Meu capítulo publicado no recente livro de homenagem a Manuel Sérgio (Afrontamento), :
No ano de 2005, foi publicado por uma nova
editora de Coimbra, a Ariadne, uma empresa que estava então em incubação no
Instituto Pedro Nunes, mas que infelizmente não conseguiu sobreviver por muito
tempo, um pequeno livro de Manuel Sérgio (n. 1933): Para um Novo Paradigma
do Saber e.… do Ser. Era
apenas mais uma adição à sua já então longa lista da produção bibliográfica,
que desde então não tem cessado de aumentar. Sérgio já antes tinha publicado
títulos como Para uma Epistemologia
da motricidade humana: Prolegómenos a uma Ciência do Homem (1988), a sua tese de doutoramento na
Universidade de Aveiro e um texto seminal entre nós da nova ciência da motricidade
humana, que se procurava diferenciar da Educação Física e Desporto pelos seus
maiores âmbito e complexidade, Motricidade
Humana – Contribuições para um Paradigma Emergente (1994), Um Corte
Epistemológico: da Educação Física à Motricidade Humana (1999) (referências
bibliográficas mais completas encontram-se no final). Como revelam todos esses
títulos, o autor procurava empreender uma uptura relativamente ao pensamento
até então dominante sobre Educação Física e Desporto.
Em Para um Novo Paradigma do
Saber e... do Ser, nessa
compilação de três textos de teor filosófico, que ocupam outros tantos capítulos:
o primeiro é um manifesto que pugnava pela aplicação de complexidade como conceito-chave
da motricidade humana (a ideia de complexidade é essencial na abordagem de Sérgio
ao movimento do corpo humano); o segundo fala da relação entre motricidade e
envelhecimento Manuel Sérgio, hoje com 87 anos, dá-nos um excelente exemplo de envelhecimento);
e o terceiro discutia a educação popular do brasileiro Paulo Freire (Sérgio,
tal como outro famoso Sérgio da nossa história cultural, é um grande pedagogo,
interessando-lhe a formação dos seres humanos em todas as faixas etárias). Para
além de outros nomes mais antigos, autor citava filósofos como, entre os contemporâneos,
os alemães Martin Heidegger e Juergen Habermas e os franceses Gaston Bachelard,
Maurice Merleau-Ponty e Paul Ricoeur, mas também cientistas como o químico belga
de origem russa Ilya Prigogine (1917-2003) e o médico e neurocientista português
António Damásio (n. 1944
Tive a honra de ser convidado por Manuel
Sérgio para escrever um prefácio para aquela obra. Como minha homenagem a Manuel
Sérgio, não posso deixar de reflectir aqui, quinze anos depois, sobre o seu tão
fértil pensamento. Recupero em parte esse meu prefácio, ampliando-o no que
respeita à apresentação das ciências da complexidade, as quais, embora continuando
a tradição da ciência que vem da Revolução Científica, constituem hoje uma
aproximação ao mundo que é em larga medida inovadora. O presente texto não é
mais do que o olhar de um físico e divulgador de ciência sobre os fundamentos conceptuais
de um notável filósofo do desporto português.
É curioso o duplo
sentido da palavra “físico”. Qualquer bom dicionário informa: físico (do grego physikós,
da natureza) significa, por um lado, “s.
m., aquele que estuda Física ou é versado nela; adj. relativo à Física, relativo às condições e leis da Natureza,
corpóreo, material, natural” e, por outro, “s.
