Na sequência de outros textos antes publicado no De Rerum Natura: aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui ...
Notícia do semanário Expresso de 8 de Setembro |
Uma pessoa comum que tome conhecimento de certas transformações, diria distópicas, que estão a acontecer no mundo não pode deixar de ficar pasmada. E deste estado não passa!
Os "planificadores" do mundo são bem capazes de ter razão. Depois de ter lido o artigo do Expresso acima identificado, sinto-me tentada a usar os seus repetidos argumentos: a rapidez da transformação é meteórica e o seu carácter altamente "disruptivo", pelo que é preciso enquadrá-la em novos "cenários", deslocalizados, tecnológicos, potenciadores...
Estes argumentos implicam uma capacidade de compreensão que, confesso, não tenho. Mas faço um esforço e volto ao mencionado artigo que me relembra a prodigiosa máquina, tecnologia, plataforma... de inteligência artificial que, entre outros malabarismos, escreve tudo o que se lhe pede em minutos, segundos, micro-segundos, incluindo livros.
Lá explica-se, a partir do noticiado no Guardian, que uma empresa de dimensão global dedicada à venda e distribuição tomou a decisão de limitar a publicação "a três títulos por dia para cada autor". Cortei e colei para não me enganar, mas repito por outras palavras: alguém que queira passar por escritor sem nada escrever, só pode publicar três livros por dia nesta empresa.
Pergunto: que interesse tem para alguém
1) apresentar-se como escritor quando nada escreveu a não ser as instruções a dar à máquina?
2) publicar um livro que não tenha saído das entranhas, mesmo débeis, de outro alguém?
2) publicar um livro que não tenha saído das entranhas, mesmo débeis, de outro alguém?
3) ler um livro produzido por algoritmos e, portanto, desalmado?
Vê-se aqui o apelo e, de algum modo, a legitimação do lucro fácil e imediato, a ignorância, o descaramento, a desonestidade e muitas outras coisas feias, que, sem dúvida, funcionam em termos de negócio mediático e que conduzem ao "sucesso" da mesma estirpe. Vê-se aqui algo de tão radicalmente desorientador que os nossos quadros mentais não são capazes de desencadear um raciocínio escorreito. Pelo menos os meus não são!
1 comentário:
Mesmo um Simenon, que escrevia um saboroso policial com o comissário Maigret dentro, numa semana de árduo trabalho, não passa agora de um obsoleto dinossauro, comparado com estes novos autores que não estão autorizados a produzir mais do que três livros por dia.
Balzac andou a intrujar-nos, convencendo-nos de que possuía uma fábrica de romances de prodigiosa produtividade: afinal, não passava de um calaceiro, que passava o tempo a beber chávenas de café, em vez de escrever. Alexandre Dumas, mesmo usando nègres, que, por sua vez, usavam outros nègres, deixou uma produção anedoticamente pequena, comparada com a bibliografia destes novos argonautas, mesmo confinados à miséria de três títulos por dia.
Mas há um pequeno problema que me aflige: com qualquer cidadão, mesmo pouco alfabetizado, a produzir três livros por dia, o número de livros no mercado será assustadoramente superior ao número de leitores. Nenhum editor se aguentará, a não ser com um vigoroso apoio do ESTADO! Não vejo os privados a meterem-se neste negócio!
Eugénio Lisboa
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