terça-feira, 13 de outubro de 2020

"Contratar docentes insuficientemente e/ou deficientemente qualificados" não é opção!

O ensino como outras profissões de educação padece de 
“... uma crónica hemiplegia profissional e de uma certa menoridade social. 
[os profissionais] reconhecem-se e são reconhecidos como profissionais 
mas, em geral, ainda não são tratados, não agem, nem se sentem como tais”
A. Reis Monteiro, 
In Deontologia das profissões da educação. Coimbra: Almedina, 2005, pág. 7.

Alguém que tem exercido diversos cargos académicos e políticos no sistema de ensino (e, de modo directo, na formação de professores), publicou um artigo de opinião sobre a já evidente falta de professores. Aí escreveu o seguinte:

"Há muito tempo que a situação é percetível e, na verdade, o problema só não é já catastrófico, devido ao adiamento da idade de reforma dos professores que mantém no sistema milhares de professores que já teriam saído. Mas, é óbvio que o tempo escasseia e vamo-nos aproximando da situação de ter de recuar aos anos 70/80 do século passado e voltar a contratar docentes insuficientemente e/ou deficientemente qualificados. Mas, convém sublinhar que, se tal vier a suceder, não se deverá a qualquer fator de crescimento inesperado ou incontrolável, mas a simples incompetência política" (ver aqui).

O destaque é meu, depurando-o fica:

"... vamo-nos aproximando da situação de ter de (...) contratar docentes insuficientemente e/ou deficientemente qualificados."

Adaptemos esta declaração a outras profissões com responsabilidade equivalente à da docência:

vamo-nos aproximando da situação de ter de (...) contratar   
médicos insuficientemente e/ou deficientemente qualificados.

pilotos de aviação insuficientemente e/ou deficientemente qualificados. 

juízes insuficientemente e/ou deficientemente qualificados.

Por certo os leitores concordarão que se alguma das declarações tivesse sido feita publicamente, a comunicação social "animar-se-ia" de imediato com uma extensa e aguerrida polémica. Tratando-se de professores, nada de especial aconteceu: uma crítica aqui e outra ali, que, por certo, não abalarão a certeza da pessoa em causa. 

Será, porém, de lembrar que temos, desde 2012, uma lei que firma a obrigatoriedade do mestrado em ensino, como a habilitação mínima para ingressar na carreira docente. Refiro-me ao Decreto-Lei n.º 41/2012 de 21 de Fevereiro que nos seus artigo 3.º e 4.º do Capítulo II diz: 

A habilitação profissional para a docência é condição indispensável para o desempenho da atividade docente (...) Têm habilitação profissional para a docência em cada grupo de recrutamento os titulares do grau de mestre (...) 

A menos que se mude a lei, não é possível "contratar docentes insuficientemente e/ou deficientemente qualificados". Pelo menos, em termos formais. Neste caso, é mesmo preciso o diploma.