m. médico (termo antigo); adj. conjunto
das qualidades externas do homem, aspecto, configuração, conjunto das funções
fisiológicas”. Há obviamente algo em comum entre os dois sentidos, um, mais
geral, relativo à Natureza, e o outro, mais particular, relativo ao corpo humano,
que é evidentemente parte da Natureza. O “físico” denota nos dois casos o que é
material, palpável. E tudo o que é material move-se, seja um corpo celeste seja
um corpo terrestre, um dos quais o corpo humano. A Física começou precisamente na
viragem do século XVI para o século XVII, com o italiano Galileu Galilei, quando
ele resolveu investigar o movimento dos corpos inanimados, como um bola sujeita
à gravidade da Terra (um “grave”) ou a própria Terra (ela própria uma esfera sujeita
à força da gravidade do Sol: eppur si muove terá dito Galileu após a
sentença do Santo Ofício), Contudo, Galileu estudou Medicina na Universidade de
Pisa (não terminou o curso tornando-se um autodidacta, um dos mais célebres de sempre)
e, portanto, poderia ter sido um “físico” no sentido de médico, em vez de um
físico, no sentido moderno. Nas suas investigações de física incluiu a resistência
dos corpos vivos ao movimento: o livro Diálogos e Demonstrações Matemáticas
em torno de Duas Ciências Novas, de 1638, cinco anos posterior à sua
condenação pela Inquisição, começa pela questão de saber o que acontece a
corpos animais que caem (o que, convenhamos, é mais grave do que a queda de
corpos inanimados). Foi Galileu que propôs a metodologia científica que ainda
hoje usamos: não apenas fundou uma “nova ciência” – a ciência experimental em
contraponto à ciência aristotélica - como também fundamentou o método que esta
deveria usar, baseado na observação, na experiência e no raciocínio, muito em particular
o raciocínio matemático (escreveu “a Natureza está escrita em caracteres matemáticos”).
Um notável contemporâneo
de Galileu que foi não apenas um cientista como um filósofo foi o francês René
Descartes. Para além de resultados científicos, como por exemplo na área da
óptica, deve-se-lhe uma posição de mudança na metodologia filosófica, bem
patente em O Discurso do Método (1637, o ano anterior ao do último livro
de Galileu), de seu título completo. Discurso do Método para bem conduzir a
razão na busca da verdade dentro da ciência, cujos apêndices são “ensaios do
método” (pela ordem com que surgem, a Dióptrica, os Meteoros e a Geometria). A
maior das edições hoje disponíveis descarta normalmente esses apêndices, por eles
serem mais técnicos, mas a Dióptrica, que trata da natureza da luz, das leis da
reflexão e da refracção, e da óptica fisiológica, incluindo os meios para
melhorar a visão, foi uma obra essencial na evolução da Física. Descartes
estudou outros temas de Física, incluindo astronomia. Descartes concordava com Galileu
quanto à defesa da teoria heliocêntrica de Copérnico, mas, receando que lhe pudesse
acontecer o mesmo que ao sábio pisano, Descartes adiou a publicação do seu livro
Tratado do Mundo e da Luz, escrito entre 1629 e 1633, mas que só sairiapostumamente,
em 1660. O Discurso do Método mais não era que um prefácio a essa obra
maior.
Uma das
contribuições mais relevante de Descartes para o pensamento moderno foi o
chamado “dualismo mente-corpo”, que separa claramente a mente (res
cogitans, ou coisa pensante) do corpo (res extensa, coisa extensa).
Esse dualismo transparece claramente do seu livro Meditações sobre Filosofia
Primeira (1641), que é uma extensão do Discurso do Método. De acordo
com essa separação, os fenómenos mentais não são
físicos. O ponto de contacto entre espírito e corpo seria minúsculo: a glândula
pineal, existente no cérebro não apenas no homem, mas de todos os vertebrados. Se
essa distinção tinha a vantagem de separar a questão de Deus da questão do mundo
natural, permitindo estudar este último como se Deus não existisse (existia
obviamente para Descartes, mas num outro domínio superior), ela impede, por
outro lado, o estudo da mente por parte daa ciências naturais. A teses de Descartes
é abertamente criticada hoje, em boa parte devido aos avanços das ciências. O
livro mais famoso de Damásio intitula-se significativamente O Erro de
Descartes: Emoção, Razão e Cérebro Humano (1994) (ver no final outros
livros do autor): Damásio explicou que as emoções que influenciam o
pensamento estão ligadas ao corpo. O cérebro foi, na história natural, criado a
partir do corpo, tendo sempre crescido com ele. O filósofo contemporâneo norte-americano
John Searle declarou de um modo muito incisivo (https://blogs.loc.gov/kluge/2015/03/conversation-with-john-searle/
): “Há um certo número de desastres famosos na filosofia, e Descartes foi um dos
maiores. (…) A sua maior catástrofe foi o dualismo, a ideia de que a realidade se
divide em dois tipos de de substâncias, a matéria e o espírito. (…) Vivemos num mundo, não em dois ou três ou
mais, e o que consideramos consciência e mente é uma característica biológica
de certos tipos de organismos. Descartes foi incapaz de ver isso, porque ele
achava que a consciência só poderia existir numa alma, e a alma não era uma
parte do mundo físico.”
