Na continuação de vários outros textos, por exemplo: aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui
Quero pensar que começamos a tomar consciência da iniquidade de certas "transformações" que, como adultos, temos proposto, imposto, implementado ou consentido na educação escolar. Tal consciência dever-se-á sobretudo às consequências negativas que não podemos deixar de perceber na formação dos mais jovens, daqueles que nos sentimos obrigados a proteger.
Quero pensar que as "transformações" a que me refiro vingaram durante décadas não apenas por interesse económico-financeiro, ao qual se atrela o interesse político e académico, mas pela confiança que tendemos a colocar nos discursos de certas organizações que "orientam" a educação e de certos investigadores que lhe emprestam verniz "científico". Deveríamos estudar mais, interrogar mais, ponderar mais, mas, por várias razões - entre as quais se conta o sermos sistematicamente desviados desse caminho -, não o fazemos, deixando esfumar a ideia matricial de que temos em mãos nada menos do que a formação do ser humano.
Quero pensar, como disse, que estamos a começar a acordar e a discernir que o desvio dessa ideia será trágico, não só para os agora mais jovens, mas ainda para nós e, sobretudo, para as gerações vindouras.
O que acima mencionei não decorre de uma crença infundada, mas da observação, ainda que pouco controlada, que faço dos acontecimentos educativos. Pensemos apenas e só no uso dos telemóveis.
Não obstante a pressão exercida pelo "Indústria Global da Educação", pelas políticas de "Transição Digital", pelo entusiasmo da "Inovação de base tecnológica", a verdade é que:
- investigadores estudaram esse uso com base em critérios metodológicos e éticos reconhecidos na comunidade científica (atenção ao facto de muitos estudos que atribuem benefícios pedagógicos às tecnologias serem financiados por entidades ligadas a essa indústria);
- organizações como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) produziram relatórios, de facto, independentes;
- professores, directores e outros profissionais escolares, bem como responsáveis pela educação estiveram atentos e reflectiram.
Articulando-se a informação destas três fontes (que, sublinhe-se, é distinta de "pressão") torna-se mais seguro recomendar e decidir:
- investigadores apontam, em uníssono, múltiplas dificuldades de aprendizagem e de desenvolvimento (cognitivo, relacional e emocional...) das crianças que são expostas, precoce e sistematicamente, aos ecrãs, com destaque para os dos telemóveis;
- a UNESCO, baseando-se nos estudos desses investigadores e nos que tem realizado por conta própria, apela aos governos de todo o mundo para que proíbam os equipamentos em causa em contexto escolar. No relatório acima identificado diz que isso já foi conseguido num quarto dos 200 países que submeteu a análise.
- diversos responsáveis educativos têm tomado decisões que lhes compete tomar. Em Portugal, circulou recentemente uma petição para que os telemóveis deixassem de ser usados nos recreios; professores limitaram o seu uso nas aulas; e directores, de acordo com a vontade da comunidade escolar, regularam onde e quando poderiam e não poderiam ser usados.
Este texto vem a propósito de mais um passo, recente e complementar dos anteriores. No caso, dado por um autarca - o presidente da Câmara de Almeirim - que mostra, nas entrevistas, um esclarecimento, uma objectividade e uma resolução pouco habituais.
Ouvido o
Ministro da Educação do nosso país sobre esta medida que abrangerá não um agrupamento de escolas, mas todas as escolas de um concelho, informou já ter pedido parecer ao presidente do Conselho das Escolas, alegando não gostar de tomar decisões "ao sabor de opiniões avulsas".
Não desvalorizando as competência deste conselho, pergunto: de que mais dados científicos dignos de crédito (que não são "opiniões avulsas") precisará este governante para fazer o que muitos dos seus homólogos, nomeadamente da Europa, já fizeram no respeitante a este assunto?
Maria Helena Damião
2 comentários:
Das várias propostas avulsas para a resolução do problema candente da educação, emanadas das autoridades governamentais, destaca-se a difusão das práticas da filosofia ubuntu por todos os jardins de infância e escolas EB 1,2,3 +S de Portugal. A indisciplina, associada ao uso desadequado dos telemóveis, em contexto de sala de aula, é um problema menor. Por outro lado, estar sempre a olhar para a pantalha do telemóvel é fácil e, assim como assim, com o atual sistema do ensino por grelhas, com muitas rubricas, domínios e descritores, fortemente apoiado pela filosofia ubuntu, a passagem de ano está garantida à partida. Hipocrisias à parte, a maioria dos encarregados de educação querem, sobretudo, que os seus educandos passem sempre, para poderem, um dia, chegarem a licenciados, ou mais além.
Quando os cientistas da educação, ou os governos, não atendem aos desejos da maioria , poderão, à boca das urnas eleitorais, vir a ver-se em maus lençóis.
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