A poesia contenta-se com pouco conteúdo. A prosa é mais exigente.
A poesia vive de intuições. A prosa vive de ideias.
A poesia afaga a obscuridade. A prosa afaga a claridade.
A claridade cega o poeta e amplia a visão do prosador.
A poesia exercita-se a esconder, a prosa esfalfa-se a revelar.
O soneto é uma forma de pudor: dizer o mais possível, no mínimo de palavras.
A inveja do poeta: gostaria que as palavras fossem tão eloquentes como as notas de música.
A vida do poeta não é necessariamente poética. As asas do poeta podem levantar voo a partir de um monturo.
Eugénio Lisboa
1 comentário:
Dos desafios intelectuamente mais produtivos eu concordaria que, tentar distinguir convincentemente, por exemplo, as várias ciências e, dentro de cada área, as várias disciplinas, ou as várias artes e, dentro de cada arte, as várias modalidades, pode ser dos mais árduos. De tal modo que os problemas suscitados à medida que se vai esmiuçando o assunto não têm resposta garantida por parte de quem pratica essas disciplinas, ou seja, um poeta para ser poeta e um prosador para ser prosador não precisam de saber a diferença entre poesia e prosa. Pode-se tocar guitarra sem saber teoria da guitarra, ou mesmo teoria das notas musicais.
O próprio ser humano, não é pelo facto de o ser que sabe dizer o que é. Isto, embora o ser humano seja o único que diz o que as coisas são e o que não são.
À primeira vista, distinguir duas coisas, ou realidades, é tanto mais difícil quanto mais afinidades e semelhanças tiverem. Todavia, com o avanço das ciências, até as coisas que nos parecem mais obviamente distintas, acabam por se revelar difíceis de distinguir. Isto, se persistirmos numa análise da natureza física das coisas. Não me espantaria que, por este critério, alguém concluísse não haver diferença entre a lua, um queijo e um ser humano.
Submetidos à tortura inimaginável, por exemplo, dos aceleradores de partículas, até os átomos mais resistentes confessam o que nunca fizeram, porque a prova de que o podem fazer é muito importante para o processo.
Este caminho levar-nos-ia mais longe, sei lá, à defesa da irredutibilidade das estruturas e das formas a uma materialidade não estruturada, e assim evitaria que, ao falar da matéria mais elementar e indivisível, estivesse a falar meramente de um dos elementos (mais simples?) da matéria. Mas esse já não é chão que eu enxergue para por os pés.
Regressando aos aforismos irritantes sobre a diferença entre poesia e prosa, não será mais natural, mais fácil, perceber diferenças entre poesia e prosa do que justificar convincentemente o que distingue poesia de prosa? E, sobretudo, não será mais fácil perceber diferenças entre um determinado texto de poesia e um determinado texto de prosa?
Se alguém tiver diante de si um pinheiro e uma oliveira, precisa de ser botânico para dizer as diferenças, até um certo ponto, entre as duas plantas? Se, porém, em geral e abstracto, pedirem para distinguir o pinheiro da oliveira, o caso muda de figura e pode complicar-se muito.
Nesse conjunto de aforismos, por exemplo, há apenas um que considero ser poesia “As asas do poeta podem levantar voo a partir de um monturo”.
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