Hoje, na senda
de Galileu (e também, embora só em parte, de Descartes) a Física continua a ser
a ciência geral da matéria, da energia e do movimento, que não pode deixar de
informar a nova ciência do movimento do nosso corpo, a ciência da “Motricidade Humana”
cunhada por Manuel Sérgio. Mas hoje sabemos que a mente ou espírito resultam da
acção do cérebro e que o cérebro não passa de uma gigantesca rede de neurónios,
nos quais ocorrem fenómenos físico-químicos extremamente complexos. Não admira,
por isso, que, atento aos avanços da ciência, Sérgio tenha querido substituir a
“antiga” ciência da Educação Física e Desporto, que ele reputa de “cartesiana”,
pela “nova” ciência, informada pela complexidade, a da Motricidade Humana.
O facto de a
Física e a Química, ligadas à Biologia e Medicina, se interessarem pelo
funcionamento do cérebro, tal como se interessam as Ciências da Computação e a
Engenharia Informática, não significa que as ciências e as tecnologias tudo
possam. O cérebro continua a ser um grande mistério, o “santo dos santos” do
Universo, e as ciências sociais e humanas, que derivam de toda a actividade
mental e comportamental humana, continuam a ser ciências distintas das ciências
de base eminentemente experimental e, portanto, ajudadas pelo método estabelecido
por Galileu. Há mais mundos para além do físico, embora esses mundos estejam,
de uma forma ou de outra e mais do que muitos supõem, ligados ao mundo físico. O
cérebro é afinal uma porção da Natureza, que funciona segundo as leis naturais,
que desde Galileu temos vindo a descobrir. A partir da avalanche de dados das modernas
neurociências tem-se concluído nos tempos mais recentes que o físico e
psíquico, o corpo e a mente, se ligam de uma maneira muito intrincada, mas que
é real, isto é, acontece no mundo natural. O material e o mental, o corpo e o
espírito, estão intimamente ligados, tal como nos ensina Damásio Esta mensagem foi
inteligentemente captada por Manuel Sérgio e é muito clara em toda a discussão
que ele tem vindo a desenvolver, numa obra já hoje muito rica e largamente citada,
em torno da filosofia da motricidade humana. Não pode haver movimento do corpo
humano que não passe pela actividade mental, assim como não há actividade
mental que não passe pela experiência do corpo, em particular a do movimento.
Se é verdade que o a mente comanda o corpo, não é menos verdade que o corpo
influencia a mente.
A filosofia da
“nova ciência” da motricidade humana parte do princípio que o ser humano é um
todo: de nada vale considerar o corpo sem a mente ou a mente sem o corpo. Um físico
só pode concordar com esta tese. Muitos físicos investigam o corpo (há muito,
pelo menos 1895, quando Wilhelm Roentgen descobriu os raios X) que a Medicina não
dispensa o saber e as técnicas da Física) e muitos físicos investigam o cérebro
humano (modelos e ferramentas da Física Estatística têm sido aplicadas ao
estudo dos processos cerebrais, como mostra o caso das redes neuronais). Os modernos
sucessores de Galileu, decerto contrariando Descartes, procuram saber como a
consciência e a vontade que dela emana emergem a partir de elementos e
processos meramente físicos. A sua intenção é arrojada, porque o problema não é
fácil.
