EXPRESSO OPINIÃO | 16.02.2019
José Fragata, Cirurgião e professor universitário sobre a Lei de Bases da Saúde
Tendo sido um dos subscritores da versão original da Lei de Bases da
Saúde para a qual contribui com responsável cidadania, tenho seguido com
interesse a evolução que culminou na aprovação da sua versão
modificada. Os sistemas devem refletir as preocupações e necessidades
daqueles que servem, por exemplo, quando estamos doentes preocupamo-nos
primeiro com a doença, depois procuramos a qualidade e o acesso, acesso
materializado na capacidade de aceder financeiramente e em tempo útil ao
tratamento. Iremos ao sector público, ao social ou ao privado, iremos
onde for melhor e onde pudermos pagar, sendo a consideração da natureza
pública ou privada do prestador uma preocupação secundária...
Na Europa estes desideratos foram atingidos recorrendo a diferentes
modelos de financiamento por seguro e a diferentes agentes de prestação.
Em Portugal, o Estado pretende financiar, prestar e controlar os
cuidados de saúde, deixando ao sector social e ao privado um papel
meramente supletivo, e assumindo uma responsabilidade que sabe não poder
integralmente cumprir. Churchill costumava dizer “...temos que encarar
os factos, porque os factos olham para nós...” Ora, Portugal despende 9
por cento do PIB com a saúde, mas só 65 por cento é financiamento
público, sendo os restantes 35 por cento despesa individual, pelo que o
financiamento do SNS pelos impostos é em Portugal de 6 por cento do PIB
e, como o valor do nosso PIB per capita é muito inferior a países como a
Holanda, financiamos a saúde no sector público por metade dos países
desenvolvidos da Europa! Não espanta que o SNS tenha caído tão baixo, à
mingua de financiamento adequado e face ao elevado nível de sofisticação
médica-tecnológica que não é diferente para Portugal. O SNS, a ‘joia da
coroa’, encontra-se hoje numa situação de difícil reversão financeira e
quebra moral, materializada na dívida, no desinvestimento e no abandono
pelos profissionais em busca de melhores condições técnicas e
salariais.
A medicina moderna tem um forte pendor tecnológico — vive da inovação, e
suporta-se na tecnologia — o investimento tem estado centrado no sector
privado e não parecerá, no quadro económico próximo, que o Estado tenha
capacidade para investir suficientemente na renovação do parque
tecnológico do SNS, para não falar na subdotação em pessoal, dos
enfermeiros que lhe escasseiam aos médicos altamente especializados que
treinou, e que se tem mostrado incapaz de reter. Não sendo ricos,
teremos que ser ainda mais inteligentes na visão de um sistema de saúde
que, baseado na ideologia social europeia do acesso universal, inclua
sem preconceitos o sector público, o privado e o social, focando-se na
qualidade ao mais baixo preço, no acesso em tempo útil e gerando
satisfação — numa palavra, criando valor. Se o não fizermos,
sacrificaremos os cidadãos à mesma ideologia política com que os
pretendemos defender. Tal como o país não se pode dividir em público e
privado, tal como a tutela não deverá ser só do sector público, o País
não pode prescindir dum moderno parque hospitalar e tecnológico
instalado, só porque está no sector privado... Por ser valor nacional
deverá estar ao serviço dos cidadãos. É urgente ter para a saúde uma
visão que assente numa plataforma de largo e duradouro entendimento e
que secundarize a ideologia ao interesse real dos cidadãos, pobres ou
ricos, todos cuidados num sistema integrado, financiado por seguro,
tendo moralidade solidária e balizado na qualidade, no acesso e na
solidariedade, como na Europa — com mais política (de saúde) e menos
política.
José Fragata
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5 comentários:
A alternativa a estas propostas lúcidas do Professor José Fragata, feitas com os pés bem assentes na terra, é desatarmos todos a fazer greves de fome, até que o Estado Português nos dê, a todos, muita saúde, dinheiro e amor!...
Haja juízo!
Boa seu Anónimo.
O título parece-me encerrar uma contradição primária. De facto só pode haver política de saúde se houver política na saúde. Há sempre política (que significa polis?) na saúde. Hoje está em voga a deriva populista de estar sempre contra os políticos e a política. Chegando-se ao ponto de negar a existência de política (assim sendo a polis não existe!!).
Paradoxalmente o Partido Socialista que , em lágrimas de crocodilo diz estar preocupado com o Sistema Nacional de Saúde, tem sido o seu coveiro pelo apoio dado à Medicina Convencionada ajudada a crescer pelo respectivo apoio abrindo novas convenções em sítios onde já existem chegando , por vezes, e sobrando em verdadeira autofagia em que os pequenos são devorados pelos grandes grupos económicos que militam no campo da saúde.
Atrevo-me a pedir, depois de agradecer este sua lúcida e competente análise, ao Professor José Fragata um comentário sobre a expulsão de antigos familiares de beneficiários da ADSE, em alguns casos, idosos, doentes crónicos ou deficientes por usufruírem de pequenas reformas da Segurança Social para a qual descontaram.
Esta minha questão tem esbarrado no muro do silêncio ou na evocação de legislação imoral que coloca os portugueses contemporâneos na posição dos gregos de Antiga Grécia que eram atirados de ravinas abaixo ou lançados ao rio para não pesarem no erário público em que os escândalos de corrupção são moeda frequente, quase diária. Poupa-se no farelo dos gastos com uma população em fim de vida, doentes, deficientes para gastar com a farinha de corruptos ou argentários. Cantou Edith Piaff "La vien rose", hoje substituída pela vida negra dos expulsos da ADSE.
Errata: Nas duas últimas linha do meu comentário anterior, escrevi "La vien rose". Corrijo para La vie en rose.
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