portugal? Com toda a certeza que quem já o fez percebeu até onde já chegou este pensamento relativista.

Será que alguém percebeu a importância para este lobby das milhares de reformas antecipadas de professores que ainda defendiam apesar de todas as dificuldades o ensino e denunciavam o facilitismo, a indisciplina, o laxismo e até a violência em sala de aula devido às pedagogias românticas defendidas pelos "cientistas" e "especialistas" da educação?

Como alguém disse, a Escola hoje não serve os alunos, não serve os professores, não serve o conhecimento, não serve a cultura, serve apenas para garantir a sobrevivência deste lobby e nada mais.

Hoje, os professores (sem se aperceberem disso) trabalham apenas e só para justificar o emprego de terceiros...

Hoje, uma boa parte dos pais, através da conversa mole dos "especialistas" da educação acreditam que a Escola é capaz de ensinar os seus filhos e de os educar na sua totalidade... e exigem isso à escola e aos professores. Estes pais acreditam ainda que a escola e os professores devem ser capazes de transformar os filhos em cientistas sem qualquer esforço e trabalho por parte deles (filhos). E acreditam nisto, porque assim foram levados a acreditar.

Desta forma, os professores estão completa e absolutamente enterrados em formulários, grelhas, reuniões, relatórios, processos, provas de recuperação de alunos que faltam sistematicamente porque sabem que podem faltar, planos de recuperação, planos de acompanhamento, planos de desenvolvimento, projectos para a saúde, projectos para a educação sexual, projectos para a educação rodoviária, projectos para a educação para a cidadania, projectos para a educação para o ambiente, grelhas para avaliação docente e discente, etc., etc., etc. Quem conhece professores do ensino secundário do sector público percebe bem que este sistema é uma fraude. Basta pensar que qualquer professor tem que estudar, preparar aulas para poder ensinar na sua área científica para rapidamente percebermos que o professor não tem tempo para isso e como tal...

Os resultados estão à vista. Tenho vários amigos que são donos de pequenas e médias empresas e segundo eles recebem e despedem, por vezes no próprio dia, jovens com o 9º ano e até com o 12º ano que não são capazes de escrever um pequeno texto de uma página com três parágrafos e que são completamente incapazes de realizar cáculos tão simples como 12,34:10 sem a utilização de uma máquina de calcular! Esta é a realidade do país. Como podemos nós aspirar a ter a qualidade de vida de outros povos quando o aluno médio é incapaz de escrever um texto? Como podem as nossas empresas competir no mercado global com funcionários assim?

Será muito complicado para os próximos governos, especialmente depois das "reformas" da actual equipa ministerial, alterar esta forma completamente irresponsável de gerir este importante sector do país.

Luis Lobato de Faria disse...

E a culpa é de toda a gente menos dos professores?
Esta peninha que os professores têm deles mesmos já começa a enjoar.
Eu estudei com muitos projectos de professor que não tinham cultura geral nenhuma e agora andam ai a ensinar.
As vitimas são os alunos.
Os professores ganham o mesmo ordenado ao fim do mês.

Anónimo disse...

O Fiolhais e Ca tem que se mexer e começar a agir. Para além de mandarem bitaites (são mais textos de prosa eduquesa; mais parecem textos pós-modernos tanta é a verbosidade) num blog, tem que fazer algo de facto. Já sabemos as opiniões da trupe académico-científico-investigadora-peer reviewerista ad nauseaum (já sabemos que não gostam do eduquês, do pós-modernismo, e que t m grande capacidade de o identificar etc, etc, etc). Em vez de andar só a chamar nomes e a ganhar protagonismo na internet, porque é que não actuam de modo mais eficaz? Porque é que não provam cientificamente (passem o pleonasmo) que o método eduquês está errado e apresentam o novo método? O bom. O como deve ser. E, já agora, com balanço, provem o novo método resulta. Caso contrário, não passa de opinião de treinador de bancada. Vá dar aulas no ensino básico para aprender como é que se faz. "Tu queres é mazé aparecer... vai mazé trabalhar como'às pessoas, ó".
Josué, LA, USA

Helena Ribeiro disse...