Um dos grandes
avanços da Física no século XX revelou um entrave à ideia determinista: a de
que as mesmas causas produzem os mesmos efeitos. Associamos o determinismo a Descartes:
sara ele, o mundo teria sido criado por Deus, mas ele tinha vindo a funcionar
sozinho, deterministicamente, desde então): Os trabalhos do físico e matemático
norte-americano Edward Lorenz (1917-2008), realizados nos anos 60, que consistiram em modelar de forma simples um sistema meteorológico
e em explorar esse modelo num computador conduziram à ideia de que pequeníssimas
diferenças nas condições iniciais podem conduzir, em sistemas como aquele que
ele estudou (sistemas ditos “não-lineares”) a descomunais diferenças nas condições
finais. O determinismo ficou então fortemente abalado e com ele as nossas
possibilidades de previsão. Mas mais:
apesar dessa enorme variabilidade, expressa na expressão “efeito borboleta” (uma
borboleta que bate as asas no Brasil pode provocar um furacão do outro lado do
globo), nos sistemas não-lineares é possível reconhecer padrões matemáticos,
chamados “atractores estranhos,” que ostentam uma certa ordem, emergente da
desordem. Havia, portanto, alguma possibilidade de previsão, embora limitada, nos
sistemas desse tipo. O estudo do caos – falamos de “caos” sempre que há extrema
sensibilidade às condições iniciais - tivesse precedentes (como, por exemplo, a
investigação do matemático francês Henri
Poincaré, no início do século XX, sobre movimentos celestes) teve então o seu
início. A chamada “teoria do caos” encontrou curiosamente amplas aplicações na
mecânica celeste, que parecia ser o protótipo acabado de determinismo. Os céus
não eram o sítio de fácil previsão que se supunha. O próprio sistema solar, sujeito
à força não-linear da gravidade, é, a longo prazo, caótico.
Neste contexto,
o pensamento de Manuel Sérgio revela-se claramente influenciado, para não dizer
seduzido, pelas propostas de Ilya Prigogine, Prêmio Nobel da Química em 1977
por seu trabalho pioneiro nas “estruturas dissipativas”. Prigogine discutiu, na
ciência, a irreversibilidade do tempo que advém nessas situações e, na filosofia,
a reconfiguração das ciências que surge quando ela é valorizada. Se Lorenz
olhou para sistemas meteorológicos, que são claramente instáveis, Prigogine
olhou para certas reacções químicas fora do equilíbrio, que não o são menos. “Estruturas dissipativas” (o termo é do próprio
Prigogine) são sistemas dinâmicos longe do equilíbrio, mas que podem atingir estados
de certo modo estacionários. Na sua palestra Nobel, Prigogine explicou como tais
sistemas podem ter um comportamento completamente diferente do dos sistemas
próximos do equilíbrio, mas, mesmo assim, revelarem uma ordem peculiar. Nestes
sistemas, tal como nos de Lorenz, havia “atractores estranhos”, até porque as equações
subjacentes são semelhantes.
Existem, de
facto, notáveis semelhanças entre sistemas não-lineares ainda que estes modelem
partes diferentes do mundo. Um fenómeno notável que surge neles é a emergência:
o facto de o todo ser maior do que a soma das partes. Surgem na colectividade fenómenos
nada óbvios se olharmos apenas para os elementos constituintes. Para isso o que
importa são as ligações, que mantêm a coesão e a dinâmica do conjunto. O estudo
desses fenómenos permite lançar um novo olhar sobre a questão da irreversibilidade
do tempo. A famosa Segunda Lei da Termodinâmica postula a existência de uma
grandeza física - a entropia -.que cresce de um modo irreversível nos sistemas
isolados, definindo a “seta do tempo”. Mas a entropia, pelo menos como foi
formulada a meio do século XIX pelo alemão Rudolf Clausius, descrevia situações
de equilíbrio nos sistemas isolados. Nas reacções químicas de Prigogine há abertura
ao exterior (dizem-se “sistemas não isolados”) e o mesmo acontece com os seres
vivos em geral, que trocam matéria e
energia com a vizinhança. Fora do equilíbrio, revelam em certas condições situações
de irreversibilidade, isto é, o seu destino é inexorável. A partir de estudos
dos fenómenos irreversíveis que ocorrem nos sistemas físicos, químicos e biológicos,
Prigogine reclamou o papel central da “seta do tempo” na descrição científica
do mundo e procurou, em conjunto com os seus colaboradores, extrair todas as
implicações dessa centralidade para a própria filosofia das ciências. A este
respeito é entusiasmante a leitura do livro A Nova Aliança. Metamorfose da Ciência
(1987), escrito por Prigogine em conjunto com Isabelle Stengers, filósofa
e historiadora das ciências também belga, mas podem também ver-se com proveito outros
livros dele publicados em português, como os que estão indicados em baixo na
bibliografia. Sérgio leu todos
esses livros com entusiasmo, como se pode ver no primeiro texto de Para um Novo
Paradigma do Saber e… do Ser. Como o referido livro de Prigogine e Stengers,
assim como o referido livro de Damásio, são obras de divulgação da ciência dirigidas
a um público alargado, forçoso é concluir da relevância destes processos de
comunicação da ciência. Galileu escreveu em diálogo e em italiano, para poder ser
lido pelo maior número de pessoas. Do mesmo modo, vários cientistas actuais
tentam chegar mais longe, escrevendo não apenas para os seus pares mais
directos, mas para o público em geral. A ciência não pode ser um feudo dos
cientistas.