7 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Li este texto e dei comigo a pensar no "O ensino ao ritmo humano". Ao ensino importa adoptar as melhores estratégias e instrumentos possíveis, para ser eficaz, na perspectiva dos objectivos e finalidades pretendidas. Isto envolve a necessidade de conhecer quando, como, para quê e quem aprende o quê.
Não me parece que o sucesso/eficácia do ensino seja uma variável independente do quando, como, para quê, quem aprende o quê. E vice-versa.
Não obstante, no binómio ensino aprendizagem, se é relativamente controlável, por parte dos professores, o elemento ensino, já a aprendizagem é muito difícil, e em certos casos, praticamente impossível, de controlar. E, sendo tarefa e função do aluno, ela varia imenso de aluno para aluno.
O ensino tem que se preocupar se os alunos aprendem depressa ou devagar na medida em que deve permitir que cada um possa aprender do modo que lhe der mais jeito.
Quanto à avaliação das aprendizagens, o problema está em reconhecer e classificar o trabalho desenvolvido e realizado, num determinado período de tempo.
É na avaliação e nos seus efeitos práticos que a escola não tem grande forma de evitar discriminações.
É sabido que, até nos casos em que dois alunos obtêm, ou lhes é atribuída igual classificação, isso pode estar muito longe de significar que ambos aprenderam ou sabem o mesmo. E não há uma relação muito directa entre o que é ensinado e o que é aprendido. Diria que esta relação é muito complexa e também fica largamente fora de controlo.
É preciso deixar que aprenda depressa quem quer e pode aprender depressa, não de deve impedir isso.
Quanto às questões da profundidade das aprendizagens e do pensamento, sem dúvida que elas requerem tempo de maturação, reflexão, experiência, prova, crítica, treino, domínio. Haverá quem se ocupe disso, uns mais outros menos. Aliás, também aqui, cada pessoa é um caso, cada curso é um caso e cada profissão... A maior parte do ensino, se não está pensada para uma aprendizagem "na óptica do utilizador", está estruturada e funciona assim.
A própria divisão por disciplinas e por especialidades também.
As pessoas, desde cedo, vão sendo induzidas a "habitar casulos de significado e de sentido" e constroem a sua racionalidade com os materiais disponíveis e segundo soluções disponíveis.
É-lhes fornecida uma proposta de aprendizagem que envolve algum tipo de problema, prático ou teórico, para resolver e que, muitas vezes, é um problema de linguagem, dá-se-lhes a resolução do problema, para aprenderem ou conferirem a resposta que encontraram e o resto fica ao sabor da criatividade, imaginação, solicitações, desafios, curiosidade, interesse, gosto, circunstâncias, de cada um.
De resto, para conduzir um veículo, usar um televisor, tomar um medicamento, aplicar uma lei, obter o perdão dos pecados, o utilizador só precisa de saber um restrito conjunto de coisas.
A esmagadora maioria da população não aspira a mais, nem sente necessidade de mais. E não seria viável, nem faria muito sentido, pretender fazer de cada indivíduo um engenheiro de automóveis, ou de electrónica, etc. e, menos ainda, porque seria absurdo, pretender que todo o indivíduo fosse competente em todas as áreas teóricas e práticas do conhecimento.
Os problemas são tantos e o trabalho a fazer é tanto, para uma vida tão curta e tão chata que, se cada um for fazendo aquela parte que lhe agrada mais ou lhe desagrada menos, em função dos incentivos e gratificações disponíveis, já é animador.

Unknown disse...

Neste caso convinha ainda alguma vergonha na cara por parte de quem fez as declarações. Assim ficamos todos com vergonha alheia...

Helena Damião disse...

Prezado leitor das 18h24 temo que as palavras publicadas no artigo que refiro sejam amplamente partilhadas. O raciocínio é o seguinte: mais vale ter um professor insuficiente ou deficientemente mal preparado a não ter nenhum professor. Além disso, isso já aconteceu em tempos recentes (finais das décadas de setenta, década de oitenta e ainda na década de noventa) e o sistema funcionou. Mais: as instituições de ensino superior não garante professores suficiente e adequadamente formados.
É um raciocínio falacioso, mas de aparência razoável, pelo que é muito bem capaz de ser tido em conta.
Cordialmente,
MHDamião

Anónimo disse...

Estamos aqui perante um paradoxo: no tempo do ensino exigente, das décadas de sessenta e oitenta, não havia um número suficiente de professores qualificados; agora, que o ensino está reduzido às "aprendizagens essenciais" é preciso ser mestre de qualificação superior para ser professor ou educador de infância. O imbróglio, gerado por estas políticas de gente mal preparada que, nos últimos tempos nos tem desgovernado, poderá ser resolvido com o retorno a um ensino, livre de hipocrisia e corrupção desenfreada, em que o sucesso educativo é sobretudo fruto do trabalho, honestidade e inteligência dos aprendentes. Levar a mestrança a toda (100%) a população, objetivo perseguido por muitos teóricos do eduquês, apresenta contradições insanáveis, como esta da falta de professores a curto prazo, que só poderão vir a ser corrigidas por uma nova geração de governantes que saibam restituir a racionalidade aos sistemas de ensino!

Nota disse...

Todos os críticos são insuficientes.

Unknown disse...

Sim bem sei. Mas atendendo a que o senhor que fez as declarações foi Secretário de estado do Ministério que mais contribuiu para que a carreira docente se tornasse... pouco ou nada atrativa, digamos assim, deveria ter vergonha de vir agora cantar da alto.

Socorro, a minha mulher tem um blog disse...

Caro Anónimo de dia 14
Grande confusão de ideias. Palavras como 'mestrança', 'eduquês' e até mesmo 'corrupção desenfreada' esclarecem a sua posição perante a educação no nosso país mas é uma opinião demolidora e longe dos factos. Há muito a melhorar no que à educação diz respeito mas muito se progrediu nos últimos trinta, quarenta anos. As escolas, os professores, os alunos são o espelho do país que temos. Não gostamos do que vemos? Há que trabalhar, então. Para sermos melhores e podermos gostar mais de nós e do que vemos à nossa volta.🌞

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...