Boa Tarde Rui Baptista,

O seu post é elucidativo, com a excelente clareza de linguagem que quem frequenta o "De Rerum" já conhece.

Cito parte do comentário de "Fartinho da Silva" que me parece ser o cerne da questão:

"Este poderoso lobby (...) tudo fará para colocar representantes seus em lugares chave na administração pública de forma a não se conseguir que a Escola seja devolvida ao conhecimento científico e à cultura!"

Pois é!

E depois desta breve e agradável pausa regresso aos "formulários, grelhas, reuniões, relatórios, processos, provas de recuperação ...

Ando seriamente a pensar mudar de vida...!!!

Anónimo disse...

Olá, Rui Baptista!
Pois é, a Bettencourt está a reconhecer tarde e a más horas o mal feito às escolas e aos alunos.Só mesmo neste país.O que se passou foi mesmo mau.De um momento para o outro apareceram ESE´s com fartura e com uma variedade de cursos incrível.Quem andava na faculdade teve de estudar mais anos, enfrentar outro tipo de exigência e obteve uma licenciatura com notas bem inferiores aos dos cursos da ESE´s.

Rui Baptista disse...

Anónimo (22:48): Preferiria responder aos comentadores depois de ter um leque de comentários amplo que ampliasse a minha perspectiva sobre esta temática.

Todavia, abro uma excepção para esclarecer que a minha opinião (fundamentada em matéria factual) é a de que Ana Maria Bettencourt se fez vestal (Ana Benavente com maior responsabilidade institucional no cargo de secretária de Estado da Educação) da situação calamitosa a que chegou a formação de professores com escolas superiores de educação que ultrapassaram abusivamente, sob o olhar complacente do Estado, os limites para que foram criadas: apenas a formação de educadores de infância e professores do 1º. ciclo do ensino básico.

Neste caso, tratava-se de uma evolução que representava essa formação, até então em escolas de ensino médio, a cargo de escolas superiores outorgantes de simples bacharelatos . No caso dos professores do 2.º ciclo do ensino básico (e até a tentativa de estender essa medida ao 3.º ciclo do ensino básico ou mesmo ao secundário) houve uma nítida involução, criando-se o seguinte e perigoso paradoxo: QUANTO MENOR A FORMAÇÃO DOS DOCENTES MAIOR A QUALIDADE DA RESPECTIVA DOCÊNCIA!

A nomeação de Ana Maria Bettencourt pela Assembleia da República para presidente do CNE - órgão colegial integrante da tutela ministerial da Educação - prenuncia a passagem do seu pensamento a uma acção de apoio à actual ministra da Educação.

Diz o povo que "cesteiro que faz um cesto, faz um cento desde tenha verga e tempo". Embora o tempo possa ter a escassez das próximas eleições legislativas de Outubro, verga não lhe faltará até lá para dar pareceres para que continue tudo na mesma ou...até pior com as suas modernices em oposição "ao pensamento pré-histórico dos reitores", Ana Maria Bettencourt, "dixit"!

Resumindo, nada deixa crer, bem pelo contrário,que ela esteja a reconhecer tarde e a más horas o mal feito às escolas e aos alunos.

Agradeço-lhe o seu comentário por me ter dado a oportunidade de clarificar a minha posição por o final do meu post poder ter suscitado dúvidas quando escrevi:"É tudo uma questão de esperar para ver..."

cafe46 disse...

Caro amigo,
Bem sabe que dali não cresce boa erva.
Leve um abraço,
Carlos Félix Fernandes

Anónimo disse...

Disciplina ,empenho, interesse e TRABALHO, MUITO TRABALHO, são as premissas para um aluno responsável e com um projecto de futuro. A maior parte dos nossos alunos são avessos a isto tudo. Aversão ao trabalho, à exigência, à disciplina(em casa não lhe é exigida, "faço o que me apetece"), com se dá a volta a tudo isto?Deixá-los passar que algum dia aprenderão, a vida encarregar-se-á disso! Se calhar TARDE, MUITO TARDE!!!

Rui Baptista disse...

Bom amigo Carlos Félix Fernandes: Embora tardiamente, por estar envolvido na discussão de dois posts, neste blogue, sobre a criação da Ordem dos Professores, com um abraço saúdo a sua reaparição.

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