Meu artigo no último "As Artes entre as Letras"
Um grande congresso mundial, repartido em três momentos em três cidades polacas,
serviu para celebrar os 550 anos do nascimento de Nicolau Copérnico
(1473-1453), o astrónomo, matemático, médico, humanista, jurista, gestor e economista
polaco que sustentou, no seu famoso livro Da Revolução dos Orbes Celestes,
saído no ano da sua morte que o céu estava imóvel no centro do mundo e não a
Terra, como se julgava.
Estive no congresso final, realizado há dias em Torun, a sua cidade natal,
um burgo cujo centro histórico é hoje Património Mundial da UNESCO. Os
encontros anteriores tinham-se realizado em Cracóvia, sítio da universidade polaca
onde Copérnico estudou, e em Olsztyn, uma das cidades da diocese de Warmia,
onde Copérnico viveu (morreu em Frombork, na costa da mesma região). A reunião
de Torun, realizada na Universidade Copérnico, centrou-se na história da
ciência e da cultura no tempo do cientista. Um dos temas tratados foi a
recepção das ideias copernicanas: em Espanha e Portugal foi muito tardia, não
por estarem longe da Polónia, mas por o livro ter sido colocado no Index
da Igreja Católica, criado pelo Concílio de Trento.
Os pais de Copérnico foram ricos mercadores de Torun, a cidade medieval à
beira do rio Vístula entre Varsóvia e Gdansk. Situada na Prússia Real, integrava o reino da
Polónia, que esteve muito tempo em guerra com os Cavaleiros Teutónicos, os
cruzados que se fixaram no Nordeste Europeu. Quando Copérnico nasceu já tinha
sido assinado um acordo de paz após a Guerra dos Treze Anos. A Casa de
Copérnico fica no centro histórico. O museu aí instalado mostra como era a vida
em Torun no final do século XV e início do século XVI. Os habitantes falavam
tanto alemão como polaco, uma língua então emergente, ainda sem obras
literárias. Hoje discute-se se Copérnico falava polaco: provavelmente sim, mas
só deixou documentos em latim e em alemão. O museu tem poucos objectos
originais, mas há boas réplicas. Na cave uma exposição multimédia evoca
contemporâneos lusos de Copérnico: Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Fernão de
Magalhães
Copérnico foi o mais novo de quatro irmãos. Três deles seguiram uma
carreira eclesiástica: ele e um irmão tomaram ordens menores e foram membros do
cabido da catedral de Warmia, em Frombork, e uma irmã foi prioresa num convento
próximo (a outra irmã casou com um homem de negócios). Copérnico nunca casou
nem teve filhos, embora tenha sido criticado por ter vivido com uma senhora.
Foram todos católicos: a Reforma de Lutero só surgiu em 1517 e, enquanto os Cavaleiros
Teutónicos aderiram ao protestantismo, os torunenses permaneceram fiéis ao
papa. A explicação para a entrada no cabido dos dois irmãos foi o facto de um tio
ter sido bispo de Warmia, cargo que exerceu muitos anos. Copérnico nunca foi
padre, mas viveu longos anos com uma renda eclesial, administrando propriedades
tuteladas pela catedral.
Entre 1491 e 1495 estudou Artes em Cracóvia, o que incluiu uma box
preparação em Astronomia e Matemática. Entre 1496 e 1501 estudou Direito Canónico
na Universidade de Bolonha, a mais antiga do mundo, e entre 1501 e 1503 estudou
medicina na Universidade de Pádua. Em 1503 doutorou.se em Direito Canónico na
Universidade de Ferrara. Regressou a Warmia com 30 anos, depois de mais de uma
década de estudos superiores, a maior dos quais em Itália. Passou o resto da sua
vida no nordeste polaco, servindo a Igreja. Foi secretário e médico do tio. E participou
nas disputas de poder entre o reino da Polónia e os Cavaleiros Teutónicos.
A sua teoria heliocêntrica – onde revelava um “céu mais perfeito” do que o de
Ptolomeu, com a Terra no centro – foi pela primeira vez conhecida em 1514
quando começaram a circular cópias de um manuscrito com o nome abreviado de Pequeno
Comentário. Adiou a publicação das suas ideias, talvez por receio de
críticas, mas o conteúdo principal da sua obra maior estava já pronto nos anos
de 1530. Em 1539 recebeu em Frombork um matemático alemão Georg Joachim
Rheticus (luterano e não católico, o que mostra que a diferenças religiosas não
impediam o trabalho conjunto). Foi esse seu discípulo que o convenceu a
publicar a teoria heliocêntrica, tendo levado o manuscrito a um prestigiado impressor
em Nuremberga. A finalização da impressão foi supervisionada por um amigo
luterano de Rheticus, o teólogo Andreas Osiander, para grande desagrado dele, pois
acrescentou um prefácio anónimo em que defendia tratar-se apenas de uma descrição
matemática e não da realidade. As órbitas centradas no Sol explicavam melhor as
tabelas astronómicas, mas o modelo não deveria ser levado a sério. Mas o novo
modelo eliminava os complicados epiciclos de Ptolomeu. O rei de Castela Afonso X
tinha afirmado no século XII: “Se Deus me tivesse perguntado, teria recomendado
um sistema mais simples.” Conta a lenda que Copérnico ainda viu o seu livro
antes de expirar… Não podia então imaginar o enorme impacto que o livro ia ter,
com a oposição tanto de luteranos como de católicos. Noventa anos após a sua publicação,
Galileu, advogado do heliocentrismo, seria condenado pela Inquisição romana,
criada pelo papa Paulo III a quem o livro era dedicado. Hoje existem pouco mais
de 200 cópias da edição original, uma das quais na Biblioteca Municipal do
Porto (a única cópia em Portugal), e algumas foram vendidas por quantias
absurdas.
As homenagens a Copérnico são inúmeras. Em Torun existe uma estátua, tal
como em Varsóvia. O aeroporto internacional de Wroclaw chama-se Copérnico (o de
Varsóvia chama-se Chopin). O Centro de Ciência de Varsóvia também. O elemento químico
112 é o copernício. Um exoplaneta tem o seu nome. Assim como uma sonda de raios
X da NASA e o sistema de observação da Terra da ESA, a Agência Espacial
Europeia.
Já neste século, foram procurados os restos mortais de Copérnico na catedral de Frombork. Por exame de ADN foram identificados os seus ossos, associando-os a um cabelo guardado num livro. Um perito forense fez um retrato de Copérnico, aos 70 anos, que pode ser comparado com a representação mais conhecida dele, em jovem.
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