A palavra-chave no
pensamento de Prigogine é “complexidade”, uma palavra de resto muito querida so
sociólogo francês Edgar Morin (n. 1921, outro pensador longevo), autor de Introdução
ao Pensamento Complexo (1995), entre muitos outros livros (ver no final uma
breve selecção bibliográfica). O corpo é
um sistema complexo. A mente é um sistema complexo. O complexo corpo-mente é
eminentemente complexo. O movimento do corpo comandado pela mente só pode ser compreendido
no quadro das chamadas “ciências da complexidade”, isto é, o estudo dos
sistemas que são formados por muitas partes com interacção não-lineares entre
elas Estes sistemas têm uma comportamento interessante em situações muito afastadas
do equilíbrio, nas quais um constante fluxo de energia mantém a organização dos
sistemas. Têm uma história (historicidade e irreversibilidade são praticamente
sinónimos) e são o palco de fenómenos de emergência. Fala-se, em particular, de
sistemas complexos adaptativos, isto é, sistemas que evoluem ao longo do tempo,
adaptando-se a novas situações, em particular conformando-se a estímulos provenientes
do exterior. Falamos então de auto-organização.
O domínio das ciências
da complexidade é manifestamente interdisciplinar: foram dados exemplos da meteorologia,
da química, da biomedicina. Em 1984 foi fundada nem Santa Fé, no estado do Texas,
dos Estados Unidos, um Instituto de Estudos de Sistemas Complexos, onde matemáticos,
físicos, químicos e biólogos trabalham ao lado de engenheiros, electrotécnicos,
informáticos e outros, e também psicólogos, sociólogos, filósofos, etc. Trabalharam
lá os físicos Murray Gell-Mann (1929-2019) e Philip Anderson (1923-2020), os
dois laureados com o Prémio Nobel da Física, assim como o economista Kenneth Arrow
(1921-2017), laureado com o Nobel da Economia. Em Santa Fé são investigadas a teoria
do caos, os algoritmos genéticos, a economia da complexidade, a econofísica, as
redes complexas, a biologia teórica, a vida artificial, a linguística, etc. Tal
como a luneta astronómica e o plano inclinado foram os jnstrumentos de Galileu,
o computador é um instrumento dos cientistas da complexidade. Os investigadores
da complexidade procuram realizar simulações computacionais, em que modelos
reproduzam pelo menos algumas das características dos intrincados sistemas naturais.
No final indicam-se algumas obras em português que permitem ao autor exterior
ao tema da complexidade entrar nele ou aprofundá-lo.
Só o reconhecimento
prévio da complexidade pode permitir o sucesso de trabalhos de investigação na
área do corpo e da mente, em geral, e do movimento voluntário do corpo, em
particular. A complexidade coloca-nos, porém, um problema maior: a tradição
reducionista que os físicos conservam desde o tempo de Galileu e Descartes poderá
não ser a melhor chave para abrir portas nos edifícios onde eles hoje pretendem
em entrar. Há que conseguir e prosseguir um pensamento global, sistémico, que
se preocupe mais com o todo do que com as partes. E esse é o pensamento que vem
dessa velha ciência que é a Termodinâmica, que evoluiu a partir do estudo do
rendimento de máquinas, para fazer brotar essa sua justificação microscópica, que
é a Física Estatística. A Termodinâmica sempre foi uma ciência de sistemas, uma
ciência do macroscópico.
Na obra de Sérgio
– amplamente discutida neste volume - o leitor ficará a saber que a motricidade
humana possui a marca inegável da complexidade. Retirará também a mensagem de
que o diálogo interdisciplinar, o diálogo entre a Física, a Medicina, a Psicologia,
a Filosofia, etc., é hoje fonte indispensável de novos saberes. Ficará impressionado
com o pensamento claro e vigoroso do professor jubilado da Universidade de Lisboa,
que é também poeta e que foi também político.
Termino com uma
citação do livro de Manuel Sérgio que referi logo no início (na p. 57, no final do cap. I
“A motricidade humana significa que um novo paradigma do saber e do ser porque
todos os paradigmas clássicas, simplificadores e fragmentados, deverão transformar-se
em complexos e dialogantes; porque só se é, verdadeiramente, no movimento intencional
de transcendência, ou seja, mesmo que não acaudatado por ninguém, na motricidade
de novos possíveis.
Carlos Fiolhais
BIBLIOGRAFIA
De Manuel Sérgio:
- Para uma epistemologia da motricidade
humana: Prolegómenos a uma ciência do homem. Lisboa: Vega, 1988. (4.ª edição, Lisboa: Nova Vega, 2018, com prefácio
de Augusto Baganha
- Motricidade Humana – contribuições para um
paradigma emergente. Lisboa: Instituto
Piaget, 1994.
- Um Corte Epistemológico: da educação
física à motricidade humana.
Lisboa: Instituto Piaget, 1999.
- Para um Novo Paradigma do Saber e.… do
Ser, Coimbra: Ariadne, 2005
De António Damásio:
- O Erro de
Descartes: Emoção, razão e cérebro humano, Mem Martins: Europa-América, 1995
(edição revista e actualizada, 2.ª edição. Lisboa: Temas e Debates, 201
- O Livro da
Consciência, Lisboa: Temas e Debates, 2010.
- O
Sentimento de Si. Lisboa: Temas e Debates
2013
De Ilya Prigogine:
- A Nova Aliança.
Metamorfose da Ciência. Lisboa: Gradiva, 198
- Entre o Tempo
e a Eternidade, Lisboa: Gradiva,
1990.
- O Fim das Certezas.
o Tempo, o Caos e as Leis das Natureza, Lisboa: Gradiva, 1996.
- O Nascimento
do Tempo, Lisboa: Edições 70, 1999.
De Edgar Mori
- Introdução
ao Pensamento Complexo, Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
- O Problema Epistemológico
da Complexidade, (debate realizado em Lisboa, em 1983, com José Mariano Gago,
entre outros), Mem Martins: Europa América, 1996.
-A
Complexidade, Vertigens e Promessas. 18 Histórias de Ciência em Entrevistas com
Edgar Morin, Michel Serres, Ilya Prigogine e Outros, Piaget, Réda Benkirane
(coord.), Lisboa: Instituto Piaget, 2004.
- Inteligência
da complexidade Epistemologia e pragmática (com Jean-Louis le Moigne), 2009,
Lisboa: Instituto Piaget, 2009.
De outros (em
português sobre as ciências da complexidade):
- James Gleick, Caos:
a construção de uma nova ciência. Lisboa: Gradiva, 198
- Heinz Pagels, Os
Sonhos da Razão. O computador e a ascensão das ciências da complexidade,
Lisboa: Gradiva, 1990.
- Benoit Mandelbrot,
Objectos fractais: forma, acaso e dimensão; seguido de Panorama da linguagem
fractal. Lisboa: Gradiva, 1991.
- Ian Stewart, Deus
joga aos dados?: a matemática do caos. Lisboa : Gradiva, 1991
- John Holland. A Ordem Oculta. Como a adaptação gere a complexidade,
Lisboa: Gradiva, 1997.
- Murray Gell-Mann.
O Quark e o Jaguar: Aventuras no Simples e no Complexo, Lisboa: Gradiva,
1997.